MAIS VERBAS PARA A EDUCAÇÃO OU MORE FUNDS FOR EDUCATION?

Nenhum país, depois da virada para o século XX, conseguiu se desenvolver sem maciços investimentos no ensino público, especialmente no ensino universitário – assim como sem fazer da indústria nacional, privada e estatal, o centro da economia, impulsionando-a através dos investimentos públicos

 

Em recente encontro com estudantes, por ocasião do último Conselho Nacional de Entidades de Base (CONEB) da UNE, o ministro da Educação, nosso velho amigo Aloizio Mercadante, diante da intervenção de uma diretora da entidade, que apontou os problemas nas verbas para o ensino, em especial a não liberação do montante aprovado pelo Congresso, declarou que “não é verdade”. E apresentou, ao modo de prova, que “a Folha de S. Paulo publicou que o Ministério da Educação foi o que mais gastou, 99% do orçamento”.

O ministro não deveria confiar na “Folha de S. Paulo”. Principalmente quando o tema é o seu Ministério. E, sobretudo, quando o único motivo da matéria da “Folha” é dizer que a presidente Dilma, em prol da “assistência social e ensino”, diminuiu os gastos em infraestrutura (uma queda de 22% só nos gastos em Transporte, segundo “dados da execução do Orçamento pesquisados pela Folha ainda não oficiais” – seja lá o que isso quer dizer).

Sucintamente, é uma matéria de ataque ao governo da presidente Dilma, pois é evidente aonde se quer chegar: que os gastos com educação pública e assistência social, setores a que a reação adora dar dinheiro público, derrubaram o crescimento do país. Portanto, não se trata de um elogio ao governo. Nem ao ministro Mercadante.

O ministro, aliás, defendeu que os royalties do pré-sal sejam endereçados à Educação. Portanto, mesmo que tivesse liberado 99% das verbas aprovadas pelo Congresso para a Educação, ainda assim a situação seria periclitante.

Entretanto, vejamos quais são os dados oficiais – que vêm até novembro, pois os dados do último mês de 2012 ainda não foram divulgados.

Até 30 de novembro de 2012, o MEC havia liberado apenas 66,19% da dotação aprovada pelo Congresso (e atualizada pelo Tesouro), ou seja, a despesa liquidada foi de R$ 50.580.363.000, enquanto a dotação orçamentária era R$ 76.416.209.000 (ver tabela 1; os dados foram extraídos do “Relatório Resumido da Execução Orçamentária – Demonstrativo da Execução das Despesas por Função/Subfunção, janeiro a novembro de 2012“).

Pode ser que o ministro estivesse se referindo às despesas do MEC com ensino (nem todas as despesas do MEC são com ensino). Mas é pouco provável porque os gastos do MEC com ensino foram 64,85% da dotação aprovada pelo Congresso. Portanto, fica até mais distante de 99%.

Então, vejamos a execução orçamentária pelo Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi) até 31 de dezembro de 2012. O Siafi é uma espécie de livro-caixa do governo (e não um balanço, como são outros documentos do Tesouro).

Pelo Siafi, até o fim do ano passado, foram efetivamente pagos pelo MEC o correspondente a 73,37% das despesas aprovadas pelo Congresso. Ficou mais perto dos 99%, mas…

Depois de várias tentativas, descobrimos um jeito dessa conta chegar em 99%: somando a verba “empenhada” do Orçamento de 2012 com os “restos a pagar” que foram pagos (ou seja, com as despesas pagas que correspondem a orçamentos de outros anos): o resultado é, exatamente, 99,4% da verba aprovada pelo Congresso para o MEC no Orçamento de 2012.

 

EMPENHO

O único problema, como sabe o ministro, economista de velha cepa, é que verbas “empenhadas” não são gastos, nem pagamentos, nem investimentos. Na definição do Tesouro, são “valores do orçamento que já foram comprometidos com determinado gasto, ou seja, que já passaram pela primeira fase da execução orçamentária da despesa” (cf. “Relatório Resumido da Execução Orçamentária da União – Sintético”, nov. 2012, p. 2).

