Em defesa da cultura popular brasileira
O Romanceiro da Inconfidência
CECÍLIA MEIRELES
(trechos)
A obra, escrita por Cecília Meireles em 1940 e publicada em 1953, apresenta-se estruturada em 85 romances, além de outros poemas, como os que retratam os cenários. Total de 95 textos.
Caracteriza-se como uma obra lírica, de reflexão, mas com um contexto épico, narrativo, firmemente apoiado no fato histórico.
O tema é a primeira tentativa de libertação do Brasil, ocorrida em Minas Gerais – contada dos inícios da colonização no século 17 até a Inconfidência Mineira no século 18.
ROMANCE XXIV OU DA BANDEIRA DA INCONFIDÊNCIA
Através de grossas portas,
sentem-se luzes acesas,
- e há indagações minuciosas
dentro das casas fronteiras:
olhos colados aos vidros,
mulheres e homens à espreita,
caras disformes de insônia
vigiando as ações alheias.
Pelas gretas das janelas,
pelas frestas das esteiras,
agudas setas atiram
a inveja e a maledicência.
Palavras conjeturadas
oscilam no ar de surpresas,
como peludas aranhas
na gosma das teias densas,
rápidas e envenenadas,
engenhosas, sorrateiras.
Atrás de portas fechadas,
à luz de velas acesas,
brilham fardas e casacas,
junto com batinas pretas.
E há finas mãos pensativas,
entre galões, sedas, rendas,
e há grossas mãos vigorosas,
de unhas fortes, duras veias,
e há mãos de púlpito e altares,
de Evangelhos, cruzes, bênçãos.
Uns são reinóis, uns, mazombos;
e pensam de mil maneiras;
mas citam Vergílio e Horácio
e refletem, e argumentam,
falam de minas e impostos,
de lavras e de fazendas,
de ministros e rainhas
e das colônias inglesas.
Atrás de portas fechadas,
à luz de velas acesas,
uns sugerem, uns recusam,
uns ouvem, uns aconselham.
Se a derrama for lançada,
há levante, com certeza.
Corre-se por essas ruas?
Corta-se alguma cabeça?
Do cimo de alguma escada,
profere-se alguma arenga?
Que bandeira se desdobra?
Com que figura ou legenda?
Coisas da Maçonaria,
do Paganismo ou da Igreja?
A Santíssima Trindade?
Um gênio a quebrar algemas?
Atrás de portas fechadas,
à luz de velas acesas,
entre sigilo e espionagem,
acontece a Inconfidência.
E diz o Vigário ao Poeta:
“Escreva-me aquela letra
do versinho de Vergílio...
E dá-lhe o papel e a pena.
E diz o Poeta ao Vigário,
com dramática prudência:
“Tenha meus dedos cortados,
antes que tal verso escrevam...
LIBERDADE, AINDA QUE TARDE,
ouve-se em redor da mesa.
E a bandeira já está viva,
e sobe, na noite imensa.
E os seus tristes inventores
já são réus - pois se atreveram
a falar em Liberdade
(que ninguém sabe o que seja).
Através de grossas portas,
sentem-se luzes acesas,
- e há indagações minuciosas
dentro das casas fronteiras.
“Que estão fazendo, tão tarde?
Que escrevem, conversam, pensam?
Mostram livros proibidos?
Lêem notícias nas Gazetas?
Terão recebido cartas
de potências estrangeiras?”
(Antiguidades de Nimes
em Vila Rica suspensas!
Cavalo de La Fayette
saltando vastas fronteiras!
Ó vitórias, festas, flores
das lutas da Independência!
Liberdade - essa palavra
que o sonho humano alimenta:
que não há ninguém que explique,
e ninguém que não entenda!)
E a vizinhança não dorme:
murmura, imagina, inventa.
Não fica bandeira escrita,
mas fica escrita a sentença.
ROMANCE XXVIII OU DA DENÚNCIA DE JOAQUIM SILVÉRIO
No Palácio da Cachoeira,
com pena bem aparada,
começa Joaquim Silvério
a redigir sua carta.
De boca já disse tudo
quanto soube e imaginava.
Ai, que o traiçoeiro invejoso
junta às ambições a astúcia.
Vede a pena como enrola
arabescos de volúpia,
entre as palavras sinistras
desta carta de denúncia!
Que letras extravagantes,
com falsos intuitos de arte!
Tortos ganchos de malícia,
grandes borrões de vaidade.
Quando a aranha estende a teia,
não se encontra asa que escape.
Vede como está contente,
pelos horrores escritos,
esse impostor caloteiro
que em tremendos labirintos
prende os homens indefesos
e beija os pés aos ministros!
As terras de que era dono,
valiam mais que um ducado.
Com presentes e lisonjas,
arrematava contratos.
E delatar um levante
pode dar lucro bem alto!
Como pavões presunçosos,
suas letras se perfilam.
Cada recurvo penacho
é um erro de ortografia.
Pena que assim se retorce
deixa a verdade torcida.
(No grande espelho do tempo,
cada vida se retrata:
os heróis, em seus degredos
ou mortos em plena praça;
- os delatores, cobrando
o preço das suas cartas...)
ROMANCE XXXI OU DE MAIS TROPEIROS
Por aqui passava um homem
- e como o povo se ria! -
que reformava este mundo
de cima da montaria.
Tinha um machinho rosilho.
Tinha um machinho castanho.
Dizia: “Não se conhece
país tamanho!”
“Do Caeté a Vila Rica,
tudo ouro e cobre!
O que é nosso, vão levando..
E o povo aqui sempre pobre!”
Por aqui passava um homem
- e como o povo se ria! -
que não passava de Alferes
de cavalaria!
“Quando eu voltar - afirmava -
outro haverá que comande.
Tudo isto vai levar volta,
e eu serei grande!”
“Faremos a mesma coisa
que fez a América Inglesa!”
E bradava: “Há de ser nossa
tanta riqueza!”
Por aqui passava um homem
- e como o povo se ria! -
“Liberdade ainda que tarde”
nos prometia.
E cavalgava o machinho.
E a marcha era tão segura
que uns diziam: “Que coragem!”
E outros: “Que loucura!”
Lá se foi por esses montes
o homem de olhos espantados,
a derramar esperanças
por todos os lados.
Por aqui passava um homem...
- e como o povo se ria! -
Ele, na frente, falava,
e, atrás, a sorte corria...
Dizem que agora foi preso,
não se sabe onde.
(Por umas cartas entregues
ao Vice-Rei e ao Visconde.)
Pois parecia loucura,
mas era mesmo verdade.
Quem pode ser verdadeiro,
sem que desagrade?
Por aqui passava um homem...
- e como o povo se ria! -
No entanto, à sua passagem,
tudo era como alegria.
Mas ninguém mais se está rindo
pois talvez ainda aconteça
que ele por aqui não volte,
ou que volte sem cabeça...
(Pobre daquele que sonha
fazer bem - grande ousadia -
quando não passa de Alferes
de cavalaria!)
Por aqui passava um homem...
- e o povo todo se ria.
ROMANCE XXXIV OU DE JOAQUIM SILVÉRIO
Melhor negócio que Judas
fazes tu, Joaquim Silvério:
que ele traiu Jesus Cristo,
tu trais um simples Alferes.
Recebeu trinta dinheiros..
- e tu muitas coisas pedes:
pensão para toda a vida,
perdão para quanto deves,
comenda para o pescoço,
honras, glórias, privilégios.
E andas tão bem na cobrança
que quase tudo recebes!
Melhor negócio que Judas
fazes tu, Joaquim Silvério!
Pois ele encontra remorso,
coisa que não te acomete.
Ele topa uma figueira,
tu calmamente envelheces,
orgulhoso e impenitente,
com teus sombrios mistérios.
(Pelos caminhos do mundo,
nenhum destino se perde:
Há os grandes sonhos dos homens,
e a surda força dos vermes.)
ROMANCE LIX OU DA REFLEXÃO DOS JUSTOS
Foi trabalhar para todos...
- e vede o que lhe acontece!
Daqueles a quem servia,
já nenhum mais o conhece.
Quando a desgraça é profunda,
que amigo se compadece?
Tanta serra cavalgada!
Tanto palude vencido!
Tanta ronda perigosa,
em sertão desconhecido!
- E agora é um simples Alferes
louco, - sozinho e perdido.
Talvez chore na masmorra.
Que o chorar não é fraqueza.
Talvez se lembre dos sócios
dessa malograda empresa.
Por eles, principalmente,
suspirará de tristeza.
Sábios, ilustres, ardentes,
quando tudo era esperança...
E, agora, tão deslembrados
até da sua aliança!
Também a memória sofre,
e o heroísmo também cansa.
Não choram somente os fracos.
O mais destemido e forte,
um dia, também pergunta,
contemplando a humana sorte,
se aqueles por quem morremos
merecerão nossa morte.
Foi trabalhar para todos..
Mas, por ele, quem trabalha?
Tombado fica seu corpo,
nessa esquisita batalha.
Suas ações e seu nome,
por onde a glória os espalha?
Ambição gera injustiça.
Injustiça, covardia.
Dos heróis martirizados
nunca se esquece a agonia.
Por horror ao sofrimento,
ao valor se renuncia.
E, à sombra de exemplos graves,
nascem gerações opressas.
Quem se mata em sonho, esforço,
mistérios, vigílias, pressas?
Quem confia nos amigos?
Quem acredita em promessas?
Que tempos medonhos chegam,
depois de tão dura prova?
