Barbosa prende réus antes do julgamento findar para coagir STF a indeferir embargos
Flexibilização do governo Dilma em outras áreas abriu espaço para atentados contra a justiça feitos pelo STF
A arisão dos acusados na Ação Penal 470 (AP 470), em especial de José Dirceu e José Genoino, é o maior escândalo judiciário já acontecido no país. Nunca, mesmo em momentos infelizes do passado, o mais importante tribunal do país, o Supremo Tribunal Federal (STF), foi tão amesquinhado – e por um presidente que tem um profundo desprezo pelo Direito, pela Constituição que lhe cumpre guardar, pela lei, a ponto de ser ignorante dela, e por qualquer debate legal que não seja mero espelho dos seus rancores longamente aquecidos na medíocre chocadeira da sua alma.
Depois de Lula, José Dirceu, José Genoino, e outros companheiros, são a condensação da história progressista do PT e parte do que há de melhor na História do Brasil. Por isso estão sendo perseguidos. Por isso estão presos, sem que nenhum crime tenha sido provado. Daí os múltiplos orgasmos da mídia diante de sua prisão ilegal: a infâmia sempre dá prazer aos infames.
Para que fossem presos era preciso, pela lei, que houvesse “trânsito em julgado” – ou seja, que o julgamento acabasse com a sentença proferida, com os recursos a ela esgotados. Mas isso não existia. Logo, apareceu um “trânsito julgado parcial”, que um advogado denominou “coisa medonha”.
JURISPRUDÊNCIA
Diz o nosso Código de Processo Civil:
“Art. 467. Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário” (grifo nosso).
Os juristas têm a sua linguagem especial. Mas o que isto quer dizer, corresponde ao bom senso: não existe “coisa julgada” – ou “trânsito em julgado” – antes que um julgamento acabe, antes que sejam esgotados todos os recursos.
Mas o ministro Barbosa, como jurista, é um fatiador de mortadela: assim como fatiou o próprio julgamento, agora quer fatiar a sentença – para prender Dirceu e Genoíno antes que exista sentença.
O mundo não vale um apartamento em Miami. Mas, para Barbosa, que se dane o fato de existir jurisprudência contra a mortadelização do Direito, que deu origem à única súmula de tribunal superior sobre a questão (STJ, Súmula nº 401 de 07/10/2009).
Por exemplo:
“Sendo a ação una e indivisível, não há que se falar em fracionamento da sentença/acórdão, o que afasta a possibilidade do seu trânsito em julgado parcial” (STJ, julgamento do Recurso Especial nº 404.777 – DF. Relator: ministro Peçanha Martins, 09/06/2003).
Como diz o relator desse julgamento, sentença e fim do processo são a mesma coisa: “como enfatizado pelo Eminente Ministro Paulo Medina: ‘sentença é o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo’” (STJ, proc. cit., pág. 10).
Não tem a menor importância que um réu não haja recorrido contra parte de uma decisão judicial que o condenou. Nem assim ele pode ser preso, por conta dessa “parte irrecorrida” (ou seja, da parte contra a qual ele não recorreu), antes da conclusão do julgamento: “a parte irrecorrida da sentença só adquire a eficácia de coisa julgada material quando a sentença/acórdão, em sua inteireza, na sua integridade, quando certa e líquida (se possível), põe termo ao processo, o extingue resolvendo todas as questões, extinguindo, pois, a lide” (idem, p. 12 – o relator, ministro Peçanha Martins, cita os artigos do Código de Processo Civil que fundamentam a sua sentença: arts. 162, § 1º, 163, 267 e 269).
E, mais claramente ainda: “… a sentença não pode ser dada pela metade (…). Dizem, porém, que a coisa julgada pode ocorrer em capítulos? Não há essa possibilidade. (…). … a ação e a sentença não se repartem; a ação é uma só e a sentença deve extinguir a lide. E só a sentença que extingue a lide tem força de coisa julgada material” (idem, p. 14, grifo nosso).
