A reorganização disfarçada do governo de SP
Professores denunciam o fechamento de salas de aula mesmo após o governador tucano desistir da "reforma" que pretendia colocar em prática
No coração da Cracolândia, região com grande concentração de dependentes químicos no centro de São Paulo, a Escola Estadual João Kopke foi uma das unidades ocupadas no fim de 2015 contra o plano do governo estadual de reorganização das escolas paulistas.
Se foram vitoriosos em preservar o ensino médio na unidade, contemplados pela revogação do decreto que impunha o ciclo único nas escolas do estado, os alunos da unidade voltam a encarar velhos problemas na volta às aulas, marcada para a segunda-feira 15.
Acostumados a conviver com salas superlotadas, especialmente no período noturno, os estudantes e professores da João Kopke foram informados do encerramento de seis salas.
Segundo docentes e discentes, provavelmente haverá classes com mais de 50 alunos, limite superior ao permitido em uma resolução aprovada por Geraldo Alckmin em janeiro, que aumentou o teto de estudantes por classe no estado.
O governo paulista ampliou em 10% a lotação e passou a impor um máximo de 33 alunos nos primeiros cincos anos do ensino fundamental, 38 nos últimos quatro anos do mesmo ciclo, e 44 no médio.
A redução das salas de aula na João Kopke não foi um fato isolado, segundo o Sindicato dos Professores do Estado. A entidade tem denunciado uma “reorganização silenciosa” do ensino público.
Um levantamento parcial, realizado em 39 das 93 subsedes da Apeoesp, aponta que 913 classes foram fechadas nas escolas estaduais em 2016. Os mais atingidos, diz o sindicato, são alunos do ensino fundamental, induzidos a buscar matrículas em escolas municipais próximas, e estudantes do ensino médio noturno.
Em fevereiro de 2015, a Apeoesp fez levantamento semelhante ao atual, quando calculou o fechamento de cerca de 3 mil salas no estado. Segundo a presidenta Maria Izabel Noronha, a precarização imposta a alunos e professores foi um dos principais motivos da greve de professores no ano passado, que durou três meses.
“Notávamos desde o início de 2015 uma ofensiva do governo para enxugar a rede pública. Como o governo não pôde levar a reorganização adiante, tem criado um ambiente inóspito nas salas de aula.”
O sindicato não é o único a atestar a superlotação. Em parecer sobre as contas de Alckmin relativas ao exercício de 2014, o Tribunal de Contas do Estado apontou que 96% das escolas visitadas pelo órgão possuíam ao menos uma turma acima da lotação estipulada. Outra deficiência apurada pelo TCE foi “a metragem inadequada para garantir o conforto ambiental dos estudantes e professores” em grande parte das unidades.
Em nota, a Secretaria de Educação afirma que o remanejamento de salas é uma ação administrativa comum. “Em 2015, só no primeiro dia de aula, foram feitos 18 mil pedidos de matrícula e 26 mil de transferências. Com todas essas mudanças, é natural que haja movimentação de salas.” A pasta afirma ainda que recebeu 187 mil pedidos de matrícula a menos em 2016.
Além do encerramento de classes, turmas do 8º ano da João Kopke foram transferidas para o período da tarde, o que prejudica diversos estudantes matriculados em cursos técnicos no turno vespertino.
“No ano passado, usaram o mesmo argumento de falta de demanda para fechar salas”, afirma um dos professores da unidade, que prefere não se identificar. “Recentemente, chamaram um professor de história para dar aulas, mas agora ele tornou-se adido por falta de salas. Se a demanda caiu em 2015, por que ele foi chamado? ” Segundo a diretoria regional de ensino, houve uma queda de 1.150 para 1.010 matrículas neste ano.
De acordo com um relatório divulgado pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico em 2012, o alto número de alunos por sala não indica necessariamente uma piora no desempenho dos estudantes.
O estudo não considera, porém, variáveis como o espaço físico das classes. “Muitas de nossas salas são pequenas”, afirma o professor da João Kopke. “Temos dificuldade até para caminhar entre os alunos e acompanhar suas anotações no caderno.”
Enquanto professores de São Paulo denunciam uma reorganização disfarçada após o fim das ocupações, outro estado governado pelo PSDB tem sido palco de embates entre alunos e a Secretaria de Educação. Em Goiás, o governador Marconi Perilo assinou em outubro de 2015 um decreto no qual autorizava uma seleção para Organizações Sociais assumirem a gestão de até 300 escolas do estado.
Contra o projeto de terceirização do ensino, estudantes goianos chegaram a ocupar 29 escolas em janeiro. Segundo a Secretaria de Educação de Goiás, o novo modelo vai retirar dos professores e diretores a responsabilidade pela manutenção das unidades, além de proporcionar uma economia de gastos.
Para conter os protestos, a secretaria decidiu adotar incialmente o novo modelo de gestão em apenas 23 escolas de Anápolis. A medida diminuiu o fôlego do movimento estudantil, que ocupa atualmente dez unidades.
Segundo Gabriel Bernardes, dirigente da União Goiana dos Estudantes Secundaristas, o silêncio de órgãos como o Ministério Público e a Ordem dos Advogados do Brasil sobre as reintegrações de posse autorizadas pela Justiça, aliado à falta de diálogo entre alunos de algumas unidades e a comunidade, enfraqueceram parcialmente o movimento. “Agora vamos focar em fortalecer o conselho escolar para servir de contraponto ao controle das OSs.”
A defesa da participação da comunidade na rotina das escolas também é uma das principais demandas dos jovens paulistas. Vitoriosas ou não, as ocupações deixaram um legado: estudantes não parecem dispostos a acatar mudanças sem o seu consentimento.
Em uma página no Facebook, os alunos que ocuparam a João Kopke em 2015 voltaram a ameaçar o governador. “Senhor Geraldo, você acordou novamente a fúria estudantil, prepare-se.” Após a grande mobilização estudantil do ano passado, quem se arrisca a duvidar?
Fonte: Carta Educação
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