Quem vai saber, no futuro
o que se aprova ou reprova?
De que alma é que vai ser feita
essa humanidade nova?
ROMANCE LXXXI OU DOS ILUSTRES ASSASSINOS
Ó grandes oportunistas,
sobre o papel debruçados,
que calculais mundo e vida
em contos, doblas, cruzados,
que traçais vastas rubricas
e sinais entrelaçados,
com altas penas esguias
embebidas em pecados!
Ó personagens solenes
que arrastais os apelidos
como pavões auriverdes
seus rutilantes vestidos,
- todo esse poder que tendes
confunde os vossos sentidos:
a glória, que amais, é desses
que por vós são perseguidos.
Levantai-vos dessas mesas,
saí das vossas molduras;
vede que masmorras negras,
que fortalezas seguras,
que duro peso de algemas,
que profundas sepulturas
nascidas de vossas penas,
de vossas assinaturas!
Considerai no mistério
dos humanos desatinos,
e no pólo sempre incerto
dos homens e dos destinos!
Por sentenças, por decretos,
pareceríeis divinos:
e hoje sois, no tempo eterno,
como ilustres assassinos.
Ó soberbos titulares,
tão desdenhosos e altivos!
Por fictícia austeridade,
vãs razões, falsos motivos,
inutilmente matastes:
- vossos mortos são mais vivos;
e, sobre vós, de longe, abrem
grandes olhos pensativos.
O Instinto de Nacionalidade
Os leitores mais veteranos do HP sabem que não é a primeira vez que publicamos este artigo de Machado de Assis. Na verdade, nos últimos 19 anos, é a terceira vez que publicamos o principal ensaio crítico de nosso maior escritor. O motivo é que, no correr dos anos, novos leitores se somam aos antigos (ou nem tanto assim...), e não é justo que sejam privados desta obra, em geral pouco conhecida da maioria de nós. Muitos, por exemplo, relembrarão a frase: “Nem tudo tinham os antigos, nem tudo têm os modernos; com os haveres de uns e outros é que se enriquece o pecúlio comum”. Mas, é verdade, somente poucos serão capazes de identificar nesta consideração um dos trechos de “Notícia da literatura brasileira. Instinto de Nacionalidade”, do então jovem crítico - 34 anos - Machado de Assis.
A responsabilidade pelo relativo desconhecimento da obra crítica de Machado, no entanto, não cabe aos leitores. Sete anos depois deste artigo, o autor, com a publicação de “Memórias Póstumas de Brás Cubas” pela “Revista Brasileira”, iniciaria uma série de romances que elevaram a literatura brasileira ao mesmo patamar de literaturas bem mais antigas, romances - e contos - tão extraordinários que ofuscariam, com raras exceções, todo o resto de sua obra.
Machado começara sua vida literária como poeta, com a publicação, em 1855, do poema “A Palmeira”, pela revista “Marmota Fluminense”; mas sua notoriedade veio em 1858, com o ensaio “O passado, o presente e o futuro da literatura”, também publicado pela “Marmota” (edições de 9 e 23 de abril).
Em 1868, José de Alencar, em sua casa da Tijuca, recebeu a visita de um jovem poeta - tinha apenas 21 anos - e percebeu nele um grande talento. Nessa época, Alencar, em conflito com o imperador, enfrentava o que chamou de “conspiração de silêncio”, por parte da imprensa. É ao crítico Machado de Assis que ele recomenda Castro Alves. E Machado faz um primeiro julgamento que se tornaria definitivo, mas não devia ser fácil naquela época, sobretudo considerando os temas, politicamente incômodos, sempre escolhidos pelo poeta - a escravidão e a revolução de Tiradentes e Gonzaga, uma revolução contra a bisavó do imperador. No entanto, diz o crítico Machado de Assis:
“... [Castro Alves é] uma vocação literária, cheia de vida e robustez, deixando antever nas magnificências do presente as promessas do futuro. (...) A musa do Sr. Castro Alves tem feição própria. (...) Não lhe aprazem certamente as tintas brancas e desmaiadas da elegia; quer antes as cores vivas e os traços vigorosos da ode. (...) o Sr. Castro Alves canta simultaneamente o que é grande e o que é delicado, mas com igual inspiração e método idêntico; a pompa das figuras, a sonoridade do vocábulo, uma forma esculpida com arte, sentindo-se por baixo desses lavores o estro, a espontaneidade, o ímpeto. Não é raro andarem separadas estas duas qualidades da poesia: a forma e o estro. Os verdadeiros poetas são os que as têm ambas. Vê-se que o Sr. Castro Alves as possui; (...) É possível que uma segunda leitura dos seus versos me mostrasse alguns senões fáceis de remediar; confesso que os não percebi no meio de tantas belezas”.
Porém, o “estro” (isto é, o gênio) de Castro Alves não teria muito tempo. Faleceu três anos depois desse juízo crítico de Machado, aos 24 anos, mas realizou, no pouco tempo que teve, “as promessas do futuro”.
Em 1873, quando escreveu (para a “Novo Mundo”, uma revista em português editada em Nova Iorque!) “Instinto de Nacionalidade”, ele já havia publicado seu primeiro romance (“Ressurreição”, 1872), algumas críticas teatrais, uma coletânea de poemas (“Crisálidas”, 1864) e uma peça teatral, (“Desencantos”, 1861). Seu primeiro livro, no mesmo ano dessa peça, foi uma obra bastante peculiar.
Na época, num país de analfabetos e senhores de escravos (entre os quais havia autores, mas muito poucos leitores de romances, contos, poemas ou ensaios), o público principal da literatura eram as mulheres. A “Marmota”, revista de um amigo de Machado, Paula Britto, dirigia-se a esse público, e foi para ela que Machado escreveu um pequeno livro de 44 páginas, intitulado “Queda Que As Mulheres Têm Para Os Tolos”, também publicado pela “Typographia de F. Paula Britto” (há uma edição digitalizada do original na coleção Brasiliana, da USP).
Prudentemente, ele não assinou como autor esse primeiro livro, apresentando-se como tradutor (não se sabe de quem ou de que língua, pois nada há na edição de 1861 que esclareça tais detalhes...). Pode-se imaginar o escândalo que seria um mulato, numa sociedade escravagista, publicar um livro que tem como última frase: “Sim, sim, é de mister ousar tudo para com as mulheres”.
Mas como o autor era supostamente estrangeiro, não houve maiores problemas... Os registros da época mostram que as leitoras gostaram do livro.
O mais estranho, em “Queda Que As Mulheres Têm Para Os Tolos”, é que sua estrutura lembra àquela que apareceria 18 anos depois em “Memórias Póstumas” - que provocaria em Capistrano de Abreu a indagação: “As Memórias Póstumas de Brás Cubas são um romance?” (no prólogo à terceira edição do livro, Machado lembrou que o próprio Brás Cubas já respondera “que sim e que não, que era romance para uns e não o era para outros”).
Apesar disso, nenhuma das obras anteriores parecia anunciar o escritor que surgiria com esse romance de 1880. Para isso, ele teria de ajustar contas com a literatura brasileira anterior - e com a visão de sociedade que o romance anterior (mas não a poesia de Gonçalves Dias e Castro Alves) ainda conservava.
O “Instinto de Nacionalidade” é o texto onde Machado faz esse ajuste de contas, esse balanço. Há citações de autores que hoje estão justamente esquecidos (há até um J. Serra, mediocridade triturada sem contemplações pelo crítico) - e de outros que, ao contrário, como Alencar, Gonçalves Dias e Castro Alves, fazem parte do cabedal imperecível da nossa literatura. Entre uns e outros há autores que merecem lembrança e leitura, apesar de, hoje, não se revelarem imprescindíveis - Bernardo Guimarães (hoje conhecido apenas por “A Escrava Isaura”), Franklin Távora (o precursor do romance nordestino), e, inclusive, Macedo (que não escreveu apenas “A Moreninha”).
Do ponto de vista da nossa historiografia, é curioso como Machado trata desfavoravelmente o reacionário bajulador Francisco Adolfo de Varnhagen, então na crista da onda (acabara de receber o título de barão, depois promovido a visconde de Porto Seguro) como historiador laureado do Império, em comparação com seu oponente plebeu, João Francisco Lisboa. A História daria razão a Machado (e a Lisboa).
Optamos por não incluir notas explicativas, que poderiam esclarecer tal ou qual questão, mas dificultariam a leitura do conjunto do artigo. A pontuação usada por Machado foi mantida inalterada, pois essa é uma das características mais evidentes de seu estilo. Apenas em quatro casos, todos de evidente erro tipográfico, houve alguma mudança em relação ao original. O texto foi extraído da Obra Completa de Machado, Nova Aguillar, 1986, vol. III, cotejado com fac-símile da edição original. O artigo foi publicado na “Novo Mundo” de 24 de março de 1873.
CARLOS LOPES
MACHADO DE ASSIS
Quem examina a atual literatura brasileira reconhece-lhe logo, como primeiro traço, certo instinto de nacionalidade. Poesia, romance, todas as formas literárias do pensamento buscam vestir-se com as cores do país, e não há negar que semelhante preocupação é sintoma de vitalidade e abono de futuro. As tradições de Gonçalves Dias, Porto Alegre e Magalhães são assim continuadas pela geração já feita e pela que ainda agora madruga, como aqueles continuaram as de José Basílio da Gama e Santa Rita Durão. Escusado é dizer a vantagem deste universal acordo. Interrogando a vida brasileira e a natureza americana, prosadores e poetas acharão ali farto manancial de inspiração e irão dando fisionomia própria ao pensamento nacional. Esta outra independência não tem Sete de Setembro nem campo de Ipiranga; não se fará num dia, mas pausadamente, para sair mais duradoura; não será obra de uma geração nem duas; muitas trabalharão para ela até perfazê-la de todo.
