Com queda nos investimentos que beira os 40%, escolas estaduais são consideradas ruins ou péssimas para mais da metade da comunidade, com problemas que vão da falta de professores à insegurança
Todos os dias, os alunos da escola Alexandre von Humboldt, na Vila Anastácio, região oeste da capital paulista, têm nove aulas, algumas delas em laboratórios equipados. Em sua maioria, os professores são efetivos, vieram de universidades de renome, entre elas a USP, e vários deles têm mestrado e doutorado.
Eles próprios desenvolvem as aulas, que, na opinião de muitos estudantes, são muito melhores do que as que tinham nas escolas particulares onde estudavam antes. Isso porque “não tem 'decoreba' e eles refletem sobre o que estão aprendendo e aprendem refletindo”.
Além das disciplinas do currículo básico do ensino médio, há atividades complementares, como iniciação científica, técnicas de estudo e grupos que se dedicam a temas diversos, como literatura contemporânea oriental, que inclui mangá e anime. Em muitos casos o envolvimento é tamanho que leva muitos deles a se reunir aos sábados para discutir ou realizar de projetos.
Uma pesquisa informal entre eles mostra que a maioria pretende ir para a universidade, inclusive para carreiras científicas, entre elas a astronomia – de tão empolgados com os estudos que muitos já realizam sobre o tema nas atividades complementares.
E para aqueles que gostam de esportes, a escola oferece treinos de vôlei, futebol e rúgbi, paralelos às aulas de educação física, que ali são voltadas também para o conhecimento do corpo em desenvolvimento. Disciplina com avaliação, aliás. Para completar, há lanches e almoço fornecidos pela escola, além de linhas de ônibus fretados, sem custo, pela manhã e à tarde, com itinerários que deixam os alunos perto de casa.
E como nem tudo é perfeito, alguns ventiladores seguem carecendo de manutenção, o grêmio estudantil seria ainda mais atuante se fosse estimulado pela direção e há por ali grupos não tão interessados. Minoritários, chegam a atrapalhar aulas no começo do ano, mas logo acabam se enquadrando ou se transferindo. De acordo com os estudantes, não há casos de desentendimento entre eles e tampouco com os professores. Muito menos episódios de violência.
Não por acaso, o colégio é muito procurado pelos pais. Vários deles são ex-alunos que atestam que a qualidade do ensino oferecido ali é histórica, de muito tempo antes de passar a funcionar em tempo integral.
Exceção
No entanto, o Alexandre – como é mais conhecido – está na elite da rede estadual paulista. Uma espécie de ilha de excelência, cartão de visitas, uma exceção. A regra geral do setor é que o estado de São Paulo oferece à população um conjunto de quase 5 mil escolas sem infraestrutura adequada, nas quais há rotatividade de professores, a maioria contratados em caráter emergencial, sem vínculo nem direitos, que recebem por dia, trabalhando em condições precárias, lecionando em três períodos, correndo de uma escola para outra.
Em março, o Instituto Data Popular divulgou uma pesquisa encomendada pelo Sindicato dos Professores do Ensino Oficial de São Paulo (Apeoesp), que entrevistou 700 profissionais, 700 pais e 700 alunos. Os resultados dão uma ideia da dimensão do problema. Para 70% dos estudantes e 50% dos pais, as escolas são regulares, ruins ou péssimas e estão longe de cumprir seu papel de formar cidadãos, ensinar conteúdos e preparar para o mercado de trabalho.
Segundo a maioria dos alunos (64%), as turmas ficam sem aula em média seis vezes por mês devido à falta de professores, inclusive substitutos. Apenas 5% afirmaram não ter tempo livre na escola. A falta de segurança, porém, é o problema número um, conforme 57% dos professores, 78% dos pais e 70% dos alunos, que consideram sua escola violenta. Tanto que 44% dos professores e 28% dos alunos afirmaram ter sofrido algum tipo de violência.
