Marcus Vinicius apresenta trilha de “Os Azeredo Mais os Benevides”
O Centro Popular de Cultura da União Municipal dos Estudantes Secundaristas (CPC-UMES) lançará, no próximo sábado (19), no CINE-Teatro Denoy de Oliveira, o CD com a trilha sonora composta especialmente para a peça “Os Azeredo Mais Os Benevides”, de Oduvaldo Viana Filho (Vianinha). Em entrevista exclusiva para a Hora do Povo, o maestro Marcus Vinícius, compositor da trilha, diretor artístico e compositor da Gravadora CPC-UMES, presidente da Associação de Músicos, Arranjadores e Regentes – Sociedade Musical Brasileira (AMAR- Sombras), fala sobre o projeto.
HORA DO POVO – “Os Azeredo Mais Os Benevides” iria inaugurar o teatro da UNE, em 1964. A trilha musical estava sendo composta por Edu Lobo, que já havia feito "Chegança", para o espetáculo. O golpe que depôs o presidente João Goulart impediu que isso acontecesse e o prédio da UNE foi incendiado na madrugada do dia 1º de abril. A peça permaneceu inédita por 50 anos, até que o CPC-UMES realizou a montagem com direção do João das Neves… Como é continuar esta obra musical que Edu Lobo começou?
MARCUS VINÍCIUS – É sempre um desafio. Aliás, é a segunda vez que isso acontece comigo, como eu disse no texto que escrevi para o encarte do CD Os Azeredo Mais os Benevides. A primeira vez foi há 35 anos, quando fui chamado pra fazer a direção musical e criar os arranjos e a música de cena da peça Calabar (de Chico Buarque e Ruy Guerra), que havia ficado proibida pela censura. Quando a peça foi liberada para encenação, o Edu não mais estava no projeto e eu tive de assumir, a convite do diretor Fernando Peixoto. No presente caso d' Os Azeredo…, eu não "continuei uma obra", pois o Edu, aos 21 anos de idade, tinha feito para esta peça apenas uma música, a famosa "Chegança". Antes de fazer outras músicas para a trilha, veio o golpe de 1964, o teatro da UNE (e a própria UNE) foi incendiado e a peça jamais estreou. Quando agora fui convidado pelo diretor João das Neves para fazer a música da peça e reli o texto depois de muitos anos, fiquei espantado ao ver que as letras das músicas estavam apenas esboçadas, o que é mais uma prova de que o Edu não chegou a trabalhá-las, pois caso o tivesse feito alguma coisa teria chegado ao nosso conhecimento. Pelo menos ao meu, que sou "rato" de repertório e lembro de muitas coisas que até os próprios autores esqueceram. O mais inquietante nessa história, para mim, é imaginar o que o Edu teria feito caso as baionetas dos golpistas de 1964 não tivessem impedido a estreia da peça. Qual seria a música que o Edu teria composto? Há também um componente emocional muito grande em tudo isso, que é o fato de termos voltado a contar, em 2014, uma história interrompida há 50 anos!! Na realidade estamos contando duas histórias: a do enredo da peça propriamente dita e a nossa própria história como 'bons malucos" que estão reacendendo a saga de uma geração cujos sonhos foram interrompidos. É mais ou menos como fez o cineasta Eduardo Coutinho, que retomou o filme "Cabra Marcado pra Morrer" vinte anos depois do golpe de 64, fazendo uma espécie de "filme dentro do filme". Nossa encenação e, principalmente nosso CD, tem um pouco dessa magia. Eu me lembro muito bem da noite de Primeiro de abril de 1964: eu tinha 15 anos e lá na Paraíba ouvi, pela Rádio Nacional do Rio de Janeiro, o Dias Gomes narrando a ofensiva dos golpistas e o incêndio da UNE. Nunca imaginei que, aos 65 anos, iria compor a música da peça que foi "calada pelo fogo". E me surpreendo que tudo isso me pareça coisa acontecida ontem, uma simples virada de página.
HP – Na peça, a música cumpria papel fundamental, até mesmo, de esclarecimento, elucidação. Fale um pouco sobre o papel das músicas para a obra e sobre o seu processo de criação.
MV – Na música, tudo tem significado. Mesmo a música sem palavras sempre diz alguma coisa. Uma vez, numa campanha publicitária, me pediram pra fazer um jingle em que a letra não precisaria dizer nada. Eu então falei: isso aí é impossível de fazer, pois qualquer baboseira que se escreva vai sempre significar algo, queira você ou não. Brecht usava o conceito de gestus para explicar que na música, especialmente na música dramática, os ritmos, os instrumentos, os arranjos, as formas de cantar, etc., sempre tinham um "conteúdo" próprio e não deveriam trair a mensagem da peça, até por fazerem parte dessa própria mensagem. Um exemplo possível para explicar isso seria o piano, instrumento cujas sonoridades inevitavelmente remetem aos salões da burguesia urbana: alguém poderia imaginar uma cena rural, um conflito agrário, p.ex., sendo acompanhado com piano? Ou imaginar uma canção de ninar tocada com guitarras heavy metal? Pode até ter algum maluco que faça isso, mas certamente ele não estará ligando o nome à pessoa… A música para teatro, mais que qualquer outra, tem de estar muito relacionada não só à letra, mas à narrativa dramática, aos climas cênicos, etc. Assim, não compreendo como a música não seja um elemento de esclarecimento, de elucidação e meu método de trabalho tá muito ligado a isso. Geralmente quando começo a compor para teatro ou cinema, já tenho claro o que quero dizer – aliás, a própria música me indica o que devo dizer e como dizer. Ela, de certa forma, é que me compõe, ou se compõe a si própria. Na trilha musical d'Os Azeredo… a primeira coisa que compus foi a música de encerramento, pois na hora que defini o que deveria dizer ao fim do espetáculo, todo o resto ficou bem mais fácil.
HP – Existem canções feitas por você, e outras de domínio público em que você criou o arranjo, por que escolher essas canções?
MV – Tanto na peça como no CD d'Os Azeredo… há dois tipos de música. Há aquelas que foram compostas especialmente para o texto da peça, a partir da concepção original do dramaturgo, e aquelas que foram adicionadas posteriormente, geralmente para atender a uma necessidade da encenação. As músicas que compus, assim como a Chegança do Edu, são do primeiro tipo. Já as músicas (muito boas por sinal) compostas pelo Léo, pela Erika e pelo João da Neves, assim como as obras de domínio público utilizadas na peça, devem ser tidas como "música adicional" visto terem sido acrescentadas ao espetáculo durante o processo de montagem. Isso não significa que elas estejam numa categoria inferior, nada disso. As obras de domínio público, indicadas pelo João das Neves, foram extraídas de alguns antigos documentários do Leon Hirszman, que aliás foi um dos fundadores do CPC da UNE, ou seja, estamos todos em casa… Já os arranjos da peça e do CD não são meus, foram criados pelo diretor musical Léo Nascimento, a ele cabendo todo o mérito.
SERVIÇO: Cine-Teatro Denoy de Oliveira – Rua Rui Barbosa, 323, Bela Vista – São Paulo. Entrada franca. Telefone: 3289-7475. Lançamento 19 de dezembro, às 20 horas.
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