Sente-se aquele instinto até nas manifestações da opinião, aliás mal formada ainda, restrita em extremo, pouco solícita, e ainda menos apaixonada nestas questões de poesia e literatura. Há nela um instinto que leva a aplaudir principalmente as obras que trazem os toques nacionais. A juventude literária, sobretudo, faz deste ponto uma questão de legítimo amor-próprio. Nem toda ela terá meditado os poemas de Uruguai e Caramuru com aquela atenção que tais obras estão pedindo; mas os nomes de Basílio da Gama e Durão são citados e amados, como precursores da poesia brasileira. A razão é que eles buscaram em roda de si os elementos de uma poesia nova, e deram os primeiros traços de nossa fisionomia literária, enquanto que outros Gonzaga por exemplo, respirando aliás os ares da pátria, não souberam desligar-se das faixas da Arcádia nem dos preceitos do tempo. Admira-se-lhes o talento, mas não se lhes perdoa o cajado e a pastora, e nisto há mais erro que acerto.
Dado que as condições deste escrito o permitissem, não tomaria eu sobre mim a defesa do mau gosto dos poetas arcádicos nem o fatal estrago que essa escola produziu nas literaturas portuguesa e brasileira. Não me parece, todavia, justa a censura aos nossos poetas coloniais, iscados daquele mal; nem igualmente justa a de não haverem trabalhado para a independência literária, quando a independência política jazia ainda no ventre do futuro, e mais que tudo quando entre a metrópole e a colônia criara a história a homogeneidade das tradições, dos costumes e da educação. As mesmas obras de Basílio da Gama e Durão quiseram antes ostentar certa cor local do que tornar independente a literatura brasileira, literatura que não existe ainda, que mal poderá ir alvorecendo agora.
Reconhecido o instinto de nacionalidade que se manifesta nas obras destes últimos tempos, conviria examinar se possuímos todas as condições e motivos históricos de uma nacionalidade literária, esta investigação (ponto de divergência entre literatos), além de superior às minhas forças, daria em resultado levar-me longe dos limites deste escrito. Meu principal objeto é atestar o fato atual; ora, o fato é o instinto de que falei, o geral desejo de criar uma literatura mais independente.
A aparição de Gonçalves Dias chamou a atenção das musas brasileiras para a história e os costumes indianos. Os Timbiras, I-Juca Pirama, Tabira e outros poemas do egrégio poeta acenderam as imaginações; a vida das tribos, vencidas há muito pela civilização, foi estudada nas memórias que nos deixaram os cronistas, e interrogadas dos poetas, tirando-lhes todos alguma coisa, qual um idílio, qual um canto épico.
Houve depois uma espécie de reação. Entrou a prevalecer a opinião de que não estava toda a poesia nos costumes semibárbaros anteriores à nossa civilização, o que era verdade, — e não tardou o conceito de que nada tinha a poesia com a existência da raça extinta, tão diferente da raça triunfante, — o que parece um erro.
É certo que a civilização brasileira não está ligada ao elemento indiano, nem dele recebeu influxo algum; e isto basta para não ir buscar entre as tribos vencidas os títulos da nossa personalidade literária. Mas se isto é verdade, não é menos certo que tudo é matéria de poesia, uma vez que traga as condições do belo ou os elementos de que ele se compõe. Os que, como o Sr. Varnhagen, negam tudo aos primeiros povos deste país, esses podem logicamente excluí-los da poesia contemporânea. Parece-me, entretanto, que, depois das memórias que a este respeito escreveram os Srs. Magalhães e Gonçalves Dias, não é lícito arredar o elemento indiano da nossa aplicação intelectual. Erro seria constituí-lo um exclusivo patrimônio da literatura brasileira; erro igual fora certamente a sua absoluta exclusão. As tribos indígenas, cujos usos e costumes João Francisco Lisboa cotejava com o livro de Tácito e os achava tão semelhantes aos dos antigos germanos, desapareceram, é certo, da região que por tanto tempo fora sua; mas a raça dominadora que as frequentou colheu informações preciosas e nô-las transmitiu como verdadeiros elementos poéticos. A piedade, a minguarem outros argumentos de maior valia, devera ao menos inclinar a imaginação dos poetas para os povos que primeiro beberam os ares destas regiões, consorciando na literatura os que a fatalidade da história divorciou.
Esta é hoje a opinião triunfante. Ou já nos costumes puramente indianos, tais quais os vemos n’Os Timbiras, de Gonçalves Dias, ou já na luta do elemento bárbaro com o civilizado, tem a imaginação literária do nosso tempo ido buscar alguns quadros de singular efeito dos quais citarei, por exemplo, a Iracema, do Sr. J. Alencar, uma das primeiras obras desse fecundo e brilhante escritor.
Compreendendo que não está na vida indiana todo o patrimônio da literatura brasileira, mas apenas um legado, tão brasileiro como universal, não se limitam os nossos escritores a essa só fonte de inspiração. Os costumes civilizados, ou já do tempo colonial, ou já do tempo de hoje, igualmente oferecem à imaginação boa e larga matéria de estudo. Não menos que eles, os convida a natureza americana cuja magnificência e esplendor naturalmente desafiam a poetas e prosadores. O romance, sobretudo, apoderou-se de todos esses elementos de invenção, a que devemos, entre outros, os livros dos Srs. Bernardo Guimarães, que brilhante e ingenuamente nos pinta os costumes da região em que nasceu, J. de Alencar, Macedo, Sílvio Dinarte (Escragnolle Taunay), Franklin Távora, e alguns mais.
Devo acrescentar que neste ponto manifesta-se às vezes uma opinião, que tenho por errônea: é a que só reconhece espírito nacional nas obras que tratam de assunto local, doutrina que, a ser exata, limitaria muito os cabedais da nossa literatura. Gonçalves Dias, por exemplo, com poesias próprias seria admitido no panteão nacional; se excetuarmos Os Timbiras, os outros poemas americanos, e certo número de composições, pertencem os seus versos pelo assunto a toda a mais humanidade, cujas aspirações, entusiasmo, fraquezas e dores geralmente cantam; e excluo daí as belas Sextilhas de Frei Antão, que essas pertencem unicamente à literatura portuguesa, não só pelo assunto que o poeta extraiu dos historiadores lusitanos, mas até pelo estilo que ele habilmente fez antiquado. O mesmo acontece com os seus dramas, nenhum dos quais tem por teatro o Brasil. Iria longe se tivesse de citar outros exemplos de casa, e não acabaria se fosse necessário recorrer aos estranhos. Mas, pois que isto vai ser impresso em terra americana e inglesa, perguntarei simplesmente se o autor do Song of Hiawatha não é o mesmo autor da Golden Legend, que nada tem com a terra que o viu nascer, e cujo cantor admirável é; e perguntarei mais se o Hamlet, o Otelo, o Júlio César, a Julieta e Romeu têm alguma coisa com a história inglesa nem com o território britânico, e se, entretanto, Shakespeare não é, além de um gênio universal, um poeta essencialmente inglês.
Não há dúvida que uma literatura, sobretudo uma literatura nascente, deve principalmente alimentar-se dos assuntos que lhe oferece a sua região, mas não estabeleçamos doutrinas tão absolutas que a empobreçam. O que se deve exigir do escritor antes de tudo, é certo sentimento íntimo, que o torne homem do seu tempo e do seu país, ainda quando trate de assuntos remotos no tempo e no espaço. Um notável crítico da França, analisando há tempos um escritor escocês, Masson, com muito acerto dizia que do mesmo modo que se podia ser bretão sem falar sempre de tojo, assim Masson era bem escocês, sem dizer palavra do cardo, e explicava o dito acrescentando que havia nele um scotticismo interior, diverso e melhor do que se fora apenas superficial.
Estes e outros pontos cumpria à crítica estabelecê-los, se tivéssemos uma crítica doutrinária, ampla, elevada, correspondente ao que ela é em outros países. Não a temos. Há e tem havido escritos que tal nome merecem, mas raros, a espaços, sem a influência quotidiana e profunda que deveriam exercer. A falta de uma crítica assim é um dos maiores males de que padece a nossa literatura; é mister que a análise corrija ou anime a invenção, que os pontos de doutrina e de história se investiguem, que as belezas se estudem, que os senões se apontem, que o gosto se apure e eduque, e se desenvolva e caminhe aos altos destinos que a esperam.
O ROMANCE
De todas as formas várias as mais cultivadas atualmente no Brasil são o romance e a poesia lírica; a mais apreciada é o romance, como aliás acontece em toda a parte, creio eu. São fáceis de perceber as causas desta preferência da opinião, e por isso não me demoro em apontá-las. Não se fazem aqui (falo sempre genericamente) livros de filosofia, de linguística, de crítica histórica, de alta política, e outros assim, que em alheios países acham fácil acolhimento e boa extração; raras são aqui essas obras e escasso o mercado delas. O romance pode-se dizer que domina quase exclusivamente. Não há nisto motivo de admiração nem de censura, tratando-se de um país que apenas entra na primeira mocidade, e esta ainda não nutrida de sólidos estudos. Isto não é desmerecer o romance, obra d’arte como qualquer outra, e que exige da parte do escritor qualidades de boa nota.