Para os leitores que não estão acostumados (até porque não têm essa obrigação) ao vocabulário da contabilidade pública, eis uma breve exposição:

A despesa pública pode ser mensurada nas distintas etapas da sua execução, que inclui, resumidamente, os atos de empenholiquidação e pagamento, explicitamente previstos na ‘Lei das finanças públicas’ de 1964. De maneira simplificada, pode-se afirmar que o empenho corresponde à reserva de dotação orçamentária para a execução da despesa e provê garantias ao fornecedor de que existe crédito orçamentário para atendê-la. A liquidação ocorre imediatamente após a entrega da mercadoria ou a conclusão do serviço, momento no qual o governo verifica os documentos que comprovam que o fornecedor cumpriu devidamente suas obrigações. O governo assume a existência do direito adquirido pelo credor por receber o pagamento (…). É nesta ocasião que há a transferência (formal) da propriedade do ativo fixo para a administração pública. O pagamento, por sua vez, é a última etapa, quando ocorre a emissão da ordem bancária de pagamento ou desembolso efetivo de recursos por parte da administração pública para saldar o compromisso com o credor” (C.H.M. dos Santos, R.O. Orair, S.W. Gobetti, A. dos Santos Ferreira, W.S. Rocha, H.L. da Silva, J.M. de Mello Brito, “Qual a taxa de investimento das administrações públicas no Brasil?“, ANPEC 2011, grifos nossos).

Ou, senão, para explicitar ainda mais:

Vale um breve exemplo para melhor esclarecimento. A execução de uma obra pela administração pública (no caso mais geral) se inicia com uma pré-etapa de preparação do edital e de realização da licitação. Finalizada quando se efetua o contrato, entre o governo e a empresa vencedora da licitação que ficará responsável pela obra, estabelecendo as condições e os cronogramas de obras e desembolsos. O empenho antecede o início da obra e ocorre quando há a emissão da ordem de serviço para que a empresa contratada dê início às obras. Já a liquidação ocorre após a verificação de que a obra foi concluída e as obrigações contratuais cumpridas, quando o governo assume formalmente o crédito para com a empresa e a propriedade do ativo fixo em questão. Em condições normais, o pagamento tende a ocorrer pouco tempo após a liquidação” (loc. cit., nota nº 9).

Em suma, um “empenho” é uma reserva contábil de recursos – e apenas isso. Somar verbas “empenhadas” como se fossem gastos ou investimentos é apenas ilusionismo de péssima categoria.

Nem vamos falar na soma dessas “verbas empenhadas” com os “restos a pagar” – pois estes não fazem parte do Orçamento do ano.

Realmente, o ministro não devia confiar em jornais onde, segundo dizem, não se sabe a diferença entre uma promissória e uma duplicata. Certamente, seria melhor confiar na HORA DO POVO, um jornal que sabe a diferença entre “verba empenhada”, “verba liquidada” e “verba paga”.

É verdade que, nas tabelas desta página, usamos “despesa liquidada” praticamente como sinônimo de “despesa paga”, o que não é rigorosamente exato, mas trata-se de casos em que os documentos do Tesouro não diferenciam uma coisa da outra – e, é uma aproximação bastante razoável.

 

GASTOS

Mas vamos ao que mais interessa: de janeiro a novembro, o governo federal despendeu, com ensino superior, sua principal atribuição na área de Educação, R$ 14.854.292.440 (14 bilhões, 854 milhões, 292 mil e 440 reais).

Esta quantia, apesar de representar um tremendo esforço do ex-presidente Lula, que quadruplicou a verba do MEC e duplicou os recursos para o ensino universitário entre 2003 e 2010, inclusive acabando com a Desvinculação de Receitas da União (DRU) na área da Educação, ainda é muito pouco para um país do nosso tamanho, com os nossos recursos, com as nossas necessidades, e com um extenso sistema de universidades federais.

Para que não digam que estamos com má vontade, vamos somar uma complementação de R$ 586.071.000 – incluída sob a rubrica “Despesas custeadas com outras receitas para financiamento do ensino” -, mas vamos lembrar que essa quantia corresponde a apenas 41,17% da complementação aprovada pelo Congresso para o ensino universitário. Ou seja, até novembro fora liberada menos da metade dessa verba.

Assim, com essa soma, o governo despendeu R$ 15.440.363.440 até novembro, em ensino superior. Certamente, este não é o gasto total com as universidades federais, pois nem todo o gasto com elas é gasto com ensino. Por isso, fizemos um levantamento, nos dados do Siafi.

Conseguimos dados exatos de 57 instituições universitárias federais durante o ano de 2012. Devem faltar duas, segundo a conta da Andes durante a última greve de professores. Mas aquelas 57 universidades federais são uma amostra respeitável, até porque, entre elas, estão as principais instituições do país – e as principais em cada Estado.

[NOTA: Algo surpreendente na execução orçamentária é o pouco dinheiro que foi gasto com boa parte dos Centros de Educação Tecnológica do governo federal; porém, deixaremos a análise dessa parte para quando saírem os dados definitivos do Tesouro, correspondentes a 2012.]

A verba total realizada (isto é, gasta) pelo MEC com essas 57 universidades federais foi R$ 26.013.243.878 – ou seja, as despesas que não foram com ensino montaram a R$ 10,5 bilhões (sem dúvida, uma aproximação, mas com toda lógica).

