CPC-UMES anuncia lançamento em DVD da série “Cinema Soviético”

A cinematografia soviética posterior aos anos 20, quase desconhecida no Brasil, finalmente chega ao país com o lançamento pelo CPC-UMES (Centro Popular de Cultura da União Municipal dos Estudantes Secundaristas de São Paulo) da série em DVD “Cinema Soviético”.

Após uma negociação de mais de um ano com o estúdio Mosfilm e a ida à Rússia dos representantes do Núcleo de Cinema do CPC-UMES, Bernardo Torres e Susana Lischinsky, o contrato de licenciamento para a distribuição em DVD no país foi fechado.

O Mosfilm existe há 90 anos e tem mais de 2.500 filmes em seu acervo. O contrato com o CPC-UMES para a distribuição de DVDs é o primeiro firmado com uma instituição no Brasil.

Esse ano serão lançados 14 títulos, em sua maioria clássicos do realismo socialista que, como afirma Bernardo, “ao se libertar dos excessos expressionistas presentes na estética anterior, tornou-se mais capaz de lidar com a complexidade humana”.

Leia abaixo a entrevista com Bernardo e Susana Lischinsky.

 

HP – De onde veio a ideia do CPC da UMES de lançar em DVD uma série dedicada ao cinema soviético?

Bernardo – É uma ideia antiga, que foi reforçada pelas sessões que temos realizado aos sábados, já há dois anos, no Cine-Teatro Denoy de Oliveira. No Brasil, há um conhecimento mediano e possibilidades de acesso em DVD, ainda que com cópias precárias, à cinematografia soviética dos anos 20: Eisenstein, Pudovkin, Kuleshov, Vertov, etc. Mas há um desconhecimento quase completo sobre o que veio depois, particularmente sobre a produção dos anos 30, 40 e primeira metade da década de 50. Desconhecimento que alimenta o mito de que é uma produção de baixo teor artístico.

 

HP – E não é?

Bernardo – Claro que não. O problema é que do ponto de vista do sistema capitalista ela é mais corrosiva e mais difícil de ser assimilada. Primeiro por ser cinema falado, cujas possibilidades expressivas são superiores às do cinema mudo. Segundo porque o muito combatido e pouco conhecido realismo socialista, ao se libertar dos excessos expressionistas presentes na estética anterior, tornou-se mais capaz de lidar com a complexidade humana.

 

HP – Os filmes não são simplistas, dogmáticos?

Susana – Não, são profundos, comoventes, verdadeiros. E é preciso vê-los, pois não fica bem formar juízos a partir de preconceitos.

 

HP – Como vocês acharam esses filmes?

Susana – Inicialmente, garimpando. Depois abrindo uma longa negociação com o Mosfilm, que durou mais de um ano, com e-mail para lá e para cá, até que nos convidaram a dar uma chegada até Moscou. O Mosfilm é hoje o maior estúdio de cinema da Europa. Existe há 90 anos. Tem em seu acervo mais de 2.500 filmes, a maioria realizados nesse período em que, como dizem os sabidos, “se parou de fazer cinema na URSS”. O estúdio está produzindo cerca de 100 filmes por ano. É dirigido desde 1998 por Karen Shakhnazarov, um cineasta de obra sólida, criativa e coerente. Em 2012, “Tigre Branco”, filme dirigido por ele, recebeu indicação para o Oscar de melhor filme estrangeiro.

 

HP – E o resultado das conversas em Moscou, foi dentro do previsto?

Bernardo – Foi até melhor. Fechamos um contrato para o licenciamento de 14 filmes que vamos lançar durante este ano. Licenciar é importante, porque nos garante o acesso à matriz original ou restaurada, em ambos os casos a uma matriz analógica. Tem muito DVD no mercado que é cópia da cópia. E o cara que faz essa lambança, copiar um arquivo que já está comprimido, vende assim para a loja, que por sua vez repassa ao público. Ele não está nem aí para a licença, que lhe daria a chance de oferecer um produto com melhor acabamento. Esta é a medida do respeito que tem pela arte, pelo público, pelos autores e produtores das obras – e também por si próprio.

 

HP – Que obras o Mosfilm licenciou para o CPC-UMES?

Susana – Se declinarmos todas, você não vai precisar nos entrevistar das outras vezes [risos]. E necessitamos muito deste apoio em cada lançamento. Em março vamos lançar os dois primeiros da série: o épico “Lenin em Outubro” (Mikhail Romm, 1937) e a comédia musical “Volga,Volga” (Grigory Aleksandrov, 1938). Além de outras obras desses diretores, há filmes de Chukhray e Kalatozov, conhecidos no Brasil por “A Balada do Soldado” (1959), “Quando Voam as Cegonhas” (1957) e “Soy Cuba” (1964). Obtivemos também o último trabalho do lendário Vselvolod Pudovkin, realizado em 1953, filmes de Ivan Pyriev, Mikhail Chiaureli, Yuri Ozerov e a versão de 1989 de “A Mãe” (Gleb Panfilov).

 

HP – E esses DVDs vão custar quanto?

Bernardo – Nos lançamentos vamos vender o DVD simples a R$ 20,00 – no pacote há um duplo e um triplo, cujo preço estamos estudando. É o mesmo que vão custar para as lojas. Lá, pela praxe, o preço deve ficar em torno de R$ 40,00.

 

HP – Não está caro?