Aqui o romance, como tive ocasião de dizer, busca sempre a cor local. A substância, não menos que os acessórios, reproduzem geralmente a vida brasileira em seus diferentes aspectos e situações. Naturalmente os costumes do interior são os que conservam melhor a tradição nacional; os da capital do país, e em parte, os de algumas cidades, muito mais chegados à influência europeia, trazem já uma feição mista e ademanes diferentes. Por outro lado, penetrando no tempo colonial, vamos achar uma sociedade diferente, e dos livros em que ela é tratada, alguns há de mérito real.
Não faltam a alguns de nossos romancistas qualidades de observação e de análise, e um estrangeiro não familiar com os nossos costumes achará muita página instrutiva. Do romance puramente de análise, raríssimo exemplar temos, ou porque a nossa índole não nos chame para aí, ou porque seja esta casta de obras ainda incompatível com a nossa adolescência literária.
O romance brasileiro recomenda-se especialmente pelos toques do sentimento, quadros da natureza e de costumes, e certa viveza de estilo mui adequada ao espírito do nosso povo. Há em verdade ocasiões em que essas qualidades parecem sair da sua medida natural, mas em regra conservam-se estremes de censura, vindo a sair muita coisa interessante, muita realmente bela. O espetáculo da natureza, quando o assunto o pede, ocupa notável lugar no romance, e dá páginas animadas e pitorescas, e não as cito por me não divertir do objeto exclusivo deste escrito, que é indicar as excelências e os defeitos do conjunto, sem me demorar em pormenores. Há boas páginas, como digo, e creio até que um grande amor a este recurso da descrição, excelente, sem dúvida, mas (como dizem os mestres) de mediano efeito, se não avultam no escritor outras qualidades essenciais.
Pelo que respeita à análise de paixões e caracteres são muito menos comuns os exemplos que podem satisfazer à crítica; alguns há, porém, de merecimento incontestável. Esta é, na verdade, uma das partes mais difíceis do romance, e ao mesmo tempo das mais superiores. Naturalmente exige da parte do escritor dotes não vulgares de observação, que, ainda em literaturas mais adiantadas, não andam a rodo nem são a partilha do maior número.
As tendências morais do romance brasileiro são geralmente boas. Nem todos eles serão de princípio a fim irrepreensíveis; alguma coisa haverá que uma crítica austera poderia apontar e corrigir. Mas o tom geral é bom. Os livros de certa escola francesa, ainda que muito lidos entre nós, não contaminaram a literatura brasileira, nem sinto nela tendências para adotar as suas doutrinas, o que é já notável mérito. As obras de que falo, foram aqui bem-vindas e festejadas, como hóspedes, mas não se aliaram à família nem tomaram o governo da casa. Os nomes que principalmente seduzem a nossa mocidade são os do período romântico, os escritores que se vão buscar para fazer comparações com os nossos, — porque há aqui muito amor a essas comparações — são ainda aqueles com que o nosso espírito se educou, os Vítor Hugos, os Gautiers, os Mussets, os Gozlans, os Nervals.
Isento por esse lado o romance brasileiro, não menos o está de tendências políticas, e geralmente de todas as questões sociais, — o que não digo por fazer elogio, nem ainda censura, mas unicamente para atestar o fato. Esta casta de obras, conserva-se aqui no puro domínio de imaginação, desinteressada dos problemas do dia e do século, alheia às crises sociais e filosóficas. Seus principais elementos são, como disse, a pintura dos costumes, e luta das paixões, os quadros da natureza, alguma vez o estudo dos sentimentos e dos caracteres; com esses elementos, que são fecundíssimos, possuímos já uma galeria numerosa e a muitos respeitos notável.
No gênero dos contos, à maneira de Henri Murger, ou à de Trueba, ou à de Ch. Dickens, que tão diversos são entre si, têm havido tentativas mais ou menos felizes, porém raras, cumprindo citar, entre outros, o nome do Sr. Luís Guimarães Júnior, igualmente folhetinista elegante e jovial. É gênero difícil, a despeito da sua aparente facilidade, e creio que essa mesma aparência lhe faz mal, afastando-se dele os escritores, e não lhe dando, penso eu, o público toda a atenção de que ele é muitas vezes credor.
Em resumo, o romance, forma extremamente apreciada e já cultivada com alguma extensão, é um dos títulos da presente geração literária. Nem todos os livros, repito, deixam de se prestar a uma crítica minuciosa e severa, e se a houvéssemos em condições regulares creio que os defeitos se corrigiriam, e as boas qualidades adquiririam maior realce. Há geralmente viva imaginação, instinto do belo, ingênua admiração da natureza, amor às coisas pátrias, e além de tudo isto agudeza e observação. Boa e fecunda terra, já deu frutos excelentes e os há de dar em muito maior escala.
A POESIA
A ação de crítica seria sobretudo eficaz em relação à poesia. Dos poetas que apareceram no decênio de 1850 a 1860, uns levou-os a morte ainda na flor dos anos, como Álvares de Azevedo, Junqueira Freire, Casimiro de Abreu, cujos nomes excitam na nossa mocidade legítimo e sincero entusiasmo, e bem assim outros de não menor porte. Os que sobreviveram calaram as liras; e se uns voltaram as suas atenções para outro gênero literário, como Bernardo Guimarães, outros vivem dos louros colhidos, se é que não preparam obras de maior tomo, como se diz de Varela, poeta que já pertence ao decênio de 1860 a 1870. Neste último prazo outras vocações apareceram e numerosas, e basta citar um Crespo, um Serra, um Trajano, um Gentil-Homem de Almeida Braga, um Castro Alves, um Luís Guimarães, um Rosendo Moniz, um Carlos Ferreira, um Lúcio de Mendonça, e tantos mais, para mostrar que a poesia contemporânea pode dar muita coisa; se algum destes, como Castro Alves, pertence à eternidade, seus versos podem servir e servem de incentivo às vocações nascentes.
Competindo-me dizer o que acho da atual poesia, atenho-me só aos poetas de recentíssima data, melhor direi a uma escola agora dominante, cujos defeitos me parecem graves, cujos dotes — valiosos e que poderá dar muito de si, no caso de adotar a necessária emenda.
Não faltam à nossa atual poesia fogo nem estro. Os versos publicados são geralmente ardentes e trazem o cunho da inspiração. Não insisto na cor local; como acima disse, todas as formas a revelam com mais ou menos brilhante resultado, bastando-me citar neste caso as outras duas recentes obras, asMiniaturas de Gonçalves Crespo e os Quadros de J. Serra, versos estremados dos defeitos que vou assinalar. Acrescentarei que também não falta à poesia atual o sentimento da harmonia exterior. Que precisa ela então? Em que peca a geração presente? Falta-lhe um pouco mais de correção e gosto, peca na intrepidez às vezes da expressão, na impropriedade das imagens, na obscuridade do pensamento. A imaginação, que há deveras, não raro desvaira e se perde, chegando à obscuridade, à hipérbole, quando apenas buscava a novidade e a grandeza. Isto na alta poesia lírica, — na ode, diria eu, se ainda subsistisse a antiga poética; na poesia íntima e elegíaca encontram-se os mesmos defeitos, e mais um amaneirado no dizer e no sentir, o que tudo mostra na poesia contemporânea grave doença, que é força combater.
Bem sei que as cenas majestosas da natureza americana exigem do poeta imagens e expressões adequadas. O condor que rompe dos Andes, o pampeiro que varre os campos do Sul, os grandes rios, a mata virgem com todas as suas magnificências de vegetação, — não há dúvida que são painéis que desafiam o estro, mas, por isso mesmo que são grandes, devem ser trazidos com oportunidade e expressos com simplicidade. Ambas essas condições faltam à poesia contemporânea, e não é que escasseiem modelos, que aí estão, para só citar três nomes, os versos de Bernardo Guimarães, Varela e Álvares de Azevedo. Um único exemplo bastará para mostrar que a oportunidade e a simplicidade são cabais para reproduzir uma grande imagem ou exprimir uma grande ideia. N’Os Timbiras, há uma passagem em que o velho Ogib ouve censurarem-lhe o filho, porque se afasta dos outros guerreiros e vive só. A fala do ancião começa com estes primorosos versos:
“São torpes os anuns, que em bandos folgam.
São maus os caititus que em varas pascem:
Somente o sabiá geme sozinho,
E sozinho o condor aos céus remonta.”
Nada mais oportuno nem mais singelo do que isto. A escola a que aludo não exprimiria a ideia com tão simples meios, e faria mal, porque o sublime é simples. Fora para desejar que ela versasse e meditasse longamente estes e outros modelos que a literatura brasileira lhe oferece. Certo, não lhe falta, como disse, imaginação; mas esta tem suas regras, o estro leis, e se há casos em que eles rompem as leis e as regras, é porque as fazem novas, é porque se chamam Shakespeare, Dante, Goethe, Camões.
Indiquei os traços gerais. Há alguns defeitos peculiares a alguns livros, como por exemplo, a antítese, creio que por imitação de Vítor Hugo. Nem por isso acho menos condenável o abuso de uma figura que, se nas mãos do grande poeta produz grandes efeitos, não pode constituir objeto de imitação, nem sobretudo elementos de escola.
