EU QUERO OUTRA ESCOLA! – TESE DO XXII CONGRESSO DA UMES
O ensino público de São Paulo, nas últimas duas décadas, tem sido alvo de uma política orquestrada de sucateamento e abandono do Estado. Nos últimos anos, o que temos visto é a completa inversão de prioridades, com o avanço do ensino privado em detrimento do ensino público. No maior e mais rico estado da Federação, o número de matrículas em escolas públicas da educação básica caiu nos últimos 15 anos. Em 1995, eram 7,2 milhões de matrículas, enquanto em 2010 esse número caiu para 6,6 milhões, segundo o Inep. E isso ocorreu ao mesmo tempo em que a população paulista aumentou 18% passando de 33,4 milhões, em 1995, para 41,2 milhões de habitantes, em 2010. Aplicando 18% de crescimento sobre as vagas públicas existentes em 1995 deveríamos ter, em 2010, 8,5 milhões de matrículas.
Neste cenário de encolhimento das vagas públicas o que percebemos ainda é o avanço do ensino privado, em especial na educação fundamental. Em 1995, o ensino privado no estado de São Paulo na educação básica – ensinos fundamental e médio – representava 12,95% do total de vagas. Em 2010, segundo o Inep, o ensino privado ocupava 15,16% das matrículas. A quem interessa esta lógica? Esta é a “política educacional” que vem sendo implementada pelos sucessivos governos tucanos em São Paulo que deflagraram um criminoso processo de privatização da educação no Estado. Contudo, as grandes mazelas com o descaso não param por aí. Vamos agora analisar o grande malfeito à população paulista que ocupa as vagas públicas nos municípios e Estado: a escola que não ensina.
A ESCOLA QUE NÃO ENSINA
Imagine uma escola com todos os professores necessários. Com professores garantidos de autonomia e autoridade. Com uma efetiva cobrança superior da aplicação político-pedagógica proposta para a turma e o alcance de resultados satisfatórios. Com alunos recebendo as teorias disciplinares e as exercitando incessantemente até a sua compreensão, em sala, com o apoio do mestre. Alunos com deveres de casa, exercitando a matéria dada na aula. Estimulados a integrarem esta atividade com os pais ou responsáveis. Professores cobrando a realização dos exercícios dados na aula anterior, avaliando-os e corrigindo-os coletivamente para a satisfação das dúvidas residuais, com autoridade e autonomia para tal. Imagine que, após este esforço pedagógico realizado, o professor possa cobrar o resultado desta ação coletiva, que é individualizada, através da avaliação do aluno. Que o resultado desta avaliação seja alvo de uma análise de alunos, professores, coordenação pedagógica, direção escolar, gestores educacionais, pais e responsáveis. Que o professor e a escola tenham a autoridade e a autonomia de melhor observar, recuperar e, em último caso, reter o aluno, que, por ventura, após todo o esforço realizado, não reúna as condições para avançar.
As obviedades acima descritas não são novidade e podem parecer desinteressantes quando discutimos o que falta à escola pública que não atinge seus objetivos. Grande engano. Nada ou muito pouco do descrito acima é encontrado no ambiente da escola pública municipal e estadual de São Paulo. Aí reside a grande fragilidade da escola pública paulistana e paulista. A escola pública não ensina porque foram retiradas a autonomia e a autoridade do professor em cobrar, desmotivando-o de todas as formas a realizar o fundamental para o aprendizado: exercitar. Com a realização dos exercícios há a apreensão do conhecimento, em especial das ciências exatas. Nós sabemos, por exemplo, que não há outra forma de se aprender Matemática se não for fazendo exercícios. Sabemos que não é suficiente o professor ficar os 50 minutos da aula ensinando a teoria se ao final não tentarmos aplicar no concreto aquilo que está sendo ensinado. É nessa hora, quando se exercita, que surgem as dúvidas, que vemos onde estão as nossas dificuldades e que buscamos a superação, com a ajuda do professor. Assim como é de fundamental importância que o aluno tente sozinho resolver as questões apresentadas, com as listas de exercícios para a lição de casa. E que o professor se preocupe em cobrar e corrigi-los conjuntamente.
