Durante desocupação estudantes comemoram vitória sobre decreto que instituía o fechamento de unidades escolares
Nesta segunda-feira os estudantes da E. E. Prof. Astrogildo Arruda realizaram a desocupação da escola após 29 dias de ocupação. “’Não tem arrego, queremos educação de qualidade!’ Esse foi o nosso recado para aqueles que pretendiam fechar o Astrogildo e tantas outras escolas”, disse o presidente da UMES, Marcos Kauê, durante reunião com estudantes da ocupação, pouco antes da chegada dos funcionários da Diretoria de Ensino e da direção escolar que receberiam dos alunos as chaves da escola.
“A primeira etapa da nossa luta, por educação pública de qualidade, nós vencemos. E essa luta foi conseguir ocupar as escolas contra o decreto da reorganização que instituía o fechamento das escolas. Agora precisamos nos organizar para o ano que vem”, disse Kauê, que convidou os estudantes para a plenária da próxima sexta (18), às 14 horas. “Porquê? Porque precisamos chamar essa galera das ocupações e nos preparar para o ano que vem. O governo já disse que vai discutir no ano que vem a reorganização. E os estudantes de cada escola precisam ter um documento dizendo que somos contra a reorganização, afirmando o que queremos dentro da escola. E isso nós vamos entregar para os nossos pais e para toda a comunidade”.
“Essa nossa foi a nossa primeira vitória. E com ela conseguimos derrubar um secretário de Educação que defendeu fechar escola, e junto foi o seu chefe de gabinete. E isso não acontece há muito tempo em São Paulo, foi uma vitória muito grande. Então precisamos nos organizar para esse próximo período. A nossa plenária vai discutir duas coisas, o documento que vamos escrever e as nossas ações contra a reorganização, contra a aprovação automática, por melhores salários para nossos professores. Por uma escola do tamanho dos nossos sonhos”, completou.
Durante a reunião os estudantes organizaram os últimos preparativos para a entrega das chaves a diretora do Astrogildo, Sandra Ferreira, e ao representante da Diretoria de Ensino Leste 2, Paulo Ferreira, que se definiu como “executivo público”. Ambos chegaram por volta das 13:20 horas, e deram início a vistoria da escola, que foi realizada com a presença de uma comissão composta pelo presidente do grêmio da escola, Bismarck Lucas, e por caio Guilherme, membro da diretoria da UMES.
Enquanto realisavam a vistoria Bismarck salientava o trabalho dos estudantes em cada espaço vistoriado, ressaltando que as salas de aula, corredores e outros espaços da escola foram varridos, assim como foram limpas as pichações, um trabalho que deixou o banheiro da escola limpo como nunca se viu antes. Até mesmo a diretora reconheceu em muitos momentos que os estudantes deixaram a escola melhor do que a encontraram antes da ocupação.
Da direita para esquerda, Paulo Fernandes, da Diretoria de Ensino, Bismarck, presidente do grêmio, e a diretora Sandra de vestido preto junto a alunos e funcionários da escola durante vistoria
Ainda no início da vistoria o representante da Diretoria de Ensino orientou a diretora Sandra a redigir um relatório sobre a ocupação contendo um levantamento completo das ações dos alunos na escola, documento que deve incluir um inventário completo dos bens da escola. A ação, organizada pela Secretaria de Ensino, teve início pela secretaria escolar, e assim seguiu até o pátio da escola com Sandra e Paulo fotografando cada item depredado na escola.
Caio, preocupado com a possibilidade da secretaria incriminar a ocupação pela depredação e abandono de anos, devido ao sucateamento dos últimos anos observado nas escolas de São Paulo, indagou Paulo se “as diversas portas quebradas e salas com o forro ou teto furado e esburacado” seriam relatados no relatório com o compromisso de não incriminar os estudantes injustamente, se referindo a diversos casos relatados pela Secretaria de Ensino, e repercutidos na grande imprensa, na tentativa de constranger as ocupações e os estudantes. “A cozinha tinha uma porta quebrada e também um buraco no teto. Temos o seu compromisso de que esse relatório vai ser honesto e não responsabilizar a ocupação por todos esses problemas que já existiam antes da ocupação?” Paulo respondeu que o relatório vai ser redigido em conjunto com os estudantes, e vai levantar todos os problemas.
Paulo Fernandes, Bismarck Lucas e Sandra Fernandes assinam juntos o termo de compromisso do grêmio
Depois disso ao chegar a cozinha Paulo indagou a diretora sobre uma porta quebrada ao meio e um buraco no teto. Sandra disse que a escola havia sido invadida duas vezes nos últimos meses, e perguntou ao representante da secretaria se era necessário fazer um Boletim de Ocorrência, ele respondeu de forma positiva. Outro problema verificado foi uma invasão a escola durante a ocupação, onde jovens do bairro fizeram uma fogueira na porta de entrada da secretaria, que fica do lado de fora da escola, e de frente para um muro que da para a rua. A fogueira danificou a pintura e uma pequena parte do forro do teto da pequena área localizada na frente da secretaria escolar. A esse respeito Bismarck disse que fará o Boletim de Ocorrência ainda esta semana, para garantir que a ocupação não seja prejudicada.