Há também uma parte da poesia que, justamente preocupada com a cor local, cai muitas vezes numa funesta ilusão. Um poeta não é nacional só porque insere nos seus versos muitos nomes de flores ou aves do país, o que pode dar uma nacionalidade de vocabulário e nada mais. Aprecia-se a cor local, mas é preciso que a imaginação lhe dê os seus toques, e que estes sejam naturais, não de acarreto. Os defeitos que resumidamente aponto não os tenho por incorrigíveis; a crítica os emendaria; na falta dela, o tempo se incumbirá de trazer às vocações as melhores leis. Com as boas qualidades que cada um pode reconhecer na recente escola de que falo, basta a ação do tempo, e se entretanto aparecesse uma grande vocação poética, que se fizesse reformadora, é fora de dúvida que os bons elementos entrariam em melhor caminho, e à poesia nacional restariam as tradições do período romântico.
O TEATRO
Esta parte pode reduzir-se a uma linha de reticência. Não há atualmente teatro brasileiro, nenhuma peça nacional se escreve, raríssima peça nacional se representa. As cenas teatrais deste país viveram sempre de traduções, o que não quer dizer que não admitissem alguma obra nacional quando aparecia. Hoje, que o gosto público tocou o último grau da decadência e perversão, nenhuma esperança teria quem se sentisse com vocação para compor obras severas de arte. Quem lhas receberia, se o que domina é a cantiga burlesca ou obscena, o cancã, a mágica aparatosa, tudo o que fala aos sentidos e aos instintos inferiores?
E todavia a continuar o teatro, teriam as vocações novas alguns exemplos não remotos, que muito as haviam de animar. Não falo das comédias do Pena, talento sincero e original, a quem só faltou viver mais para aperfeiçoar-se e empreender obras de maior vulto; nem também das tragédias de Magalhães e dos dramas de Gonçalves Dias, Porto Alegre e Agrário. Mais recentemente, nestes últimos doze ou quatorze anos, houve tal ou qual movimento. Apareceram então os dramas e comédias do Sr. J. de Alencar, que ocupou o primeiro lugar na nossa escola realista e cujas obras Demônio Familiar e Mãe são de notável merecimento. Logo em seguida apareceram várias outras composições dignas do aplauso que tiveram tais como os dramas dos Srs. Pinheiro Guimarães, Quintino Bocaiúva e alguns mais, mas nada disso foi adiante. Os autores cedo se enfastiaram da cena que a pouco e pouco foi decaindo até chegar ao que temos hoje, que é nada.
A província ainda não foi de todo invadida pelos espetáculos de feira; ainda lá se representa o drama e a comédia, — mas não aparece, que me conste, nenhuma obra nova e original. E com estas poucas linhas fica liquidado este ponto.
A LÍNGUA
Entre os muitos méritos dos nossos livros nem sempre figura o da pureza da linguagem. Não é raro ver intercalados em bom estilo os solecismos da linguagem comum, defeito grave, a que se junta o da excessiva influência da língua francesa. Este ponto é objeto de divergência entre os nossos escritores. Divergência digo, porque, se alguns caem naqueles defeitos por ignorância ou preguiça, outros há que os adotam por princípio, ou antes por uma exageração de princípio.
Não há dúvida que as línguas se aumentam e alteram com o tempo e as necessidades dos usos e costumes. Querer que a nossa pare no século de quinhentos, é um erro igual ao de afirmar que a sua transplantação para a América não lhe inseriu riquezas novas. A este respeito a influência do povo é decisiva. Há, portanto, certos modos de dizer, locuções novas, que de força entram no domínio do estilo e ganham direito de cidade.
Mas se isto é um fato incontestável, e se é verdadeiro o principio que dele se deduz, não me parece aceitável a opinião que admite todas as alterações da linguagem, ainda aquelas que destroem as leis da sintaxe e a essencial pureza do idioma. A influência popular tem um limite, e o escritor não está obrigado a receber e dar curso a tudo o que o abuso, o capricho e a moda inventam e fazem correr. Pelo contrário, ele exerce também uma grande parte de influência a este respeito, depurando a linguagem do povo e aperfeiçoando-lhe a razão.
Feitas as exceções devidas não se leem muito os clássicos no Brasil. Entre as exceções poderia eu citar até alguns escritores cuja opinião é diversa da minha neste ponto, mas que sabem perfeitamente os clássicos. Em geral, porém, não se leem, o que é um mal. Escrever como Azurara ou Fernão Mendes seria hoje um anacronismo insuportável. Cada tempo tem o seu estilo. Mas estudar-lhes as formas mais apuradas da linguagem, desentranhar deles mil riquezas, que, à força de velhas se fazem novas, — não me parece que se deva desprezar. Nem tudo tinham os antigos, nem tudo têm os modernos; com os haveres de uns e outros é que se enriquece o pecúlio comum.
Outra coisa de que eu quisera persuadir a mocidade é que a precipitação não lhe afiança muita vida aos seus escritos. Há um prurido de escrever muito e depressa; tira-se disso glória, e não posso negar que é caminho de aplausos. Há intenção de igualar as criações do espírito com as da matéria, como se elas não fossem neste caso inconciliáveis. Faça muito embora um homem a volta ao mundo em oitenta dias, para uma obra-prima do espírito são precisos alguns mais.
Aqui termino esta notícia. Viva imaginação, delicadeza e força de sentimentos, graças de estilo, dotes de observação e análise, ausência às vezes de gosto, carências às vezes de reflexão e pausa, língua nem sempre pura, nem sempre copiosa, muita cor local, eis aqui por alto os defeitos e as excelências da atual literatura brasileira, que há dado bastante e tem certíssimo futuro.
Artigo extraído da Hora do Povo - Edições 2.882 e 2.883 de 2010
O operário em construção
(Vinicius de Moraes)
E o Diabo, levando-o a um alto monte, mostrou-lhe num momento de tempo todos os reinos do mundo. E disse-lhe o Diabo:
- Dar-te-ei todo este poder e a sua glória, porque a mim me foi entregue e dou-o a quem quero; portanto, se tu me adorares, tudo será teu.
E Jesus, respondendo, disse-lhe:
- Vai-te, Satanás; porque está escrito: adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele servirás.
Lucas, cap. V, vs. 5-8.
Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia, por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.
De fato, como podia
Um operário em construção
Compreender por que um tijolo
Valia mais do que um pão?
Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia...
Mas fosse comer tijolo!
E assim o operário ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento
Além uma igreja, à frente
Um quartel e uma prisão:
Prisão de que sofreria
Não fosse, eventualmente
Um operário em construção.
Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma súbita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
- Garrafa, prato, facão -
Era ele quem os fazia
Ele, um humilde operário,
Um operário em construção.
Olhou em torno: gamela
Banco, enxerga, caldeirão
Vidro, parede, janela
Casa, cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia
Era ele quem o fazia
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia
Exercer a profissão.
Ah, homens de pensamento
Não sabereis nunca o quanto
Aquele humilde operário
Soube naquele momento!
Naquela casa vazia
Que ele mesmo levantara
Um mundo novo nascia
De que sequer suspeitava.
O operário emocionado
Olhou sua própria mão
Sua rude mão de operário
De operário em construção
E olhando bem para ela
Teve um segundo a impressão
De que não havia no mundo
Coisa que fosse mais bela.
Foi dentro da compreensão
Desse instante solitário
Que, tal sua construção
Cresceu também o operário.
Cresceu em alto e profundo
Em largo e no coração
E como tudo que cresce
Ele não cresceu em vão
Pois além do que sabia
- Exercer a profissão -
O operário adquiriu
Uma nova dimensão:
A dimensão da poesia.
E um fato novo se viu
Que a todos admirava:
O que o operário dizia
Outro operário escutava.
E foi assim que o operário
Do edifício em construção
Que sempre dizia sim
Começou a dizer não.
E aprendeu a notar coisas
A que não dava atenção:
Notou que sua marmita
Era o prato do patrão
Que sua cerveja preta
Era o uísque do patrão
Que seu macacão de zuarte
Era o terno do patrão
Que o casebre onde morava
Era a mansão do patrão
Que seus dois pés andarilhos
Eram as rodas do patrão
Que a dureza do seu dia
Era a noite do patrão
Que sua imensa fadiga
Era amiga do patrão.
E o operário disse: Não!
E o operário fez-se forte
Na sua resolução.
Como era de se esperar
As bocas da delação
Começaram a dizer coisas
Aos ouvidos do patrão.
Mas o patrão não queria
Nenhuma preocupação
- "Convençam-no" do contrário -
Disse ele sobre o operário
E ao dizer isso sorria.
Dia seguinte, o operário
Ao sair da construção
Viu-se súbito cercado
Dos homens da delação
E sofreu, por destinado
Sua primeira agressão.
Teve seu rosto cuspido
Teve seu braço quebrado
Mas quando foi perguntado
O operário disse: Não!
Em vão sofrera o operário
Sua primeira agressão
Muitas outras se seguiram
Muitas outras seguirão.
Porém, por imprescindível
Ao edifício em construção
Seu trabalho prosseguia
E todo o seu sofrimento
Misturava-se ao cimento
Da construção que crescia.
Sentindo que a violência
Não dobraria o operário
Um dia tentou o patrão
Dobrá-lo de modo vário.
De sorte que o foi levando
Ao alto da construção
E num momento de tempo
Mostrou-lhe toda a região
E apontando-a ao operário
Fez-lhe esta declaração:
- Dar-te-ei todo esse poder
E a sua satisfação
Porque a mim me foi entregue
E dou-o a quem bem quiser.
Dou-te tempo de lazer
Dou-te tempo de mulher.
