Falta de compromisso com o financiamento do Hospital Universitário da USP e com o pagamento de salário aos médicos coloca o hospital em risco de fechamento
O Hospital Universitário da USP, centro de excelência na assistência aos mais de 400 mil moradores da Zona Oeste de São Paulo, unidade onde se realiza hoje o maior estudo epidemiológico populacional do país e uma das melhores, senão a melhor, plataforma de ensino médico do Brasil, está muito próximo de entrar em colapso e até mesmo fechar suas portas. O motivo desse desastre é o total descaso e descompromisso, tanto da reitoria da universidade, quanto do governo do Estado de São Paulo.
Tudo começou quando a nova administração da USP assumiu o comando da universidade, no início deste ano com um discurso catastrofista e desagregador. O novo reitor, Marco Antônio Zago, médico e professor de Ribeirão Preto, participante da gestão anterior da universidade, logo que iniciou sua gestão, diferentemente do que afirmara durante toda a sua campanha para a reitoria, anunciou a existência de uma grave crise financeira na Universidade e baixou medidas draconianas para supostamente debelá-la. As causas da suposta crise, segundo ele, estavam no excesso de funcionários, nos altos salários recebidos por eles e nas despesas provocadas pelos hospitais (HU e HRAC).
Desprezando totalmente os estudos realizados pela Associação de Docentes da Universidade de São Paulo (Adusp) e por outras entidades, que demonstram claramente que a USP vem crescendo suas atividades nas últimas décadas sem o corresponde aumento de verbas e que o governo do Estado vinha, já há alguns anos, desrespeitando a lei da autonomia financeira das universidades e reduzindo os repasses das verbas para as três instituições, através do desconto da parte do ICMS que é destinado para o setor de Habitação, da retirada dos recursos do programa da Nota Fiscal Paulista e, também por não levar em conta os pagamentos de tributos atrasados para efeito de cálculo dos repasses, o reitor decidiu pelo corte de verbas, pelo congelamento dos salários e pela demissão de milhares de empregos da universidade. Como se não bastassem essas medidas, decidiu se desfazer dos dois hospitais de ensino que estão há mais de trinta anos sob a responsabilidade da USP.
O resultado é de conhecimento de todo o Brasil. A Universidade de São Paulo, a mais importante Universidade da América Latina, se levantou e realizou a maior greve de toda a sua história. Foram mais de três meses de mobilização, passeatas e manifestações por toda a cidade. Ao final, isolado política e juridicamente, o reitor foi obrigado a ceder em sua tentativa de impor reajuste zero nos salários. Enquadrado pela justiça, ele foi obrigado e conceder 5,2% de reajuste e um abono de 28,6% para compensar os meses em que a negociação permaneceu em impasse.
Mas, apesar de isolado e desmoralizado, o reitor – que pertenceu ao grupo político do ex-ministro Antônio Palocci – insistiu nas demissões e na desvinculação dos hospitais. Chegou a aprovar no Conselho Universitário da USP a desvinculação do HRAC (Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais), centro especializado em cirurgias da face, de Bauru. A decisão sobre a transferência do Hospital Universitário para a Secretaria Estadual da Saúde foi adiada em virtude da forte mobilização de médicos, estudantes e demais funcionários da instituição.
Zago aprovou também na mesma reunião do órgão máximo da USP, o Plano de Demissão Voluntária (PDV) com meta inicial de demitir 1,7 mil funcionários e o objetivo de, ao final do plano, atingir o desligamento de cerca de 3 mil funcionários técnico-administrativos da instituição. Ou seja, o reitor, ao invés de assumir uma postura de defesa das universidades públicas e batalhar por mais recursos para a educação superior no Estado, decidiu pelo caminho do desmonte da USP.
A insistência do reitor em se desfazer do Hospital Universitário, demonstrando total descaso com uma unidade de ensino da USP, que recebe alunos de seis faculdades da área de saúde, e que, há 33 anos, é elogiada por praticamente todos os seus alunos como um dos melhores estágios da graduação da universidade, além de receber residentes de todo o país, mostra um descompromisso com o ensino, a assistência e a pesquisa incompatível com a função de reitor de uma grande universidade.