Esses aspectos jurídicos demonstram a aberração tera-tológica que é a prisão de Dirceu e Genoino. Mas, por que recorrer a tais abusos, ao fascismo despudorado – diante dos quais a palavra “chicana”, tão ao gosto de Barbosa, desfalece, de tão fraca – por cima das leis e de qualquer senso de justiça, fazendo com que os nossos juristas, inclusive os mais conservadores, para sua honra, protestem em peso?
Evidentemente, porque os réus são inocentes. Senão, bastariam as provas. Como não as há…
As reações da presidente Dilma a esse escárnio à justiça, às leis e à soberania popular – que ela jurou defender – são os sintomas da sua responsabilidade. Pois é evidente, para quem quiser ver, que seu recuo em relação à Lula, seja em relação à mídia mais reacionária – que Lula denunciava e Dilma bajula -, seja em relação aos tucanos – que ela crescentemente promove ao governo –, seja em relação a quase todas as questões econômicas nacionais, abrindo o país aos inimigos, derrubando os limites que Lula estabelecera – privatizações, entrega do petróleo do pré-sal, conchavos com o Tesouro dos EUA para desnacionalizar a nossa infraestrutura, etc. – são o pano de fundo, o caldo de cultura, aquilo que permitiu a avacalhação de nossas leis para que se prendessem os próprios companheiros de Dilma no PT.
Que ela não queira condenar a injustiça nem quando a vida de um companheiro – José Genoino – está em risco, pode parecer apenas mero e desumano eleitoralismo, a reeleição antes de um ser humano que lutou bravamente para colocá-la na Presidência. Mas, antes de tudo, reflete a opção que fez por ser uma continuidade não de Lula, mas de Fernando Henrique.
Isso destampou o esgoto para onde Lula remetera alguns anos de indignidade, antes de sua Presidência. Até valores elementares – a verdade, a justiça, a nação, por exemplo – passaram a ser outra vez desrespeitados, e de modo mais histérico ainda. A prisão ilegal de Genoino e Dirceu é o que deixa mais nítido esse destampamento, esse desrespeito, essa histeria – e a capitulação que conduziu a isso.
IMPROPÉRIOS
Na quarta-feira, dia 13, Barbosa estava perdendo o julgamento (desculpe-nos os juristas essa linguagem de jogo de futebol, mas é assim que o atual presidente do STF vê as coisas). Ao tentar extinguir os recursos de alguns réus (embargos infringentes), sem que o tribunal os apreciasse, simplesmente por classificá-los de “protelatórios”, foi derrotado pela posição do ministro Teori Zavascki, apoiada pelos ministros Celso de Mello, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio Mello e Carmem Lúcia.
Barbosa prorrompeu em impropérios contra os colegas e contra o próprio tribunal que preside, acompanhado pelo notório Gilmar Dantas, aliás, Mendes. O objetivo era impedir que os recursos (embargos infringentes) de Dirceu e outros fossem devidamente apreciados e aprovados.
Esse objetivo ficou claro quando o ministro Zavascki levantou a incoerência das penas a que foram condenados os réus. Disse Barbosa: “nós não vamos nunca terminar este julgamento. A cada embargo, nós vamos revisitar o mérito, o que foi decidido no ano passado”. Apoiado pelos ministros Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello, Zavascki respondeu que os recursos anteriores (“embargos declaratórios”) não haviam recebido a atenção devida. Mas tudo o que Barbosa queria era fugir dessa discussão – a única que interessa quando se quer fazer justiça: se as penas foram adequadas ou não.
Ainda que em termos atenuados, o STF aprovou a prisão – mas não o recolhimento à penitenciária de réus, como Dirceu e Genoino, que estavam condenados a cumprir penas em regime semi-aberto, o uso de algemas (proibidas apenas quando o preso é algum escroque) no avião, etc., etc.
Alguém já disse, no passado, que o fascismo é a bandidagem política. Deveria ter acrescentado que a bandidagem política pode se disfarçar de bandidagem judiciária – o que o deixa mais longe, e não mais perto, do direito e da justiça.
CARLOS LOPES
Texto extraído da Hora do Povo – Edição 3.205
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