Portanto, tudo o que vês
Será teu se me adorares
E, ainda mais, se abandonares
O que te faz dizer não.
Disse, e fitou o operário
Que olhava e que refletia
Mas o que via o operário
O patrão nunca veria.
O operário via as casas
E dentro das estruturas
Via coisas, objetos
Produtos, manufaturas.
Via tudo o que fazia
O lucro do seu patrão
E em cada coisa que via
Misteriosamente havia
A marca de sua mão.
E o operário disse: Não!
- Loucura! - gritou o patrão
Não vês o que te dou eu?
- Mentira! - disse o operário
Não podes dar-me o que é meu.
E um grande silêncio fez-se
Dentro do seu coração
Um silêncio de martírios
Um silêncio de prisão.
Um silêncio povoado
De pedidos de perdão
Um silêncio apavorado
Com o medo em solidão.
Um silêncio de torturas
E gritos de maldição
Um silêncio de fraturas
A se arrastarem no chão.
E o operário ouviu a voz
De todos os seus irmãos
Os seus irmãos que morreram
Por outros que viverão.
Uma esperança sincera
Cresceu no seu coração
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a razão
De um homem pobre e esquecido
Razão porém que fizera
Em operário construído
O operário em construção.
O Analfabeto Político
(Bertolt Brecht)
O pior analfabeto é o analfabeto político.
Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos.
Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão,
do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio
dependem das decisões políticas.
O analfabeto político é tão burro que se orgulha
e estufa o peito dizendo que odeia a política.
Não sabe o imbecil que da sua ignorância política nasce a prostituta,
o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos que é o político vigarista, pilantra, o corrupto e lacaio dos exploradores do povo.
Nada é impossível de Mudar
"Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo.
E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de
hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem
sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente,
de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural
nada deve parecer impossível de mudar."
Privatizado
"Privatizaram sua vida, seu trabalho, sua hora de amar e seu direito de pensar.
É da empresa privada o seu passo em frente,
seu pão e seu salário. E agora não contente querem
privatizar o conhecimento, a sabedoria,
o pensamento, que só à humanidade pertence."
Vulnerabilidade Ideológica e Hegemonia Cultural
SAMUEL PINHEIRO GUIMARÃES*
A sociedade brasileira se caracteriza por crônica vulnerabilidade externa com facetas econômica (a mais debatida), política, tecnológica, militar e ideológica. A mais importante, pois influencia todas as políticas e atitudes do Estado e da sociedade brasileira (empresas, associações, partidos, ONGs, igrejas, indivíduos etc.) que agravam aquelas outras facetas da vulnerabilidade, é a de natureza ideológica. É ela que, através de diversos mecanismos, mantém e aprofunda a “consciência colonizada” das elites dirigentes e até de segmentos das oposições políticas, intelectuais, econômicas, burocráticas. A consciência colonizada se expressa em uma atitude mental timorata e subserviente, que alimenta sentimentos de impotência na população, ao atribuir as mazelas brasileiras à “escassez de poder” do Brasil, à “incompetência” brasileira, ao nosso “caipirismo”, ao “arcaísmo” social, à “xenofobia”, enfim, à nossa inferioridade como sociedade. A vulnerabilidade ideológica está estreitamente relacionada com a crescente hegemonia cultural americana na sociedade brasileira, que se exerce em especial através do produto audiovisual, veiculado pela televisão e pelo cinema, articulado com a imprensa, o disco e o rádio.
A vulnerabilidade ideológica é de tal ordem que a opinião de um sociólogo francês ou de um economista americano ou os aplausos estrangeiros a um dirigente brasileiro ou a opinião de uma agência de análise de risco, ou de um organismo internacional, têm enorme impacto positivo ou negativo sobre a visão das elites sobre a situação e as perspectivas do Brasil, gerando manifestações auto-congratulatórias ou protestos de repulsa e lamentos de decepção. A sociedade brasileira é vulnerável ideologicamente porque parte majoritária de suas elites, ao invés de procurarem governar para o povo, preferem governar para os interesses internacionais de toda a ordem. Desejam essas elites serem “aceitas” como representantes de um “país normal”, de uma “sociedade jovem, mas civilizada”, que não “confronta” os interesses das Grandes Potências e com elas “colabora”. As opiniões sobre o Brasil de intelectuais, políticos ou empresários estrangeiros são recebidas com maior respeito, admiração e concordância do que aquelas emitidas por brasileiros (a não ser quando esses refletem a opinião estrangeira), por setores importantes da mídia, a qual repercute tais julgamentos, e pelas elites nativas de mentalidade colonial.
A vulnerabilidade ideológica faz com que as elites intelectuais e dirigentes procurem ver sempre em modelos estrangeiros as soluções para o subdesenvolvimento econômico, para o “atraso” cultural, para o “autoritarismo” político, para o “arcaísmo” institucional brasileiro. Vão elas buscar modelos institucionais no exterior (por exemplo, agências reguladoras, Banco Central autônomo etc.), estratégias econômicas (por exemplo, câmbio “fixo” e sobrevalorizado e agora as metas de inflação etc.), teorias militares (por exemplo, segurança cooperativa etc.), modelos educacionais (por exemplo, o currículo escolar, o sistema de créditos na universidade etc.). Esquecem que esses modelos e teorias foram desenvolvidos com base na experiência histórica de sociedades que tiveram evolução e características distintas da brasileira. Assim, esses modelos e teorias “transplantados” para o Brasil definham ou degeneram, para desespero de seus propugnadores colonizados. Há hoje juristas e intelectuais que defendem, por exemplo, a adoção pelo Brasil dos princípios da “common law” e das práticas de arbitragem, inclusive internacional, anglo-americana para organizar e reformar o sistema jurídico brasileiro, que seria, segundo eles, arcaico e moroso, por se basear no direito romano e germânico. E, assim por diante, os exemplos dessa mentalidade e atitude mimética são inúmeros.
A questão da vulnerabilidade ideológica é fundamental, pois ela se refere diretamente à coesão ou desintegração social, à construção ou fragmentação nacional, à autoestima ou auto-rejeição e à própria possibilidade de êxito de uma política de desenvolvimento econômico (não apenas de crescimento desigual), democrático (não oligárquico e não plutocrático) e social (cultural e espiritual) da sociedade brasileira.
A vulnerabilidade ideológica afeta a identidade cultural brasileira. Esta identidade é fundamental quando se admite que a sociedade brasileira se desenvolveu em um território geográfico específico, com uma composição étnica e religiosa distinta, com uma experiência histórica, política e econômica única. A consciência disto é essencial para que a sociedade possa encontrar soluções próprias para seus próprios desafios. A vulnerabilidade ideológica e a hegemonia cultural estrangeira impedem, dificultam e confundem os distintos segmentos da sociedade brasileira e tendem a eliminar a consciência de suas características específicas e da própria evolução dessas características, que é a sua história.
A consciência que a sociedade adquire de si mesma, isto é, a consciência de cada cidadão e dos grupos sociais sobre as características da sociedade em que vivem depende de uma representação ideológica, que depende, por sua vez, de manifestações culturais as mais distintas que interpretam e criam o imaginário nacional do seu passado, de seu presente e de seu futuro.
Essa criação do imaginário, dessa visão do passado, do presente e do futuro, é, em sua quase totalidade, alheia à experiência direta dos indivíduos. Quanto ao passado e ao futuro, porque não o “viveram” nem o “viverão”. E quanto ao presente, porque não podem dele participar, ter a experiência direta de todas as situações sociais pela impossibilidade da ubiquidade. Assim, a esmagadora maioria dos fatos e das interpretações que conhecemos sobre o passado do próprio Brasil e do mundo depende da elaboração intelectual e cultural de historiadores e artistas, em especial os criadores de obras audiovisuais e literárias, por mais que sejam elas consideradas como obras de ficção. Muito daquilo que um brasileiro imagina a respeito de situações e valores individuais e sociais é uma construção cultural/ literária/audiovisual/noticiosa, muitas vezes repleta de preconceitos e estereótipos. Tudo o que sabemos sobre a história da sociedade brasileira não foi vivido “por nós”, mas sim “elaborado” por terceiros.
A vulnerabilidade ideológica se acentua com a crescente hegemonia cultural norte-americana no Brasil. Na medida em que a elaboração, produção e difusão cultural brasileira, audiovisual ou não, está sujeita à hegemonia cultural estrangeira, a formação do imaginário nacional acaba se realizando de forma fragmentada e claudicante. As “interpretações” da realidade mundial elaborada pelas manifestações culturais hegemônicas norte-americanas passam a predominar, refletindo os preconceitos e os estereótipos daquela cultura e os interesses daquela sociedade. Daí as distorções decorrentes da hegemonia cultural estrangeira, no caso do Brasil, americana, a vulnerabilidade ideológica e suas consequências negativas para o Brasil.