Segundo a Apeoesp, além das condições insatisfatórias de trabalho, agravadas por baixos salários, que desestimulam o interesse pela carreira docente e esvaziam os cursos de licenciatura, há problemas na organização dos tempos, dos espaços e no currículo escolar, além da falta de democracia na gestão escolar, fundamental para que o projeto político-pedagógico atenda aos anseios e às necessidades da comunidade.
Em manifesto em defesa dos professores e da escola pública, divulgado recentemente, a entidade reitera a reivindicação de reposição das perdas salariais e um reajuste de 75,33%, para que sua média salarial seja equivalente à das demais profissões com formação em nível superior.
“Já temos aprovado no Plano Nacional de Educação o custo aluno qualidade custo (CAQi), que virará uma grande bandeira nossa, até por incluir o salário de professores, o projeto arquitetônico das escolas e a compra de materiais. É um meio de trazer para as escolas todos os avanços tecnológicos que os alunos já experimentam fora dela”, afirma a presidenta da Apeoesp, Maria Izabel Noronha.
“Falta integração na educação básica e recursos e dotar escolas de mudanças substanciais para que alunos de fato aprendam. É preciso um ensino integrado, que articule as matérias com atividades culturais e esportivas.”
Menos dinheiro
Dados do site da Secretaria Estadual de Educação informam que entre 2010 e 2014 a previsão de orçamento para o setor seguiu uma progressão de aumento, saltando de R$ 18,8 bilhões para R$ 27 bilhões. E, pelas contas da Secretaria Estadual da Fazenda, que comparou o orçamento total deste ano e de 2013, houve acréscimo de 10,1%, passando de R$ 24,2 bilhões para R$ 26,6 bilhões.
O pagamento de pessoal e encargos ficou com a maior fatia do bolo: R$ 17,5 bilhão, 13,9% a mais que no ano passado. A verba para custeio de programas também aumentou nesse período, de R$ 7,9 bilhões para R$ 8,5 bilhões – um ganho de 8%.
No entanto, a verba orçada pelo governo Alckmin para investimentos – que inclui construção de escolas, reformas estruturais nos prédios e compra de equipamentos – caiu 37,5%, segundo a Secretaria da Fazenda. Foi reduzida de R$ 889 milhões, em 2013, para R$ 559 milhões agora em 2014.
Conforme o Sistema de Informações Gerenciais da Execução Orçamentária (Sigeo), em 12 de fevereiro, a diferença na verba orçada para investimentos é 36,62% na comparação de 2013 com 2014, como denunciou reportagem da RBA em março.
No ano passado, a previsão do montante era de R$ 749.079.731. Para 2014 foi reduzida para R$ 474.751.933 – quase R$ 275 milhões a menos. É o menor valor de toda a gestão de Geraldo Alckmin e quase a metade da previsão orçamentária para investimentos de 2012, no valor de R$ 957.227.547.
Na época, a Secretaria de Educação não confirmou os dados do Sigeo, esclarecendo que o valor previsto neste ano seria de R$ 670,1 milhões, maior do que o descrito pela Fazenda e pelo sistema de informações. Mas não justificou a diferença de valores.
Em nota oficial, afirmou que "a pasta conta com 5 mil escolas estaduais que atendem plenamente à demanda para a educação básica e que tem como prioridade a valorização dos cerca de 300 mil educadores e funcionários da rede estadual, tendo em vista que investir nos profissionais é investir em Educação". E que "com a implantação de uma nova política salarial pela pasta, que, aliada aos mecanismos de promoção e aumento do quadro de servidores, resultou em um crescimento de R$ 2,2 bilhões da verba destinada à folha de pagamento projetada para este ano".
Greves
O ensino profissionalizante estadual também enfrenta problemas. Entre fevereiro e março, professores e funcionários das escolas técnicas (Etec) e das faculdades de tecnologia (Fatec) mantiveram a maior greve da história da categoria. Durante 41 dias, 115 das 322 unidades espalhadas pelo estado suspenderam as aulas. Entre as reivindicações, a aprovação do plano unificado de carreira (PL 07/2014, de autoria do Executivo) e a incorporação de emendas que garantam ganhos reais e benefícios trabalhistas, propostas que acabaram acatadas pelo governo Alckmin. O plano está sendo implementado em três etapas, e deve ser concluído em julho de 2016.