APROVAÇÃO AUTOMÁTICA = IGNORÂNCIA CONTINUADA
Para agravar a situação, seguindo o receituário neoliberal do Banco Mundial, levado a cabo pelo PSDB desde 1995, foi retirada a condição de avaliar o aluno. É proibido reprovar. Esta permissividade retrógrada degenerou o papel da escola. A perversa política conhecida por “aprovação automática” é um mecanismo que, com o falso pretexto de acabar com a repetência escolar, condena os estudantes das escolas públicas à ignorância, impedindo o seu aprendizado.
Esta é a receita da destruição do ensino público. As conseqüências são desastrosas e sentidas a todo dia na evasão escolar, na escola e nas universidades. Além da incapacidade de adultos de realizar operações simples de interpretação de textos e matemática. No curso de Engenharia, segundo a CNI, pelo menos 50% dos alunos desistem por não acompanharem o curso, em especial a disciplina “Cálculo”. Assim, continuaremos a “importar” técnicos e engenheiros de Cingapura, da Coréia, ou outro país, para exercer a demanda tecnológica nacional. Enquanto isso, dos egressos da escola pública atual, “formamos” exímios atendentes de telemarketing para comercializar o crescente mercado de serviços bancários.
A média alcançada pelos estudantes nos anos iniciais do ensino fundamental em língua portuguesa na Prova Brasil e no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) foi de 184,3. Com esse índice, alunos não conseguem, por exemplo, identificar a finalidade de um texto informativo longo e mais complexo. Em matemática, a média alcançada pelo grupo foi de 204,3. Com o indicador, alunos não estão ainda aptos a ler um gráfico de setores nem resolver uma questão que exige mais de uma operação ou aquelas envolvendo conversão de medidas, por exemplo, de quilos para gramas. Entre alunos dos anos finais do ensino fundamental, a média de língua portuguesa foi de 244. Com esse índice, estudantes ainda não apresentam capacidade, por exemplo, para identificar finalidade de textos humorísticos ou inferir a informação a partir de textos mais longos. Esses alunos alcançaram, em matemática, a média 248,7. Com o indicador, eles não conseguem identificar posições dos lados de um quadrilátero ou reconhecer uma fração como parte de um todo sem o apoio de uma figura.
O estranho é notar que as obviedades descritas acima, ausentes nas escolas municipais da capital e das estaduais, são fartamente presentes nas escolas particulares, em algumas Etec´s e nas federais. Quanto melhor é a escola e seus resultados mais perceberemos o advento da idéia-força: EXERCITAR / AVALIAR. Nestas escolas, o aluno tem dever de exercitar e é cobrado e avaliado por isso. Mais que isso, é estimulado. Caso encontre dificuldades, além da possibilidade de encontrar apoio familiar, lhe é apresentado o reforço escolar para sua recuperação. Estranhamente, nestas escolas, a avaliação não é objeto de malfadadas teses críticas, mas importante indicador de melhoria contínua de todos envolvidos no processo educacional, e que alcança, como resultado, além de uma formação mais satisfatória, a ocupação das melhores vagas nas universidades públicas.
No Enem e na Fuvest, os melhores alunos colocados são de escolas que EXERCITAM e AVALIAM constantemente seus alunos preparando-os para os desafios da vida. Nenhuma escola estadual ou municipal aparece entre as cem primeiras do Enem. As escolas públicas que se destacaram são colégios de aplicação de universidades, colégios militares, escolas federais e escolas técnicas. Aumentando o universo para as mil escolas brasileiras com mais de 75% de participação que obtiveram melhor desempenho no exame, o Enem tem 926 privadas e apenas 74 públicas. Estas 74 escolas públicas são as que ainda EXERCITAM e AVALIAM os alunos. Coincidência?!? Enquanto isso, a mais tradicional escola pública paulista, a EE Caetano de Campos, amarga o 3.273º lugar no Enem-2010, levando em conta apenas escolas paulistas.
PROFESSORES DESVALORIZADOS
O salário de profissionais assalariados que têm nível superior é mais que três vezes o valor médio recebido pelos trabalhadores que não possuem a mesma formação. A conclusão está nas informações do Cempre (Cadastro Central de Empresas), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). O Cempre reúne informações de empresas e outras organizações formalmente constituídas no país no ano de 2009. Segundo os dados, o salário médio mensal dos que possuem Ensino Superior é de 7,8 salários mínimos, enquanto chega a 2,4 salários mínimos entre os que não têm nível superior.