O escândalo é ainda mais grave quando o governo do Estado também se descompromete com o financiamento das atividades assistenciais do HU. O Sistema Único de Saúde (SUS) repassa menos de 10% da verba necessária para o funcionamento do hospital que é responsável pelo atendimento de uma média de cerca de mil pacientes por dia em seu Pronto Socorro. O HU é o único hospital que possui um grande Pronto Socorro em toda aquela região da cidade e é a única referência para as demais unidades de pronto atendimento.
Derrotado politicamente em sua determinação de se desfazer do Hospital Universitário [Alckmin se recusou publicamente a receber o hospital] Marco Antônio Zago partiu para a retaliação contra a instituição e contra os seus funcionários. Essa retaliação, que trará graves prejuízos para a população paulista, veio em forma de estrangulamento financeiro do HU.
O Hospital Universitário, que possui 258 leitos, foi projetado, em termos de número de pessoal, para atender em média 300 a 400 pacientes por dia em seu Pronto Socorro. No decorrer dos anos, o número de pacientes que procuram espontaneamente o HU foi crescendo e, hoje, passa dos mil atendimentos por dia. Em situações de epidemia, como as de gripe e dengue, só para citar dois exemplos mais recentes, este número é ainda maior. Entretanto, o número de médicos e funcionários responsáveis pelo atendimento não cresceu na mesma proporção nesses anos todos.
A solução encontrada pelas administrações anteriores da USP para prosseguir atendendo de forma adequada a população da região e garantir a qualidade do ensino e da pesquisa, sem aumentar o número de funcionários, foi a implantação de um regime horas extras obrigatório. Os médicos e demais funcionários passaram a fazer uma carga horária de rotina acrescida de mais horas extras para cobrir os plantões, já que o HU funciona 24 horas por dia e todos os 365 dias do ano.
O contrato dos médicos é de 24 horas semanais, mas eles são obrigados a fazer no mínimo mais 12 horas de plantão como hora extra. Isso faz com que muitos médicos que possuem um tempo grande de HU, e que recebem triênios e sexta-partes – e são obrigados a dar esses plantões – recebam salários que ultrapassam o limite salarial recentemente estipulado pela universidade.
Pois bem, o reitor teria duas saídas para enfrentar este problema. Retirar os plantões e contratar mais médicos e funcionários para atender ao excesso de demanda. Ou reduzir a demanda espontânea do HU. Com isso, ele reduziria a necessidade dos plantões e não teria que pagar as horas extras. Lamentavelmente ele não tomou nem uma nem outra decisão. Jogou no impasse. Simplesmente decidiu que não vai mais pagar as horas extras excedentes sem promover nenhuma alteração no volume da demanda.
A direção do hospital, nomeada por ele, já está ciente que, com essa determinação da reitoria, não será possível preencher as escalas de plantão de diversos serviços de emergência. Não haverá número suficiente de médicos nos plantões, o que os tornará inviável o atendimento à população.
Não há por parte da USP nenhuma demonstração de preocupação com este grave problema. Não há também nenhuma intenção de contratação de mais funcionários. Pelo contrário, o reitor, não só não vai contratar ninguém, como está estimulando a demissão de milhares de funcionários, o que deverá agravar ainda mais a situação.
Os médicos e funcionários do HU estão sendo constrangidos pela situação a trabalhar sem receber por seu trabalho. Evidentemente que, apesar do esforço desses funcionários em manter o HU funcionando – sentimento esse que é resultado do profundo respeito que eles têm pelos pacientes e pela instituição – essa situação não poderá perdurar por muito tempo. Ou seja, o Hospital Universitário da Universidade de São Paulo está à beira de um colapso de grandes proporções.
Dentro em breve, se não forem tomadas medidas concretas de investimento de recursos no hospital, ele não poderá mais seguir funcionando. O que mais impressiona em todo este episódio é a postura da administração da Universidade. Parece que Marco Antônio Zago quer literalmente ver o circo pegar fogo.
Ele está inflexível em seu autoritarismo e sua arrogância. Além disso, a total falta de compromisso e de seriedade do governador do Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB) ao recusar apoio ao hospital é alarmante. Além de não investir o que deve no hospital, o governo anuncia, mesmo diante da crise, uma redução dos repasses para as universidades estaduais no ano que vem. Ele não demonstra a menor preocupação com as consequências dessas medidas. Ou seja, o governo simplesmente lava as mãos diante da possibilidade real de fechamento de um grande hospital público que, além de ser uma instituição de ensino e pesquisa, é a única referência para o atendimento de toda a população da região Oeste de São Paulo.