Nesse cálculo não está incluída a verba dos hospitais universitários, porque não sabemos qual parcela, dentro dela, é despesa específica com ensino. No entanto, mesmo se a somássemos (+R$ 3.944.788.090, incluída a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares – EBSERH), não alteraria a qualidade do problema. Aliás, nos pareceu algo incrível que as 35 instituições hospitalares, das melhores do país, que constam do Orçamento, mais a EBSERH, tivessem tão pouca verba.

 

FUTURO

A questão mais estratégica é evidente: nenhum país, depois da virada para o século XX, conseguiu se desenvolver sem maciços investimentos no ensino público, especialmente no ensino universitário – assim como sem fazer da indústria nacional, privada e estatal, o centro da economia, impulsionando-a através dos investimentos públicos.

É quase cômico que alguns sujeitos que vivem berrando que a economia do país precisa de “inovações”, que é preciso aumentar a “competitividade” ou a “produtividade”, ao mesmo tempo sejam os mesmos que advogam a destruição, ou a esculhambação, da universidade pública e sua substituição por caricaturas de universidade, dirigidas por fundos especulativos estrangeiros.

Como é possível ter inovações, como sempre houve, sem universidades decentes, sem universidades públicas? Como, sem profissionais bem formados, haverá desenvolvimento tecnológico?

Obviamente, não haverá.

Nesse sentido, programas do tipo “Ciência Sem Fronteiras” são completamente inúteis, exceto para formatar mentes colonizadas.

É uma completa ilusão a de que os chineses ou japoneses passaram à produção de alta tecnologia (cerca de 40% das exportações chinesas, atualmente, é de produtos de alta tecnologia) porque aprenderam a fazê-los nas universidades norte-americanas.

Tanto a China, quanto antes, o Japão, só chegaram até aí por dar prioridade às suas universidades – e, de resto, às suas indústrias próprias. Vários autores já abordaram este assunto – inclusive aqui no HP, desde 1990. Portanto, há mais de 20 anos estudamos a questão.

O plano era gastar R$ 5 bilhões até 2015 para enviar 101 mil estudantes ao exterior. No entanto, até julho já se gastara R$ 2.450.536.775 com o “Ciência Sem Fronteiras” – e somente se chegara a ¼ do total de bolsas.

Com a originalidade de conceder anistia aos que resolverem não voltar ao Brasil – ou seja, o bolsista não é obrigado a devolver o dinheiro que o Estado gastou com ele. Ver a Portaria nº 141, de 28 de setembro de 2012, do presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Jorge Almeida Guimarães, onde ele decreta esse absurdo, inédito no Brasil, “considerando que a permanência de bolsista no exterior, após a titulação, desenvolvendo atividades técnico-científicas, pode ser de grande relevância para o país ou para a humanidade” (cf. Diário Oficial da União, terça-feira, 02/10/2012, pág. 8).

Por falar nisso, só algumas questões de detalhe: até agora, dos 40 países anunciados, 93,55% das 21.418 bolsas concedidas (não necessariamente implementadas) são em apenas 10 países: EUA (4.684 bolsas), Portugal (2.853), França (2.575), Espanha (2.356), Canadá (2.057), Reino Unido (1.804), Alemanha (1.653), Austrália (825), Itália (633), Holanda (596 bolsas). Não temos nada contra o turismo, mas o outro país com número apreciável de bolsas do Ciência Sem Fronteiras é o próprio Brasil (597 bolsas) – não sabemos se (já que a ciência é tão “sem fronteiras” que é preciso mandar o pessoal para além das fronteiras) alguém considerou que o Brasil é um país estrangeiro; ou se algum abnegado lembrou que estamos dentro das fronteiras do Brasil. Mas essa deve ser a parte boa do programa.

Enquanto isso, as bolsas para pós-graduação da Capes e do CNPq dentro do país beiram o ridículo, com alunos de mestrado recebendo R$ 1.350,00 e alunos de doutorado, R$ 2 mil. Já os do “Ciência Sem Fronteiras” percebem U$ 3.090 (R$ 6.254,47, ao câmbio da última segunda-feira) em nível de doutorado – e, convenhamos, para nada.

Assim, como, a la Machado, “tudo era confusão”, compreende-se que o ministro Mercadante, grande ativista do “mais verbas para a educação” sob a ditadura, lance um novo e original programa, o “Inglês Sem Fronteiras” (??), e consagre o idioma de Bush, Obama e Jack, o Estripador (não o de Shakespeare), como “a língua das ciências internacionais” (“ciências internacionais”? Já que elas eram “sem fronteiras”…).

O amigo vai nos desculpar, mas há coisa mais importante – e mais interessante – para um ministro da Educação do Brasil se ocupar.

 

Carlos Lopes

Texto publicado no Jornal Hora do Povo em 30/01/2013

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