Contudo, os professores brasileiros, particularmente os paulistas do Estado e da capital, destoam e rebaixam esta média. Todos com a obrigatoriedade de possuir ensino superior, seguindo a LDB, nossos mestres ganham do Estado mais rico do país apenas R$ 1.834,86 por 40 horas semanais de trabalho. Na Prefeitura mais rica do país, quarto maior orçamento nacional, os professores conquistaram a duras penas o salário de R$ 2.600,00 por 40 hs. Ou seja, sendo a média nacional dos profissionais com ensino superior o equivalente a 7,8 salários mínimos, ou R$ 4.851,60, o salário do professor estadual é, no máximo da sua ocupação semanal, 37%, quase um terço, da média dos demais profissionais. A cobiçada colocação no município representa receber apenas 53%, ou seja, metade, do salário médio de trabalhadores com ensino superior.
Além disso, o professor não recebe do Estado e do município a mínima condição de trabalho. Escolas desaparelhadas, sem planejamento, de salas superlotadas, sem objetivos e metas, destroem sonhos dos educadores. Apaixonados pelo ofício, sem conseguir realizar a pretendida obra educadora, frustram-se, desmotivam-se e adoecem.
EVASÃO ESCOLAR
A falta de interesse pela escola é o principal motivo que leva o jovem brasileiro a evadir. A pesquisa Motivos da Evasão Escolar, lançada pela Fundação Getulio Vargas – FGV-RJ, revela que 40% dos jovens de 15 a 17 anos que evadem deixam de estudar simplesmente porque acreditam que a escola é desinteressante. A necessidade de trabalhar é apontada como o segundo motivo pelo qual os jovens evadem, com 27% das respostas, e a dificuldade de acesso à escola aparece com 10,9%.
SALAS DE AULA LOTADAS
Mais de 60% das escolas estaduais paulistas de ensino básico possuem ao menos uma série com mais estudantes em sala que o recomendado pelo próprio governo de SP. Em 64% delas, há problemas em mais de uma turma. Estudantes reclamam que são obrigados a ficar apertados, a “caçar” carteiras em outras salas e até a dividir assentos com colegas, pois chega a faltar carteiras. O levantamento de escolas com salas superlotadas foi feito por um jornal paulista com base em dados do Ministério da Educação (Censo Escolar 2010). A Secretaria Estadual da Educação reconhece o problema e informa que hoje 890 mil estudantes estão em salas com mais alunos que o indicado (22% do total). A reportagem encontrou turmas com mais de dez alunos acima do recomendado. É o caso do primeiro ano do ensino médio da escola Maria Luiza Martins Roque, na periferia sul da capital. Ali, Carla (nome fictício), 15, possui outros 51 colegas. “É um desastre. Fica aquele abafamento, muito barulho.”
ESCOLA = CÁRCERE?
Já que a escola pública paulista não exercita, não avalia, não está condizentemente aparelhada e com objetivos político-pedagógicos e, portanto, não ensina, qual seria então sua função social? Cunhado pelo governo estadual nas últimas décadas, abençoado pela ideologia neoliberal, o papel da escola foi definido: cárcere de crianças e adolescentes. Para que os pais possam trabalhar sossegadamente estes matriculam seus filhos para serem zelados pelo Estado através de verdadeiros agentes penitenciários que enjaulam alunos enquanto o tempo passa o mais rápido possível, sem percalços e agitações no ambiente escolar. Caso ocorra, os infratores são duramente reprimidos com a força do aparato de segurança cabível para a ocasião. Neste ambiente, quaisquer atividades que desorganizem esta harmonia e as relações estabelecidas devem ser impedidas, tais como campeonatos, gincanas, debates, palestras, grêmio estudantil, visitas técnicas, cursos de qualificação e atividades culturais. Carcereiros de plantão e os seus mandatários encontram-se atentos para assegurar a ordem estabelecida. De outra parte, a escola se torna ainda mais desinteressante a todos.
