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João das Neves virou passarinho.

João das Neves virou passarinho.

Na manhã deste amargo 24 de agosto, aos 84 anos, João das Neves nos deixou. O Diretor, Dramaturgo, Ator, Escritor e, sobretudo, ser humano generosíssimo, faleceu em casa, cercado de familiares e amigos, deixando um grande legado para as artes brasileiras.

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João em cena no espetáculo “Lazarillo de Tormes”, em além de ator assinou também a adaptação e direção. Foto de Guto Muniz

 

Carioca, que sempre fez do teatro um instrumento da voz das mais diversas causas sociais, João das Neves reuniu em seu currículo diversos prêmios como Molière (vários), Bienal Internacional de São Paulo, APCA, Golfinho de Ouro, Quadrienal de Praga, Medalha Chico Mendes de Resistência. Escreveu livros sobre teoria e história do teatro, entre os quais “Análise do Texto Teatral”, “1950-1980: Trinta anos de Teatro Brasileiro” (inédito); obras de ficção infantil, como “História do Boizinho Estrela”, e cerca de duas dezenas de peças teatrais.

Dirigiu o teatro de rua do CPC da UNE até a sua extinção em 1º de abril de 1964. Alguns meses depois participa da fundação do Grupo Opinião, em parceria com Vianinha, Paulo Pontes, Armando Costa, Denoy de Oliveira e Ferreira Gullar, que também integravam o CPC. O grupo estreia com o espetáculo “Opinião”, reunindo no palco Nara Leão, Zé Kéti e João do Vale. Seguem-se os sucessos de “Liberdade, Liberdade” (1965), “Se Correr o Bicho Pega, Se Ficar o Bicho Come” (1966), “Jornada de um Imbecil até o Entendimento” (1968). “O Último Carro”, peça escrita e dirigida por João das Neves em 1976, ficou mais de 2 anos em cartaz.

Em mais de 60 anos de atividade, dirigiu dezenas de peças e espetáculos como “Tributo a Chico Mendes” (1986), “A Missa dos Quilombos”, “Primeiras Estórias” (1991-1992), “A História do Soldado” (1997), “Uma Noite com Brecht” (1998), “Pedro Páramo” (2001), “Território Interno” (2006), “Besouro Cordão de Ouro” (2006), “Zumbi” (2013), “Os Azeredo mais os Benevides” (2014), “Madame Satã” (2015), “A Lenda do Vale da Lua” (2015) entre outras. Em 2016 retornou aos palcos como ator com o espetáculo “Lazarillo de Tormes”. Em seu aniversário de 84 anos, em janeiro de 2018, João das Neves lançou seu mais novo livro “Diálogo com Emily Dickinson” reafirmando o seu talento na poesia.

De toda sua trajetória podemos falar com maior carinho das épocas em que passamos ao seu lado. Em 2009 João coordenou o curso do CAT (Centro de Aperfeiçoamento Teatral) promovido pela Cooperativa Paulista de Teatro em parceria com a UMES. Foi uma ocasião ímpar para que nós, além de dezenas de outros jovens artistas, pudéssemos beber um pouco de sua experiência e sabedoria. Um novo encontro não tardou. Realizamos em 2014, sob a direção do João, duas temporadas da peça “Os Azeredo mais os Benevides”, de Oduvaldo Vianna Filho. Nesta época ele nos brindou com um pouco de suas lembranças e uma breve análise do texto da peça você pode ler aqui. A peça foi indicada na premiação da APCA e milhares de espectadores puderam apreciar a excelência com que o mestre João conduziu os 20 atores pelo palco do Cine-Teatro Denoy de Oliveira.

Aos 84 anos, João das Neves faleceu em decorrência de metástase óssea. Ou melhor, como passarinho que era, bateu asas, foi voar e cantar em outros céus. Deixa sua companheira Titane, duas filhas, Maria João e Maria Íris, uma legião incontável de amigos e admiradores, uma obra que nunca será esquecida e uma saudade que não tem fim.

Leia abaixo o depoimento de Rebeca Braia, atriz do Núcleo de Teatro do CPC-UMES, que viveu Lindaura em “Os Azeredo mais os Benevides”, sob a batuta mágica de João:

 

“Seu teatro nos dizia das diferentes raças, dos tantos ritmos e músicas, dos nossos modos de viver, dos jeitos nossos de cantar, de lutar, de falar, de rezar e de cantar e de cantar.

No dia da estreia Dos Azeredo mais os Benevides, fez uma grande roda e nos disse emocionado que agradecia a todos que estavam ali por terem concretizado um sonho que tinha sido interrompido (aquela peça estava sendo ensaiada no teatro da UNE em 1964, quando ele e os outros integrantes do CPC tiveram de que deixar o teatro às pressas. O Teatro foi incendiado pela ditadura militar e a peça não estreou.) Naquela noite nós com os olhos marejados estreamos finalmente! Nós é que agradecemos, Mestre! Por tantos ensinamentos, por tantas estórias contadas, por dirigir com mãos mágicas que faziam as cenas nascerem sob nossos olhos, pela generosidade, por nos mostrar que o teatro é a arte da coletividade. Ele tinha os pés fincados na história do Brasil, o coração ligado ao povo e na cabeça sonhos, sonhos de liberdade.”

 

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