Com a greve, os problemas salariais foram amenizados, em especial dos professores, segundo a presidenta do Sindicato dos Trabalhadores do Centro Paula Souza, Silvia Helena de Lima. “No ano que vem o pessoal mais antigo terá um enquadramento interessante. Mas, como o piso ainda está baixo, apesar do aumento, ainda será difícil atrair novos professores.” O valor da hora-aula para os professores novos na instituição passou de R$ 14 para R$ 17,50.
O maior desafio, segundo Silvia, será garantir convênio médico para professores e funcionários, como prevê o novo plano de carreira. A atualização tecnológica das unidades também continua como uma das metas. “A compra de novos equipamentos acaba variando muito, dependendo do interesse político do momento. Não existe uma política de estruturação, depende de cada unidade e do quanto consegue pleitear.”
Durante a greve, o Centro Paula Souza, autarquia responsável pela gestão das unidades de ensino, chegou a cortar o ponto de alguns funcionários de forma aleatória. A assessoria de imprensa da instituição informou na época que o corte se deu com respaldo legal, para não incorrer eme improbidade administrativa.
Levantamento da RBA mostra que nos últimos quatro anos – que corresponde à gestão Alckmin – a rede ganhou 14 novas unidades, sendo 11 Etec e três Fatec. O montante para investimentos na expansão da rede, porém, não seguiu o mesmo caminho: o valor orçado para obras e compra de materiais nas Etec diminuiu 16,9% entre 2011 e 2014. Nas Fatec, 5,9%, segundo dados do Sistemas de Informações Gerenciais da Execução Orçamentária (Sigeo).
No período, o orçamento para o Centro Paula Souza aumentou 47,5%, passando de R$ 1.250.534.184 para R$ 1.843.598.055. O total que de fato foi aplicado superou o que tinha sido inicialmente previsto em 6,6%. A maior variação foi nas despesas orçadas para pagamento de pessoal, que nos últimos quatro anos aumentou 67,3%.
"O orçamento aumentou e tinha de aumentar. Saímos de 99 unidades e fomos para mais de 300. Porém, a verba não aumenta na proporção necessária para manutenção, compra de equipamento e principalmente para pagamento de pessoal", avalia Silvia. De acordo com ela, a folha cresce muito não devido à valorização dos salários, mas pela contratação de mais pessoal para atender o crescimento da rede. Além disso, a rede Paula Souza tem perdido professores para a rede federal, que se expandiu no estado e paga melhor.
Apesar do aumento, o orçamento de todo o Centro Paula Souza previsto para 2014 é quase três vezes menor que o destinado para a Universidade de São Paulo (USP), e quase metade do da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Universidade Estadual Júlio de Mesquita (Unesp). “Os cursos que estão sendo abertos são na área de gestão, que não requerem equipamento. Os cursos na área industrial, por exemplo, raramente são abertos porque demandam atualização constante de equipamentos. Tudo isso faz cair a qualidade”, concluiu.
O governo paulista informa que o ensino técnico estadual vai além do Centro Paula Souza. Desde 2012 conta com o programa Vence, que oferece concomitantemente formação básica e técnica para estudantes do Ensino Médio e de Jovens e Adultos (EJA). Pelo menos 64 mil alunos já participam, em 60 diferentes cursos técnicos diferentes, o equivalente a 18% das matrículas em cursos técnicos do estado. Em agosto foram abertas mais 20 mil oportunidades.
E em 2014 foi implementado o programa Via Rápida – Educação Integral, que ofereceu 20 mil vagas em 13 cursos de diferentes áreas também para alunos do Ensino Médio.
Fonte: Apeoesp