ESTRUTURA SUCATEADA
Em 2011, a UMES realizou uma grande campanha de debates contra as drogas nas escolas de São Paulo, a serem realizados em teatros ou auditórios. Impressionou a todos a quantidade de escolas em que estes espaços não existem. Escolas com 3.000 estudantes sem auditório para 100 pessoas ao menos. Muitas escolas privatizaram seus teatros. Como ocorreu na EE Caetano de Campos – Consolação e EE Caetano de Campos – Aclimação, em que os alunos não têm mais o direito rotineiro de usufruir uma estrutura legada a eles. As escolas EE Luiza Salete, EE Miguel Feitosa, EE Alcântara Machado, EE Heitor Villa-Lobos e EE Francisco Voccio, são algumas das escolas que não têm auditórios e improvisam em pequenos espaços para realizar atividades fundamentais para o aprendizado. Em escolas sem auditórios ou teatros fica mais fácil justificar porque não há aula de teatro, aula de música, debates, palestras, Cine Clubes, etc. Percebamos que tudo colabora para a imposição da lógica de mediocridade no ensino público paulista.
Em 2010, realizamos os Jogos Estudantis Petrobras da Cidade de São Paulo percorrendo cerca de 300 escolas paulistanas. Constatamos outra atrocidade. Há pouca ou nenhuma atividade esportiva nas escolas. Muitas escolas não possuem espaço apropriado e material esportivo, a despeito do que alegam as caras propagandas do governo na mídia. Para exemplificar, temos a EE Maria Regina Machado de Castro Guimarães que sequer possui quadra esportiva. Tampouco a Emef Celso Leite Ribeiro Filho, a EE Anhanguera, a EE Maria José, a EE Zenaide Lopes Aguiar possuem quadras cobertas. A EE Esther Garcia, na zona sul, tem uma quadra coberta repleta de buracos que impedem a prática esportiva.
Em 2012, durante a campanha de organização de grêmios estudantis que realizamos, ouvimos inúmeras reclamações de estudantes sobre escolas que não utilizam ou não possuem laboratórios de química, física e informática e bibliotecas. A existência destes espaços é fundamental para a aplicação prática dos conceitos expostos por professores e que vem no sentido de exercitá-los para sua apreensão. A linguagem é outra lógica fundamental de ser estimulada e exercitada com o empréstimo de livros das bibliotecas das escolas. A EE Barão de Ramalho, com mais de 1.500 alunos, na Penha, sendo significativa parte deles de ensino médio, não possui laboratório de química. Como pode ser o aprendizado de um aluno desta escola em igualdade de condições para disputar uma vaga na Fuvest com um aluno do Colégio Dante Alighieri? O mesmo ocorre na EE de São Paulo e EE Zuleika de Barros que tiveram seus laboratórios transformados em depósitos. Já a EE Maria José, na Bela Vista, não possui biblioteca.
Somado a isso, encontramos um alto índice de violência nas escolas. Em 2010, cerca de 62% das escolas estaduais de São Paulo registraram alguma situação de violência dentro do ambiente escolar, como roubos, depredações, pichações, violência contra alunos, professores e funcionários. O dado é divulgado através de questionários do Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp), respondidos por 4.960 diretores de escolas.
Falta professor em 32% das escolas estaduais. Dois meses após o início do ano letivo, uma em cada três escolas estaduais da capital enfrenta falta de professores. Dados levantados a partir de convocações das diretorias de ensino na primeira semana de abril mostram que, dos 1.072 colégios, 343 têm vagas abertas. Faltam professores, principalmente, nas disciplinas de arte, geografia, sociologia e matemática. Na EE Gavião Peixoto, na zona norte da cidade, alunos do oitavo ano do ensino fundamental dizem que só tiveram duas aulas de geografia até agora. Na sétima série, nenhuma de artes. Os estudantes relataram que, algumas vezes, o professor substituto das aulas vagas acaba ouvindo funk com os jovens dentro da sala. Na rede municipal, a situação da falta de professores é menor. A prefeitura informou que, na primeira semana de abril, faltavam 198 docentes nas cerca de 1.400 escolas. O número de escolas com déficit atinge, portanto, no máximo 14% das escolas, ou seja, menos da metade do montante da rede estadual.
Deixe uma resposta
Want to join the discussion?Feel free to contribute!