Substitutivo acertado entre Serra e o governo tira da Petrobrás a condição de operadora única no pré-sal por 40 a 26 votos e 2 abstenções
O que se pode concluir da votação de quarta-feira, no Senado, em que foi aprovada a entrada das multinacionais petroleiras, como operadoras, no pré-sal, é que o ideólogo do governo Dilma chama-se José Serra. Não precisou ser eleito para mandar (e, principalmente, desmandar) na Presidência – bastou a adesão de sua ocupante, agora uma sequaz histérica do entreguismo serrista.
O projeto ainda vai ser remetido para a Câmara – e existem as ruas. Mas, se não fosse o apoio do governo, o destino do projeto Serra no Senado teria sido duvidoso, ou, no mínimo, muito mais difícil, como disse um senador governista:
O SR. LINDBERGH FARIAS (PT/RJ): … nós fomos derrotados por uma aliança do Governo com o PSDB. Eu estive hoje pela manhã no Palácio do Planalto, e a orientação era de lutar para manter a Petrobras como operadora única e os 30% – eu conversei com o Ministro Berzoini. Só que à tarde, já aqui na discussão, há uma mudança de posição. E, sinceramente, eu acreditava que podíamos ter ganho essa votação. Nós nos sentimos aqui abandonados numa matéria que é estratégica.
Berzoini e também o ministro da Casa Civil, Jaques Wagner – segundo vários relatos – disseram aos senadores que a posição do governo era contra o projeto, quando até as baratas que transitam pela Praça dos Três Poderes sabiam que Dilma dissera ao presidente do Senado, Renan Calheiros, que “não tinha objeções” ao projeto de Serra (v. HP 19/02/2016).
O senador Roberto Requião abordou o apoio do governo por outro ângulo:
O SR. ROBERTO REQUIÃO: … algumas lideranças nas quais o povo depositava a confiança e a esperança foram engolidas em um processo de corrupção, e isso abre um espaço terrível para que interesses que não são propriamente do Brasil caminhem, de forma firme e forte, em um processo de fragilização e mesmo de extinção de um projeto nacional. (…) com esse amortecimento da consciência nacional, com a frustração causada pela corrupção evidente de alguns líderes partidários, que tinham a confiança e eram depositários da esperança do povo, nós ficamos extremamente fragilizados. (…) A corrupção é séria. Eu quero ver essa gente toda na cadeia, punida…
Realmente, a tentativa de entregar o pré-sal à Chevron, Shell, Exxon, BP e outros monopólios petroleiros externos é o que há de mais coerente (!) com o assalto à Petrobrás. Repugnante coerência essa, a da pilhagem e do banditismo!
Um assessor parlamentar relatou que, antes do governo fechar com Serra, a avaliação era que o projeto seria derrotado por 36 a 34 – o que parece, pelo menos, possível, pois a urgência para esse projeto, no dia anterior, passara por apenas 33 a 31: “O Senado tem gente bem definida, de direita e de esquerda. Mas tem um miolo que navega de acordo com a conveniência. Com o acordo, mudaram de lado”.
Um apoiador de Serra – e também do governo Dilma (há muito as duas coisas deixaram se ser contraditórias) – saudou o cambalacho serro-dilmista:
O SR. OMAR AZIZ (PSD/AM): … é necessário parabenizar a lucidez da Presidente Dilma, do Ministro Jaques Wagner e do Ministro Ricardo Berzoini (…). Qualquer discurso ao contrário é de pessoas que ainda pensam que nós estamos na época do Getúlio Vargas, quando foi criada a Petrobras. (…) E o Governo brasileiro, neste momento, através da Presidente Dilma, demonstra claramente humildade para reconhecer este momento difícil e ajudar a fazer esse substitutivo que o Senador Romero Jucá acabou…
Segundo esse luminar, por não estarmos mais na época de Getúlio, ao invés de avançar em relação à ela, temos de regredir à época de Campos Salles, ou, talvez, D. Maria, a Louca. Equivale a dizer que devíamos ser anexados aos EUA, porque não estamos mais no tempo de D. Pedro I…
Depois da indecente e despudorada cafua em que se converteu o plenário do Senado, o projeto – ou, melhor, o substitutivo acertado entre Serra e o governo – foi aprovado por 40 a 26, com duas abstenções.
