PL de José Serra que pretende ampliar internação de menores de 3 para 10 anos tem apoio do governo federal
"Tem sido discutido no Senado, as escondidas, uma proposta tão danosa e degenerada quanto a PEC 171. É o Projeto de Lei 333/2015 de José Serra do PSDB. O projeto pretende ampliar de três para dez anos o tempo de internação dos jovens infratores. É uma medida que basicamente nega o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) ao rejeitar sua essência que é a reintegração do menor infrator de forma positiva na sociedade. Uma proposta que pretenda internar por dez anos nada tem a ver com medida socioeducativa”, alerta Marcos Kauê, presidente da UMES.
Recentemente os debates que apontam para a redução da maioridade penal tem ganhado cada vez mais relevância durante esse período de fortes cortes de direitos e recessão, mesmo depois de anos de esquecimento nos corredores do congresso. A UMES e diversas entidades do movimento social têm se levantado contra mais essa tentativa para cortar direitos sociais.
“Mais grave ainda é o governo federal enviar o Ministro da Justiça, José Eduardo Cardoso para negociar com José Serra a ampliação da internação para 10 anos. Este foi mais um dos estelionatos do governo Dilma, que fez de tudo para posar que era contra a redução da maioridade”, afirmou Kauê.
O ministro Cardozo formalizou no dia 16 de junho o apoio do governo a medida, mesmo dia no qual o líder petista no senado, o senador José Pimentel (CE), formalizou o apoio a Serra. O senador apresentou um relatório onde assegura que o projeto se trata do que “melhor se adéqua a sociedade”.
Durante a sessão do senado a medida foi aprovada em sua primeira votação no dia 17 de julho, onde de todos os 57 votos, 43 foram favoráveis, 13 contrários, nenhuma abstenção mais o voto do presidente. Dos 12 senadores petistas, 5 votaram pela aprovação do projeto, juntamente a ampla maioria da base governista.
Kauê ainda ressaltou que “o caminho mais acertado para por fim nas discussões sobre a redução da maioridade penal, e pela afirmação do ECA e de suas diretrizes e fundamentos é a luta contra os cortes, é garantir os investimentos em educação, saúde e lazer para a juventude, bem como assegurar o crescimento econômico com salário digno. Porque “com os cortes será impossível zerar o déficit educacional entre a juventude, será impossível implementar plenamente as medidas socioeducativas, e será impossível possibilitar à estrutura familiar a estabilidade necessária para se criar nossa juventude”.
Atualmente, de acordo com dados do Pnad, ao menos 7% das crianças e adolescentes até 14 anos estão fora da escola, quando o ensino fundamental é obrigatório por lei. No total a exclusão escolar entre os jovens somavam mais de 3 milhões até 2013.
Porém tão grave quanto os cortes nos já escassos recursos da educação, são os homicídios perpetrados contra nossos adolescentes. Entre 1990 e 2013 os casos subiram de 5 mil para 10,5 mil ao ano, indicam os dados do Datasus de 2013. São cerca de 28 assassinatos contra crianças e adolescentes por dia. Se considerarmos os números absolutos de homicídios contra adolescentes, ficamos atrás apenas da Nigéria. Por sua vez em um universo com cerca de 21 milhões de jovens, apenas 2.730, uma parcela ínfima da juventude brasileira, cometeu algum ato contra a vida entre 2006 e 2012. Estes contra a juventude representam 36,5% das causas de morte, estimativa muito superior se comparada aos homicídios contra a população total, que correspondem a 4,8% das causas de morte, indicam os dados da Unicef e do estudo “Homicídios na Adolescência no Brasil”, publicado este ano.
Quanto aos jovens submetidos a medidas socioeducativas, 57% estavam fora da escola antes da internação, enquanto 86% não conseguiu completar nem mesmo o ensino fundamental. E a coisa fica pior ao se analisar a aplicação destas medidas na pratica. No Brasil temos um total de 18.072 vagas para internação, porém a quantidade de internos é superior a 21.823. Todas as regiões do país estão com sua capacidade superlotada. Em todo o território nacional possuímos apenas 159 Varas exclusivas para crianças e adolescentes, e em 2013 tínhamos um déficit de mais de 630 conselhos tutelares pelo país.
Com toda essa carência (agravada pelos atuais cortes), como o Estado e a sociedade brasileira terão condições de acompanhar e avaliar os jovens no caso de serem advertidos, obrigados a reparar algum dano, prestar serviços à comunidade, ou internados conforme estabelece o ECA, sem ampliar os investimentos e os gastos para sua implementação? “Não será a redução da maioridade que resolverá estes problemas, mas a garantia de implementação das medidas socioeducativas do ECA. Sem investimentos e ampliação dos gastos isso não vai se resolver”.
O Estado de São Paulo, por exemplo, possui uma superlotação de 8,6% acima de sua possibilidade de internação. É em decorrência desses dados que a Unicef afirma que as medidas socioeducativas não estão sendo implementadas de forma efetiva, e que a redução da maioridade penal representaria apenas retrocesso, já que o caminho é “aperfeiçoar o sistema socioeducativo, garantindo que ele ajude a interromper a trajetória do adolescente na prática do delito, é uma das tarefas mais importantes que o País tem diante de si”.
Até mesmo a ONU acredita que o caminho é a afirmação do ECA, e não a redução ou similares. “Analisando a trajetória desses 25 anos do ECA, podemos afirmar que o Brasil tomou a decisão certa em adotar o Estatuto” disse Gary Stahl, representante do Fundo das Nações Unidas para a Infância no Brasil (UNICEF). Para ele é preciso “focar nos mais excluídos. Para isso, são necessárias ações específicas, capazes de alcançar as crianças e os adolescentes que foram deixados para trás”.
Nesse sentido o presidente da UMES, Marcos Kauê, explica que se há um grande problema no Estatuto da Criança e do Adolescente: “é que o ECA não é cumprido! O Estado brasileiro não garante que a nossa juventude e o nosso povo tenham educação, saúde, habitação, ou lazer. E mesmo com tanto por se fazer o governo federal, em meio a todas estas dificuldades e desafios para se superar, corta mais de RS 70 bilhões em direitos sociais e trabalhistas, como saúde, educação, habitação, salários, pensões e aposentadorias, e ao mesmo tempo transfere aos bancos e rentistas internacionais e nacionais R$ 198,9 bilhões via juros da dívida. Apenas em maio foram transferidos R$ 57,8 bilhões para os bancos, valor quase 30% superior ao orçamento do MEC disponível para todo o ano, cerca de R$ 39,2 bilhões. Como vamos implementar o ECA quando os recursos para sua pratica estão sendo drenados para uma parcela parasitaria da sociedade, muitas vezes internacional”, indagou Kauê.