A construção da identidade cultural decorre da produção de manifestações culturais que abrangem desde as atividades da imprensa à elaboração científica e artística, mas, em especial, devido ao seu extraordinário alcance, às manifestações audiovisuais (documentários, filmes de ficção, séries e noticiários de toda ordem). A construção desta identidade não se contrapõe à necessidade de diversidade cultural e muito menos ao diálogo com a cultura estrangeira. Contrapõe-se, isto sim, à hegemonia das manifestações culturais estrangeiras sobre a cultura brasileira no próprio território brasileiro. O estímulo e o acesso à diversidade das manifestações culturais permitiria à sociedade brasileira ter acesso a distintas e, muitas vezes, contraditórias visões do mundo, das relações interpessoais, das questões existenciais. A questão estratégica é, pois, imaginar mecanismos que ampliem o acesso de todos, sejam eles artistas, intelectuais, políticos ou simples brasileiros, à miríade de manifestações culturais brasileiras e de todas as sociedades que constituem a diversidade cultural planetária e fortaleçam e enriqueçam a nossa própria identidade, combatendo a hegemonia cultural de qualquer origem no Brasil. Trata-se de definir uma política cultural, de comunicação e de educação, não-assistencialista, integrada e voltada para o projeto de construção da sociedade brasileira. E para isto é indispensável discutir a questão cultural também em seus aspectos econômicos, políticos e sociais.
Cultura, comunicação e educação: compreensão
A cultura pode ser definida em sentido estrito como o conjunto de atividades humanas, de natureza não utilitária, que expressam e reproduzem a experiência individual ou coletiva, a disseminam no presente e a transmitem no tempo, de geração em geração.
Sendo a experiência humana variável no espaço, devido a circunstâncias geográficas, étnicas, políticas e econômicas distintas, há naturalmente culturas nacionais específicas que, todavia, não sendo estanques, se influenciam umas às outras. Não há culturas nacionais superiores, assim como não há raças superiores, mas pode haver um maior grau de elaboração das manifestações culturais em decorrência de circunstâncias históricas, do grau de acumulação de riqueza e de conhecimento técnico/artístico em determinadas sociedades e pode haver, por razões econômicas e políticas, maior capacidade de difusão e penetração social global de certas culturas.
A cultura corresponde a um conjunto de manifestações das diversas artes tradicionais, tais como a música, a escultura, a pintura, a literatura, a arquitetura, a dança, o teatro, o cinema, e de outras formas, como a gravura e a fotografia. As artes e as manifestações artísticas não se identificam com o seu suporte físico nem com o seu veículo de difusão, ainda que veículos e suportes específicos afetem a obra de arte e de certa forma alterem o seu conteúdo e o seu impacto social, econômico e político, e passem assim a ser de grande relevância para a definição e execução de uma política cultural eficaz.
A cultura popular se expressa igualmente através de manifestações das mesmas artes, porém de forma intuitiva, artesanal, sem o mesmo domínio do conhecimento técnico e sem a aplicação estrita de “regras” eurocêntricas que correspondem tradicionalmente a cada arte. Não se trata de discutir ou decidir se a cultura erudita é superior à cultura popular, pois elas se influenciam e têm funções sociais semelhantes. Um artista popular pode ser capaz de refletir de forma extraordinária a experiência humana, de um certo momento e meio social, enquanto que um artista erudito pode falhar nesse propósito, apesar de seu maior domínio, digamos, das técnicas tradicionais eurocêntricas. As características da obra de arte, da manifestação cultural e seu impacto dependem do nível técnico com que se realizam, mas também da criatividade individual do artista e do alcance do veículo de difusão.
Sendo as manifestações culturais o modo como a experiência humana, que se verifica em uma certa dimensão geográfica, se transmite no tempo, a questão da cultura, da produção e da difusão cultural, está estreitamente vinculada à formação e à permanência da nação como conjunto de indivíduos, que em geral habitam um mesmo território, que compartilham uma experiência histórica comum e que têm a aspiração de construir um futuro comum, ainda que as visões sobre este futuro possam ser distintas.
A nação, a sociedade, se organiza como Estado, que pode ser definido como um conjunto de instituições que elaboram normas, as executam e as sancionam, com o objetivo de disciplinar as relações de toda ordem entre seus integrantes, para que sejam pacíficas e consensuais, e de defender e promover seus interesses e direitos em suas relações com as demais sociedades e Estados. O enfraquecimento da produção cultural de uma nação leva ao enfraquecimento dos laços que vinculam seus integrantes, de sua memória do passado, da experiência comum e de sua aspiração de construção de um futuro compartilhado. Naturalmente que o enfraquecimento da cultura nacional diante da hegemonia de outras manifestações culturais de outras sociedades, que são necessariamente distintas e que não correspondem às experiências daquela nação em sua trajetória histórica, corrói sua autoestima e enfraquece a capacidade do Estado de promover e defender os interesses nacionais.
A maior parte das imagens que os indivíduos formam sobre as experiências humanas individuais e coletivas e que constituem a base para suas ações não decorre de sua experiência direta, mas sim são o resultado de informações que se transmitem pela mídia escrita e audiovisual e que utilizam recursos artísticos, culturais. A maior parte dos valores sociais é construída, elaborada, transformada e destruída através da influência de um fluxo contínuo de manifestações culturais transmitidas pelos meios de comunicação e difundidas socialmente.
Assim ocorre com a obra literária, que inclui o jornalismo, com a música, com as manifestações audiovisuais em suas distintas formas, tais como o teatro e o cinema, transmitidas pelos instrumentos da mídia que constituem uma indústria que recolhe, produz, distribui e divulga as manifestações culturais. Seus diferentes setores são constituídos pelas editoras, as empresas jornalísticas, as rádios, as companhias de teatro, as produtoras e distribuidoras de filmes para cinema e TV, as redes de televisão aberta e a cabo etc. A obra do escritor, do músico, do diretor de cinema não tem impacto e função social (e nem mesmo cultural) se ela não chega ao público, à sociedade. Para que isto ocorra, é necessário que se transforme em um produto, o mais importante da atividade humana, pois alimenta o processo contínuo de reconstrução do passado, de tempos que os indivíduos que formam a sociedade atual não viveram; de interpretação do vastíssimo presente do qual os indivíduos conhecem diretamente apenas ínfima parcela; e de formação de visões do futuro, cuja forma concreta que vier a assumir dependerá desde já do que se pensa que ele será ou que poderá ser.
Assim, a manifestação cultural tem de ser transformada em produto econômico, isto é, em resultado de processos específicos de produção e de distribuição física lato sensu, para que venha a ter impacto social e político.
Política Cultural: reflexões
A maior parte dos produtos de consumo, tais como geladeiras, sapatos e automóveis, tem efeito político e social diminuto sobre o consumidor e seu valor social corresponde ao de seu suporte físico, que resulta do seu processo produtivo, que empregou fatores de produção e gerou renda. O suporte físico do produto cultural, ao contrário, tem um valor infinitamente inferior ao seu valor cultural e a seu valor econômico. Basta comparar o valor do papel em que está impressa uma obra literária ou o valor da película onde está registrado um filme para se constatar esta divergência. O valor social do produto cultural não se esgota com o seu consumo individual, mas se reproduz no tempo, enquanto o valor social de um produto comum se esgota com o seu consumo.
A manifestação cultural transformada em produto cultural tem um custo de produção e, portanto, gera emprego e renda, e tem um mercado onde se confrontam as empresas que o comercializam e onde se encontra com o seu público. Os mercados para os diversos produtos culturais têm características muito distintas e podem vir a ser, com maior ou menor intensidade, oligopolizados e a sofrer distorções decorrentes de práticas de concorrência desleal, e, assim, permitirem margens de lucro extremas. Sem a compreensão do produto cultural como um fenômeno cultural/econômico/político complexo, não é possível a definição de uma política cultural que leve em consideração o extraordinário potencial de geração de emprego, de lucro e de divisas da produção e da distribuição cultural, mas também seu papel político fundamental de formação do imaginário social, da vitalidade da Nação e do poder do Estado.
A produção cultural tem importância fundamental na política internacional. Nem mesmo os principais dirigentes e intelectuais da nação mais poderosa do mundo têm conhecimento direto de mais do que uma parcela ínfima da miríade de eventos que ocorrem a cada dia em cada sociedade. Todas as decisões desses dirigentes que afetam profundamente a realidade são tomadas a partir de informações e de elaborações culturais que interpretam eventos e que os transmitem através de manifestações culturais sob a forma de livros, filmes, notícias, relatos, fotografias, e que vão formar o seu imaginário em confronto com sua experiência pessoal limitada e sua capacidade teórica de processar informações e de encaixá-las em uma “visão de mundo”.
Assim, as imagens dos países, inclusive de seu próprio, das sociedades, dos Estados e de seu poder são formadas através de um vasto e contínuo processo multifacetado de elaboração cultural que gera nos diferentes setores sociais essas imagens. A ausência de imagem própria, ou a existência de imagem distorcida, fragmentada ou incompleta, afeta não somente as decisões de dirigentes de terceiros Estados em suas relações com o Estado cuja imagem é fraca, mas também a própria sociedade desse Estado, com efeitos sobre sua autoestima, sua capacidade de apoiar seus dirigentes e a capacidade desses dirigentes de agir para enfrentar os seus desafios internos e externos.
Daí a importância que as grandes potências, e em especial os Estados Unidos, conferem a sua indústria cultural lato sensu e a prioridade que atribuem ao objetivo de garantir o livre acesso de seus produtos culturais aos mercados culturais de todos os países, isto é, o acesso a todas as estruturas e meios de produção e de difusão de produtos culturais e de formação do imaginário das sociedades de terceiros países, com objetivos de natureza cultural, econômica e também política.
Nos mercados culturais, a estrutura dos mercados e suas características específicas de produção e distribuição fazem com que as dimensões das empresas tenham, como em mercados de produtos “normais”, enorme importância. Assim como nos mercados de produtos de consumo, cabe ao Estado impedir a monopolização, a oligopolização, a formação de cartéis e a prática de concorrência desleal, no interesse de proteger o consumidor individual de preços abusivos e a sociedade da geração de lucros excessivos. Com maior razão, cabe a ação do Estado nos mercados culturais onde os produtos, além de sua importância econômica, têm uma importância política fundamental.