O substitutivo que foi votado, na essência – a de tirar da Petrobrás a operação única no pré-sal – é idêntico ao projeto de Serra, e não é à toa que este último o reivindicou como sendo de sua autoria, sem nenhuma contestação, muito menos do suposto autor desse substitutivo, Romero Jucá.
Apenas, o substitutivo é mais cínico, com um artigo onde diz: “O Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), considerando o interesse nacional, oferecerá à Petrobras a preferência para ser o operador exclusivo de blocos a serem contratados sob o regime de partilha de produção. Parágrafo único. Caso aceite a preferência referida no caput, a Petrobras deverá, etc.” (grifo nosso).
Obviamente, nada impede que o CNPE (isto é, o governo) considere que o interesse nacional é não “oferecer” a preferência à Petrobrás ou que não há interesse nacional envolvido; portanto, a Petrobrás não deve ter “preferência” – foi o que o governo fez no maior campo petrolífero do mundo, Libra, ao fechar a exploração com a Shell e a Total. Mas não pôde, então, mudar a operadora, pois a lei impedia que não fosse a Petrobrás, nem alijá-la da participação mínima de 30% no consórcio de exploração.
Por isso, o substitutivo Jucá é apenas uma versão do projeto Serra para enganar trouxas. Inclusive oferece duas oportunidades de afastar a Petrobrás do pré-sal: via CNPE e via uma diretoria reacionária qualquer que seja colocada na Petrobrás.
Serra, não contente em assumir o projeto, fez, ainda, uma homenagem:
O SR. JOSÉ SERRA (Bloco Oposição/PSDB – SP): … eu queria aqui, novamente, homenagear alguém que faz falta aqui, neste Plenário, faz falta o seu pensamento, que é o Haroldo Lima, que foi Presidente da ANP durante todo o governo Lula. Pode-se acusar o Haroldo Lima de muita coisa, menos de ser um homem desonesto, incoerente e de não ser nacionalista, democrático, comunista, do PCdoB. Haroldo Lima escreveu um artigo, que recomendo para todos os Senadores, defendendo o projeto. Creio que ninguém vá achar que Haroldo Lima está a serviço de alguma multinacional de petróleo ou de fábrica de bolinha de pingue-pongue. É um homem que escreve de acordo com as suas convicções, com a sua experiência, com o seu conhecimento.
Nem mesmo a senadora Vanessa Grazziotin, correligionária do Lima – nacionalista entreguista ou comunista serrista – conseguiu aguentar… Houve um charivari no plenário, mas, convenhamos, nesse caso a culpa não é do Serra. Mas, é justo registrar, a senadora votou contra o projeto de Serra e Lima.
O senador Requião sintetizou a jornada: “Deixamos de derrotar a proposta do Serra porque o governo se aliou a ele. Fique o registro para a história”.
E lembrou o telegrama de dezembro de 2009, divulgado pelo “Wikileaks”, em que Dennis Hearne, cônsul dos EUA no Brasil, relata ao Departamento de Estado, em Washington, a conversa de Serra com Patricia Pradal, diretora da Chevron: “Deixa esses caras fazerem o que eles quiserem”, disse Serra sobre o então projeto de lei que instituía a Petrobrás como operadora única do pré-sal, “nós mudaremos de volta” (cf. HP 15/12/2010).
O projeto que o governo aprovou, disse Requião, “prejudica o futuro do País, a viabilidade de um projeto nacional. É um projeto que quebra a Petrobrás, porque, sem o pré-sal, a Petrobrás não sobrevive à crise, que pode ser ultrapassada rapidamente”.
Fonte: Jornal Hora do Povo – Carlos Lopes