A quem interessa a legalização da maconha?
Dr. SÉRGIO DE PAULA RAMOS*
No memorável poema “Morte e vida severina” o poeta João Cabral de Melo Neto coloca na boca do mestre Carpina o verso “difícil defender, só com palavras, a vida”. Lembrei-me dele ao ler o discurso feito, na última assembleia geral da ONU, pelo Presidente do Uruguai, José Mujica. Trata-se de uma bela peça de oratória que foi muito elogiada, inclusive por amigos meus.
Menos badalado foi o encontro que Mujica teve, na véspera de seu discurso, com o megainvestidor George Soros. O motivo do encontro, pelo que li, na ocasião, nos periódicos uruguaios, foi para discutirem a política sobre drogas que o Presidente acaba de implantar no país vizinho.
No discurso fez um alerta contra o consumismo, na entrevista, aparentemente não se preocupou que o consumo, ao menos de maconha, aumentará no Uruguai, apesar de 63% da opinião pública ser contra.
Terminada a entrevista o megainvestidor elogiou a coragem de Mujica de “fazer do Uruguai um laboratório para o mundo”. E, acrescento eu, dos uruguaios, cobaias.
Neste grande debate internacional sobre diferentes formas de liberar a maconha está ficando cada vez mais claro quem são os protagonistas. De um lado, os profissionais da saúde a alertar que em todas as experiências internacionais ocorridas até agora houve aumento de consumo da droga. A ABEAD (Associação brasileira de estudos sobre o álcool e outras drogas), em boa hora, dedicou-se ao tema e evidenciou que isso ocorreu em Portugal, Reino Unido, Austrália, Holanda e nos Estados Norte-americanos que adotaram posturas liberalizantes. Do outro lado, além de usuários e de alguns defensores do “Direito de se drogar”, os demais protagonistas são porta vozes de interesses econômicos, seja de megainvestidores que vislumbram no negócio da maconha uma nova oportunidade de ganhar dinheiro, sejam empresas estabelecidas que já detém conhecimento na exploração de outro tipo de cigarro.
Portanto, não me parece que estejamos frente a um debate romântico intelectual sobre direitos, mas sim se somos a favor ou contra que o capitalismo selvagem passe a explorar este novo negócio mesmo que em detrimento da saúde da população. Afinal, há um século, a indústria do tabaco anunciava que cigarro fazia bem para a garganta e para afecções pulmonares como bronquites e asma. Agora se diz que maconha faz bem para determinadas doenças!
É mesmo difícil defender, só com palavras, a vida.
*Psiquiatra e psicanalista, Doutor em medicina pela UNIFESP, membro do Conselho Consultivo da ABEA. Coordenador técnico da Villa Janus.
Fonte: Hora do Povo
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