Ao fim da vistoria Sandra, Paulo e Bismarck assinaram um termo de compromisso, redigido pelo grêmio, onde a escola e a Diretoria de Ensino se comprometiam a devolver para o grêmio a sala do grêmio. O documento também atestava a integridade da escola após a ocupação. Ambas as autoridades assinaram o termo sem nenhum problema. Nesse momento estava presente também o advogado da ocupação, sr. João Ananias, morador do bairro que atuou em outras ocupações da zona leste por se sensibilizar com a luta dos estudantes (veja abaixo trecho de sua entrevista).
Grêmio
“No começo estávamos meio perdidos, e a conscientização do movimento foi puxada por mim e outros estudantes. Nós estávamos com isso na cabeça e começamos a falar com os estudantes que precisávamos ocupar. A ideia ficou mais concreta, e ocupamos no dia 16 de novembro. E conforme estávamos ocupados tomamos mais consciência das leis, das liminares que nos protegiam e asseguravam a ocupação. E para além da vitória, construímos uma irmandade entre os estudantes. Dormimos na escola durante quase um mês, criamos um laço muito grande. Eu mesmo fiquei amigo de pessoas que eu nem imaginava, que eram totalmente distintas. E vimos pessoas que não tinham ciência nenhuma de política desenvolver senso crítico”, comentou Bismarck Lucas, presidente do grêmio da escola, que se forma em 2015, no 3º ano do ensino médio. Ele diz sair tranquilo da escola, com a certeza de que o grêmio e a organização dos estudantes se fortaleceram na ocupação.
Jefferson Fernando, Erick Soares, Kauê, Bismarck e Caio
Bismarck comentou que está muito orgulhoso de ter participado da ocupação, e disse que foi uma grande satisfação garantir que sua escola permaneça em funcionamento. “Foi uma experiência fora de serio. A visibilidade que conquistamos. E no fundo os meus planos são de continuar na escola, temos diversos projetos, tem a UMES que posso ajudar muito, quem sabe ser um diretor específico do Astrogildo”. Pensando no futuro ele comentou que deseja continuar trabalhando na escola. “E vamos dizer que de uma forma ou de outra, eu não diria ganhar a vida, mas ganhar satisfação na vida aqui”.
Para Jefferson Fernando, estudante do 2º ano do ensino médio da escola, “acima de tudo a ocupação foi uma experiência gratificante. Foi muito gratificante ter feito parte de tudo isso. No começo fomos pegos de surpresa, mas quando a gente ficou sabendo, a gente se uniu. Todos se uniram e decidimos que íamos lutar por essa causa, decidimos que íamos comprar e apoiar essa causa. A gente foi vendo as outras ocupações e os projetos. A nossa escola foi a primeira escola da Leste 2 a ser ocupada”.
“No começo foi meio tenso, porque enfrentávamos alguns que não apoiavam, pessoas que eram contra. Enfrentava até um pouco de reprovação por parte de alguns alunos. Mas conseguimos, nos mantemos firmes e fortes até o final, e conseguimos essa conquista de manter a escola aberta. E agora a gente tem o apoio de grande parte dos alunos, porque eles viram que da resultado. Porque na maioria das vezes que falávamos com eles, eles falavam ‘isso não vai dar certo, isso não tem jeito, eles [o governo] já decidiram’. E deu certo. A nossa força, a nossa união, o nosso coletivo teve força, não somente a nossa escola, mas diversas escolas, para revogar a reorganização. É um sentimento de gratificação mesmo”.
Ao falar dos projetos do grêmio para o ano que vem Jefferson disse que a grande luta será manter os alunos conscientizados e integra-los junto a suas famílias a escola.
Solidariedade
Um dos professores da escola, que preferiu se manter anônimo devido a possíveis perseguições por parte da Secretaria de Ensino, afirmou que a ocupação e todo o cuidado dos estudantes pela escola foi “uma surpresa”. “Eles exerceram o direito deles de cidadãos, afinal é um espaço deles. Foi também uma surpresa ver que a escola está bem preservada pelos alunos, os banheiros estão limpos, aliás nunca estiveram tão limpos. Foi um movimento legítimo deles, não houve nenhuma violência ou depredação. E fica a lição de como lidar com eles, de saber que são capazes de ser cidadãos e exercerem coisas maiores”. Para o professor a conquista dos estudantes foi uma vitória histórica. “Não deixem que isso seja esquecido. A luta pela educação não acabou, haverá novos passos”.
Vistoria do banheiro da escola, que devido a ocupação estava limpo e sem nenhum pichação
Para o advogado da ocupação defender os estudantes “foi uma experiência muito diferente. Em 1995 tive familiares envolvidos na reorganização que demitiu milhares de professores e fechou dezenas de escolas, e a partir dali me lembrei dessa época, me sensibilizei e decidi ajudar quando percebi que diversas pessoas seriam transferidas para outras escolas, correndo o risco de serem assaltadas e roubadas”, explicou o advogado João Ananias, responsável pela consultoria jurídica da ocupação do Astrogildo, a imprensa da UMES.
João fez vigília na frente de diversas escolas que estavam sob ameaça de invasão, levando a liminar que proibiu a reintegração de posse de forma a persuadir policiais ou mesmo membros da Secretaria de Ensino a recuarem de sua “guerra contra as ocupações”. Por fim João desejou boa sorte aos estudantes e os orientou a estudar. “Aproveitem esse momento, e estudem. Essa foi uma organização para estudar. Quem tem vontade de estudar chega a qualquer lugar. Eu sempre estudei em escola pública e por isso me sensibilizei.”