Cabe ao Estado garantir a livre competição em cada mercado cultural com muito mais rigor do que nos mercados de produtos “comuns” de consumo, tendo em vista os efeitos sociais e políticos dos produtos culturais sobre a sociedade, com os objetivos de evitar a hegemonia cultural de outras sociedades; de estimular a mais ampla e diversificada troca de informações culturais com o exterior; de promover a produção cultural doméstica, única capaz de fortalecer e articular o conhecimento da sociedade de si mesma, o qual é indispensável para a formulação de um projeto de futuro e para definir a estratégia e os meios físicos e políticos para implementá-lo, em especial em grandes Estados de periferia, como o Brasil.
A sociedade brasileira se encontra hoje sob a hegemonia cultural estrangeira, em especial da produção cultural norte-americana, que decorre das estruturas de mercado que se criaram ao longo do tempo, devido à incompreensão, miopia e omissão dos governos em relação à política cultural, de comunicação e de educação. Esta omissão de política cultural, ou melhor, esta miopia da função política da cultura e das inter-relações entre produção cultural, estruturas econômicas de produção e de comercialização cultural fizeram que, em nome da liberdade de expressão e de manifestação cultural, se condenasse a ação corretora do Estado e se permitisse a formação e a ação de estruturas oligopolísticas. Ao mesmo tempo, mantinha-se viva, porém em estado de asfixia, a produção cultural brasileira, sem criar os instrumentos que permitissem sua competição com a produção cultural estrangeira que, ao se realizar e se difundir através de mega-empresas multinacionais, oligopoliza o mercado consumidor pelo exercício de controle e influência sobre as estruturas de difusão cultural, tais como editoras, gravadoras, exibidoras e redes de televisão.
O Estado brasileiro tem limitado sua ação a um modesto apoio assistencialista, colonizado e envergonhado à produção cultural de elite ou de pequeno impacto social, através de isenções fiscais, sem se preocupar em promover e garantir a livre competição nos mercados culturais de massa, onde se forma o imaginário social, essência da própria existência da Nação brasileira e da possibilidade de esta se organizar para enfrentar seus extraordinários desafios e realizar seu potencial.
A questão do imaginário social e, portanto, da política cultural e de comunicação está profundamente vinculada à questão do sistema educacional. Este sistema tem sido articulado pelo governo como um processo de formação de indivíduos como produtores de maior ou menor qualificação técnica, e não como um processo de formação de cidadãos. Os valores transmitidos pelo sistema educacional são os valores da produção material e da maximização do consumo individual, do ser humano como unidade de trabalho, e não como cidadão político solidário, digno de uma vida espiritual superior, para além dos programas degradantes e idiotizantes de televisão, atividade que consome em média mais de quatro horas diárias do cidadão brasileiro. Se deduzirmos o tempo médio de trabalho, de transporte, de alimentação e de repouso, essas quatro horas significam mais de 70% de seu tempo diário, digamos, livre. Este é o tempo de que pode dispor para seu aperfeiçoamento como cidadão, como trabalhador e como ser humano. Esse tempo foi "capturado" pela televisão, que os Estados e os governos têm tratado como uma atividade econômica "normal", e não como um veículo com influência extraordinária sobre a sociedade e seu imaginário. A situação se agravou com a emenda constitucional que permitiu a participação do capital estrangeiro na propriedade dos veículos de comunicação e com a ausência de regulamentação do artigo 221 da Constituição federal que se refere à programação das emissoras de rádio e televisão.
Por outro lado, quaisquer que sejam os métodos, a qualidade e os esforços utilizados para aperfeiçoar o sistema educacional formal, são eles frustrados, pois as crianças e os jovens utilizam grande parte de seu tempo fora das salas de aula em frente à TV de programação mais ou menos comercial, mas onde há um permanente, ainda que difuso, processo de transmissão de um imaginário estrangeiro, além de estímulos ao consumo conspícuo, ao individualismo, à violência, à banalidade, ao culto do corpo.
Assim, a escola tem de ser reconstruída como o veículo de transmissão de valores culturais brasileiros, enquanto a televisão e os meios de comunicação em geral podem e devem ser estimulados a diversificar sua programação de modo a ampliar a gama de influências culturais brasileiras e estrangeiras a que deve ter acesso a sociedade brasileira, e assim ampliar sua margem de escolha e de reflexão sobre os valores sociais. Os recursos da coletividade, que são arrecadados através de impostos, devem estar a serviço de uma política cultural que amplie a competição entre produtos culturais de diferentes origens, estimule a produção cultural brasileira e diversifique as influências culturais. Aquelas empresas de produção e difusão cultural que não desejem diversificar a origem dos produtos culturais com que trabalham e que desejem privilegiar a produção cultural estrangeira podem, têm o direito de fazê-lo, mas com seus próprios recursos e não com os recursos da coletividade.
É necessário distinguir, na elaboração de uma política cultural, os aspectos de preservação do patrimônio material e imaterial, de apoio e estímulo à produção cultural dos artistas, da ação junto às empresas de produção e difusão cultural de massa para estimular a diversidade cultural e impedir a hegemonia de manifestações culturais de uma origem específica sobre a manifestação cultural brasileira em cada setor. Os estímulos à preservação do patrimônio e à produção cultural individual não terão impactos sociais, políticos e econômicos se não forem conjugados com a possibilidade de sua difusão através dos veículos econômicos. A atual legislação de concessão de isenções fiscais a empresas para investimentos em atividades culturais (as leis Sarney, Rouanet, a legislação audiovisual) possibilitam modestos recursos sociais à produção cultural, mas não garantem sua difusão e, portanto, o cumprimento de sua função social.
A distinção entre manifestações culturais de público restrito e as manifestações culturais de massa não pode ser feita de forma absoluta, pois não somente as manifestações culturais se influenciam umas às outras de forma muito importante, como às vezes se combinam ou servem umas de matéria-prima para outras. Assim, a manifestação cultural de público restrito, como, por exemplo, uma obra literária, pode servir de matéria prima para manifestações culturais de massa, como o filme e a novela de televisão.
Uma política cultural eficaz deve estar articulada com as políticas de comunicação e educação e deve ter como seu objetivo estratégico permanente a redução da hegemonia cultural de qualquer manifestação estrangeira face à produção cultural brasileira e a ampliação da diversidade de oferta cultural à disposição da sociedade brasileira. Além das diversas medidas e da legislação hoje existente, que devem ser aperfeiçoadas, podem ser imaginadas diversas ações na área da difusão cultural.
A legislação pode e deve estabelecer tratamento fiscal diferenciado e mais favorável às empresas produtoras e às empresas difusoras de produtos culturais que em suas atividades e programação ampliassem a participação das manifestações culturais brasileiras.
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), um dos maiores bancos de investimentos do mundo, pode e deve estabelecer linhas de crédito especiais para financiar investimentos e a operação de empresas que assumam o compromisso de diversificar sua atividade de produção e difusão cultural e de garantir a igualdade de participação do produto cultural brasileiro face ao produto cultural de qualquer outra origem.
A legislação pode e deve estabelecer limite máximo de ocupação do mercado para produtos audiovisuais quando há situações de oligopólio e integração vertical com risco não só de hegemonia cultural como de exclusão do produto cultural brasileiro. O limite do número de cópias por lançamento de filme é um exemplo desse tipo de medida.
Na área da educação, a legislação deve ampliar gradativamente o número de horas de permanência dos estudantes na escola, para reduzir sua exposição à TV, assim como incluir entre as atividades escolares obrigatórias a programação cultural brasileira e fornecer os meios a cada escola pública e privada de ter acesso a videotecas, a discotecas e a bibliotecas básicas. A instituição de concursos públicos, nos diversos níveis de ensino, sobre temas culturais brasileiros, com prêmios para professores e alunos, e a difusão por meios de comunicação de massa de seus resultados estimulariam o uso daquele material. O ato de prestigiar de forma sistemática os produtores e difusores culturais brasileiros com a presença das mais altas autoridades brasileiras a eventos culturais significativos, assim como hoje prestigiam atletas, teria grande importância simbólica.
Na esfera internacional, a organização de concursos internacionais de música e literatura, com prêmios significativos, sobre temas, autores e compositores brasileiros, teria importante impacto para o conhecimento da cultura brasileira, dentro e fora do Brasil, com consequências relevantes para a formação da imagem do Brasil.
Finalmente, toda a atenção deve ser prestada para evitar a participação do Brasil em acordos internacionais, regionais ou multilaterais, de cunho aparente apenas econômico, cuja consequência seja limitar ou eliminar a possibilidade de o Estado ter instrumentos de política para promover a diversidade cultural a que deve ter acesso a sociedade brasileira e estimular as manifestações culturais brasileiras e, portanto, a formação do imaginário social e a autoestima brasileira, indispensáveis a um projeto de desenvolvimento econômico, político e social mais justo e mais duradouro.
*Embaixador, Samuel Pinheiro Guimarães foi Secretário-Geral das Relações Exteriores, diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, foi Alto Comissário do MERCOSUL de janeiro de 2011 a junho de 2012 e ministro de Assuntos Estratégicos.
Publicado originalmente em capítulos pelo semanário brasileiro Correio da Cidadania.
Fonte: http://resistir.info.