“Basta de traição e omissão, fora!”: repúdio ao desaparecimento dos 43 estudantes se espalha e abala plano de privatizar Pemex. México saqueado pelo Nafta e sangrado por narcos e Iniciativa Mérida
O México continua conflagrado pelo desaparecimento de 43 estudantes normalistas de Ayotzinapa, que foram presos pela polícia ao se manifestarem em Iguala, no estado de Guerrero, e entregues a narcotraficantes por ordem do prefeito e sua mulher e, em seguida, ao que tudo indica, chacinados, tendo seus corpos calcinados, envolvidos em sacos e jogados num rio. Desde então, não param as manifestações, e nesta quinta-feira (20) um protesto nacional, convocado pelas famílias, na praça central da capital do México,o Zócalo, exige uma resposta à convocação de “vivos os levaram, vivos os queremos”.
Já se passaram 50 dias, com a omissão do presidente mexicano e da Justiça levando multidões a transformarem sua indignação no protesto de “Fora Peña”. A compra, pela mulher do presidente, de uma mansão a um magnata com negócios com o governo, joga mais lenha na fogueira da revolta que abala o país. A divulgação de uma “confissão” por supostos autores não convenceu as famílias, pois não há sinal dos corpos, apesar de haver aparecido outras valas com dezenas de outros corpos, que não os dos jovens.
Os manifestantes retrucam “governo farsante, assassino de estudantes”, enquanto o procurador-geral geral, acintosa e desrespeitadoramente, se diz “cansado” com o caso. Declaração recebida com “nojo” pelas famílias. Enquanto não devolverem vivos os 43 estudantes, ou ficar provado que eles estão mortos, e tenham seus corpos entregues às famílias e os assassinos exemplarmente punidos, não haverá paz no país.
Além dos 43 desaparecidos, a polícia de Iguala matou no dia do seqüestro outras seis pessoas, sendo três estudantes, e feriu 25. A ordem de chacina foi dada por que os estudantes iriam “atrapalhar” discurso da mulher do prefeito, que este queria fazer sua sucessora. Os dois só foram presos muitos dias após o crime, e o chefe de polícia, que entregou os estudantes nas mãos dos traficantes, ainda está foragido. No dia do seqüestro, tropas federais deixaram sem socorro estudantes que haviam conseguido escapar, e estavam feridos.
Com isso, o governo estadual teve de renunciar; 100 mil se manifestaram há quinze dias e uma greve nacional de estudantes paralisou as escolas por três dias. A sede de governo de Guerrero foi incendiada, o que também, depois, aconteceu na porta do palácio do presidente Peña na capital. Em outros protestos, carros foram queimados e prédios públicos apedrejados. Ocupações de estradas, prédios públicos, postos de pedágio e escolas se sucedem: “somos todos Ayotzinapa”.
Mas tamanha atrocidade não surge do nada, nem se trata de um fato isolado. É o resultado ineludível da sujeição aos monopólios dos EUA sob o acordo Nafta, levada a cabo pelo PRI e aprofundada pelo PAN, com a população à mercê das ‘maquiadoras’, a agricultura destruída, as estatais privatizadas e largas camadas mal sobrevivendo com o ínfimo salário mínimo abaixo da linha de pobreza, caso único na América Latina, segundo a Cepal, ou sequer isso. Quatro em cada dez mexicanos não conseguem dinheiro para pagar por uma cesta básica, e quase 60% dos empregos, de acordo com a OIT, são informais. Não há seguro-desemprego, nem programas de renda mínima, sendo que 40% dos habitantes está abaixo da linha de pobreza e 13% são indigentes. Mais de 75% da população não tem cobertura previdenciária.
E é a este país, dizimado pela submissão aos EUA, que os áulicos do neoliberalismo exaltam como líder da “Aliança do Pacífico”. Essa depauperação profunda da população mexicana explica sua fragilidade diante do narcotráfico, impulsionado pela CIA desde a década de 1980 com sua aliança com os narcos da Colômbia em apoio aos Contras anti-Nicarágua, e que levou o crack para os bairros negros de Los Angeles. Com o país transformado num corredor até o “mercado consumidor” nas metrópoles dos EUA – e até os bancos que lavavam o dinheiro da droga -, o México se viu sob o poder crescente de cartéis da droga, que se mesclaram intensamente com todo tipo de oportunista político, ainda mais numa quadra em que os principais partidos se dedicavam a amarrar bem amarrada a vaca para os americanos mamarem.
ENCENAÇÃO
Mas, assim como em outras terras aonde a CIA alavancou o tráfico, outras agências de Washington cuidaram de encenar o combate às drogas – e talvez não haja exemplo mais didático do que a proliferação da produção de heroína no Afeganistão sob a ocupação norte-americana. Assim, Washington desencadeou a “Iniciativa Mérida”, versão mexicana do “Plan Colômbia”, e que engolfou o país na “guerra às drogas”, com mais de 130 mil mortos e 22 mil desaparecidos, e onde não faltaram episódios nebulosos como o fornecimento, pelo DEA, de armas aos cartéis da droga mexicanos, supostamente para “descobrir o roteiro” via fronteira”.
A conflagração tornou-se um empecilho inesperado aos planos de Peña para privatizar a Pemex e o setor elétrico, presenteá-los ao Big Oil dos EUA, dentro do seu “Pacto pelo México” em que o “novo PRI” prometia fazer tudo o que o PAN, desgastado, já não conseguia leiloar. Tudo marchava tão bem,e do nada o desvario de alguns bandidos de quinta categoria – um deles trajado de prefeito e “oposicionista” – põe em risco as grandes jogadas dos entreguistas de alto coturno. E os estudantes de Ayotzinapa só queriam mais verbas e arrecadar algum dinheiro para ir até à capital para o ato em homenagem aos estudantes assassinados em 1968. Agora, ao “fora Peña”, já se soma o repúdio a tudo que ele representa: “corrupção, traição da nação e omissão”.
Por Antônio Pimenta
Hora do Povo