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“Atrase-se” na Educação e “Queime-se” a Ciência Brasileira

 

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ANDERSON S. L. GOMES *

 

“O incêndio que está sendo provocado neste momento de crise está atrasando a educação e a ciência, e vai atrasar o desenvolvimento do Brasil nos próximos 30 anos”, escreve Anderson Gomes, professor da UFPE e conselheiro da SBPC

 

Não é só a floresta amazônica que está em chamas! Um incêndio altamente destrutivo e de grandes proporções está sendo ateado pelo atual governo, atingindo em cheio a educação superior e básica, bem como a ciência no Brasil. Na educação superior, as medidas tomadas e os anúncios recentes feitos pelo MEC são incendiários: cortes no custeio das IES; proposta infeliz do “Future-se” (aliás, sugiro olhar o site: https://www.fiap.com.br/, qualquer semelhança é mera coincidência), Decreto (9991, de 28/08/2019) impondo limitações financeiras na capacitação de docentes, praticamente inviabilizando a qualificação docente de qualidade; corte (isso mesmo, corte, não é congelamento, não tem data pra “descongelar”) em mais de 11 mil bolsas da CAPES (e que não estavam ociosas, seriam para novos alunos, a maioria já selecionados! Seria uma questão de dias substituir o bolsista) e o projeto de Lei Orçamentaria (PLOA2020), cortando 48% do orçamento da CAPES para o próximo ano. Destes, 54% dos cortes são nas BOLSAS. Isso significa cortar nas bolsas VIGENTES, inclusive estudantes no exterior! Sim, vigentes, pois praticamente não tiveram mais bolsistas novos este ano e nem todos os mais de 200 mil bolsistas da CAPES completarão o seu curso em 2020. Portanto, se o Congresso aceitar a PLOA2020 como está, o “fogo” destrói todo um esforço de décadas! Na educação básica, um exemplo triste: acabar com o programa de ensino em tempo integral. Já escrevi sobre isto (http://www.jornaldaciencia.org.br/edicoes/?url=http://jcnoticias.jornaldaciencia.org.br/24-mais-um-erro-do-atual-mec-acabar-com-o-programa-de-escolas-em-tempo-integral/). Erro imperdoável vai “queimar” o futuro de muitos jovens do ensino médio! Grande “atrase-se” para o Brasil! Além do corte de 14% nas bolsas de apoio à formação no ensino básico, e 53% nas bolsas de apoio à educação básica. Devastação!

Na ciência, os desastres são muitos! Literalmente com fogo! Tenho escutado a  seguinte pergunta: o que a cúpula (ou boa parte dela) deste Governo tem contra a ciência? O que o INPE previu cientificamente está acontecendo (e sendo combatido tardiamente pelo mesmo Governo que criticou, disse que era mentira, tirou sem nenhuma razão técnica o Diretor do órgão cujos dados estão sendo confirmados presencialmente pelo próprio Governo e continuam sendo utilizados pela mídia). Agora estão “fritando” o CNPq, outro órgão do MCTIC (sic), responsável, junto com a CAPES, FINEP e FAPs pelo financiamento à pesquisa e apoio à pós-graduação (onde são formados a grande maioria dos pesquisadores brasileiros). São estes órgãos públicos que sustentam o desenvolvimento da ciência brasileira. O CNPq precisa de “míseros” 340 milhões de reais (míseros diante dos vários bilhões das emendas parlamentares, também necessárias e mantidas) para garantir minimamente seus bolsistas até o final do ano! Não tem! Pro fogo! A PLOA para o CNPq em 2020 mantém efetivamente o mesmo valor de 2019 (de fato propõe um aumento global de 2,2%), MAS, CORTA 87% do fomento e 93% da divulgação e popularização da ciência! Neste último item abre caminho para o analfabetismo científico. Aumenta em 22% na rubrica de bolsas. Mas, pasmem, CORTA 64% em projetos de internacionalização, ao mesmo tempo que incluem no “Future-se (sic)” o tema internacionalização como prioritário. Vá entender!!!!

Todos estes pontos indicados até aqui são de pleno conhecimento da comunidade universitária nacional, incluindo os estudantes de graduação e pós-graduação, e talvez em menor intensidade – muito menor – entre os estudantes de ensino médio. Entre aqueles que estão concluindo o ensino médio em 2019, estão os que comporão (ainda acreditamos) o corpo universitário de 2020 a 2024/6, e mestrado e doutorado entre 2025/6 e 2030. Ou seja, os próximos 10 anos, que definirão boa parte dos 20 anos seguintes (até 2050), podem estar sendo queimados agora, como as florestas na região amazônica. Qual a saída? O que e como fazer? Onde estão – e quem são –  os bombeiros? Não será a iniciativa privada – sozinha – que assumirá esse legado. Ela é necessária e muito bem-vinda no apoio ao desenvolvimento científico e tecnológico. Afinal, quem explora economicamente a inovação decorrente do conhecimento cientifico e tecnologias decorrentes é a iniciativa privada, que move a economia. É assim nos países que souberam fazer isso com propriedade, como Coréia do Sul, China, Estados Unidos e vários países na Europa. Aliás, em países como Estados Unidos e Israel, bastante citados neste Governo, além do número de pesquisadores por milhão de habitantes ser muito maior que no Brasil, ou seja, formaram muito mais gente, o percentual do PIB investido em ciência também é maior. Deviam copiar (mas por favor, façam as devidas adaptações). O apoio à pesquisa nestes países tem uma forte componente pública, com participação da iniciativa privada, e investindo também em instituições de ensino privadas, mas de qualidade internacionalmente reconhecida. Nos Estados Unidos,  as forças armadas também investem (e muito) em pesquisa BÁSICA e aplicada, inclusive e fortemente nas instituições de ensino superior públicas e privadas.

A Academia Brasileira de Ciências (ABC), a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e várias outras entidades nacionais estão se mobilizando com documentos e visitas ao Congresso Nacional para “sensibilizar” os parlamentares. Há uma boa, até ótima, receptividade. É importante, por que a LOA será aprovada por eles. Oportunidade de correção de rumo!

O Presidente da República eleito por pouco mais de 50% dos eleitores deveria reler a carta que ele enviou (assinada por ele), em 19/10/2018, à ABC e SBPC em resposta à carta enviada por aquelas instituições aos então candidatos. Do texto, extraímos alguns excertos: …”CT&I serão tratadas com a prioridade que merecem”….”Mas CT&I no nosso ponto de vista, não é gasto, é investimento. Olhe para todos os países desenvolvidos. O que eles fazem nos momentos de crise? Investem mais em CT&I! Eles sabem que o ROI na CT&I como ganho social para a população é muito grande. Vamos fazer isto no Brasil também”.

Depois de reler, que tal manter sua palavra e por em prática?

Porque o incêndio que está sendo provocado neste momento de crise está atrasando a educação e a ciência, e vai atrasar o desenvolvimento do Brasil nos próximos 30 anos!

 

*Anderson S. L. Gomes (anderson@df.ufpe.br) é professor titular de Física na UFPE, membro da Academia Brasileira de Ciências, da Academia Pernambucana de Ciências e membro do Conselho da SBPC e SBF.

Publicado no Jornal da Ciência

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