Bernardo – Está. Mas, por incrível que pareça, o custo mais alto que temos em toda a cadeia (pesquisa, licença, legendas, artes e textos externos/internos, autoração, fábrica) é a taxa da Ancine (Agência Nacional de Cinema). Ela nos cobra pelo direito de comercializar em DVD um clássico soviético inédito no Brasil o mesmo que a Disney/Buena Vista paga pelo “Homem de Ferro”. É absurdo, porque a Ancine cobra por título e não pela quantidade de cópias produzidas, o que equivale a criar uma reserva de mercado para os blockbusters.

 

HP – Não há exceção para produtos culturais?

Susana – Cultura, Ancine, fala sério… [risos]

 

HP – Nem para a produção dos BRICS?

Susana – Só para o Mercosul, e com visível má vontade. Eles fecham o mercado para cinematografias poderosas como as da Rússia, Índia e China. Em compensação o filme brasileiro nem sente o cheiro daqueles mercados gigantes. A Ancine sempre agiu como uma operadora da Alca, se deixando comandar pelas majors americanas, mesmo quando a política externa brasileira caminhava noutra direção.

 

HP – E vocês não vão solicitar nenhum licenciamento ao Mosfilm sobre a produção da década de 20 e a produção mais recente?

Bernardo – A produção mais recente está nos nossos planos. A mais antiga vai entrar se as cópias aqui não melhorarem. O fato é que até agora só a UMES tem contrato de licenciamento para distribuir em DVD no Brasil a produção do Mosfilm.

 

 

LENIN EM OUTUBRO

Mikhail Romm (1937), com Boris Shchukin, Nikolai Okhlopkov. Yelena Shatrova, Vasili Vanin, URSS, 108 min.

 

Sinopse

Neste clássico de Mikhail Romm, estamos em 1917. A Frota do Báltico e unidades do Exército estão sublevadas contra o governo Kerenski, unindo as vozes às dos operários e camponeses que exigem paz: a saída da Rússia da guerra mundial. Lenin chega a Petrogrado num trem vindo da Finlândia e na reunião do Comitê Central, de 10 de outubro, derrota as resistências de Zinoviev, Kamenev e Trotsky para deflagrar a insurreição. Paralelamente, as forças contrarrevolucionárias organizam uma caçada para matar o líder dos bolcheviques. Os acontecimentos se precipitam em ritmo veloz até o momento final.

Direção: Mikhail Romm (1901-71)

Mikhail Romm Ilich nasceu na cidade siberiana de Irkutsk, serviu no Exército Vermelho durante a guerra civil, graduou-se em escultura pelo Instituto Artístico-Técnico de Moscou. Em 1931 ingressou no Mosfilm Estúdio, atuou como produtor e diretor. No Instituto de Cinematografia Gerasimov (VGIK), desde 1962, foi professor de cineastas como Andrei Tarkovsky, Grigori Chukhrai, Gleb Panfilov, Elem Klimov. Realizou 18 longas-metragens, entre os quais “Treze” (1936), “Lenin em Outubro” (1937), “Lenin em 1918” (1939), “Sonho” (1941), “Garota nº. 217” (1945), “Missão Secreta” (1950), “Nove Dias em Um Ano” (1962), “Fascismo Ordinário” (documentário, 1965). De seu filme “Sonho” disse o presidente Franklin Roosevelt: “é um dos maiores do mundo”.

 

 

VOLGA-VOLGA

Grigori Aleksandrov (1938), com Lyubov Orlova e Igor Ilyinsky, URSS, 104 min.

Sinopse

Acompanhados pelo burocrata Byalov, que pretende utilizá-los em proveito de sua ascensão, dois grupos rivais de artistas amadores – um erudito e outro popular – deixam a aldeia e vão a Moscou para participar de um concurso de talentos. A maior parte da ação se passa em um barco a vapor viajando no rio Volga. O nome do filme é retirado da canção popular russa “Stenka Razin”, que Aleksandrov cantava enquanto remava com Charlie Chaplin nas águas da baía de San Francisco. Chaplin brincando sugeriu as palavras para título de um filme e Aleksandrov aproveitou a dica. Conta a lenda que era o preferido de Stalin.

Direção: Grigori Aleksandrov (1903-83)

Grigori Vasilyevich Aleksandrov nasceu em Yekaterinburg, distrito federal dos Urais. Em 1921 iniciou no Teatro Proletkult uma fecunda parceria com Eisenstein, que se estenderia ao cinema. Coescreveu o roteiro de “A Greve” (1924), codirigiu “Encouraçado Potemkin” (1925), “Outubro” (1928) e “Linha Geral” (1929). Em 1930 acompanhou Eisenstein em sua viagem aos EUA, participou, em 1932, das filmagens do inacabado “Que Viva México!” – em 1979 concluiu uma edição das imagens colhidas nesse trabalho. Retornou à URSS em 1933 e de uma conversação mantida com Stalin e Gorki surgiu o projeto de realizar comédias musicais estreladas por Lyubov Orlova, cantora extremamente popular, na época, que mais tarde se tornaria sua esposa. As produções deste ciclo são “Amigos Extraordinários” (1934), “Circus” (1936), “Volga-Volga” (1938), “Primavera” (1947). Os musicais obtiveram estrondoso sucesso e abriram caminho para outros diretores que se notabilizaram no gênero, como Ivan Pyriev.

 

Fonte: Hora do Povo

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