Artigo de Carlos Lopes publicado no Hora do Povo
A candidata Dilma Rousseff, em seu programa de TV, afirmou que destinou, por lei, R$ 1,3 trilhão (um trilhão e trezentos bilhões de reais) de royalties do pré-sal para a Educação. Na ilustração exibida (ver nossa primeira página), o R$ 1,3 trilhão era referente a “educação”, “saúde”. Mas o texto do programa foi o seguinte: “Os números são astronômicos, mas pode acreditar que é isto mesmo: a previsão é que a lei renderá R$ 1,3 trilhão para a Educação no Brasil”.
Esse “pode acreditar” é o lubrificante com que eles acham que vão enfiar na cabeça das pessoas esse absurdo, pois não têm o menor respeito pela inteligência do povo.
A previsão de receita dos royalties no pré-sal, segundo a ANP, é R$ 43,74 bilhões em 2022. Incluindo o que já foi arrecadado em 2013, a estimativa para o total dos royalties do pré-sal, somando esses nove anos, é R$ 301,05 bilhões (cf. ANP, “Apresentação na Câmara dos Deputados”, 25/06/2013).
Porém, a lei aprovada destinou 75% dos royalties do pré-sal para a educação. Logo, em termos de royalties (sem contar outros recursos do petróleo), serão R$ 32,81 bilhões em 2022 – e R$ 225,77 bilhões no período 2014 a 2022.
Onde, então, Dilma achou R$ 1,3 trilhão de royalties para a Educação – mais de quatro vezes o total de nove anos de royalties do pré-sal?
Ora, leitor, no mesmo lugar onde Lacerda, o Corvo, achou a Carta Brandi – aquela falsificação que pretendia implicar João Goulart numa conspiração para instalar uma “república sindicalista” (?).
Dilma está cada dia mais parecida com Lacerda. Depois de comparar Marina a Collor – e ser repudiada até pelo PT – declarou que “eu acho a Marina uma pessoa bem intencionada”, porque acha que isso lhe proporciona o direito de continuar difamando.
Collor é um dilmista exacerbado (portanto, tem a ver com ela – e não com Marina Silva). Mas, disse Dilma, “o que eu fiz de comparação com o Jânio e o Collor é que ambos governaram sem apoio” – o que, evidentemente, não é verdade. Parece até que ela não sabe que Collor aprovou o que quis no Congresso, inclusive o confisco da poupança, e com surpreendentes simpatias – basta perguntar ao seu chefe da casa civil, Aloízio Mercadante. Não foi por “governar sem apoio” que Collor caiu, mas por ter cometido crime de responsabilidade. Não sabíamos que ela era contra um impeachment que foi dos momentos maiores da nacionalidade. No entanto, disse ela agora: “eu respeito o Collor”.
Realmente, talvez Collor – e não Lacerda – seja o seu guru. Após leiloar, em outubro passado, o maior campo petrolífero do mundo, o de Libra, para que as multinacionais entrassem no pré-sal – com uma perda para o país de R$ 347,4 bilhões, dinheiro que seria do Brasil se Libra ficasse inteiro com a Petrobrás (v. HP 25/10/2013) – ela está agora se apresentando como defensora do pré-sal.
Mas, no fundo, não existe muita diferença entre Collor e Lacerda – ou Dilma.
A quantia que atribuiu a uma lei que nunca fez – R$ 1,3 trilhão – é 80 vezes o total do que, em 2013, foi arrecadado no Brasil em royalties do petróleo, somando-se o pré-sal, o pós-sal e os poços terrestres e mais os royalties do gás natural(cf. ANP, “Anuário Estatístico Brasileiro do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis 2014”, tab 2.17).
Se o pré-sal continuasse com a mesma produção média prevista para o período 2013-2022 (o que não é verdade, pois campos de petróleo decaem depois de certo tempo de exploração), o valor citado por Dilma seria alcançado entre o ano 2050 e o ano 3000 – quando, como ensina Mr. Spock, da “Jornada nas Estrelas” – a antimatéria já terá aposentado o petróleo como fonte de energia.
Porém, ela, mais uma vez, omitiu que o projeto que enviou ao Congresso (projeto de lei nº 5.500/2013) destinava apenas R$ 25,88 bilhões em dez anos – ou, seja, misérrimos R$ 2,5 bilhões por ano – para a Educação. Um aumento, em dez anos, de 0,59% do PIB de um único ano, nas verbas da Educação (cf. Consultoria Legislativa da Câmara, “Receitas petrolíferas para as áreas de Educação e Saúde”, Brasília, julho/2013 – consultor: Paulo César Ribeiro Lima).
O projeto de Dilma foi derrotado na Câmara, que aprovou o substitutivo do deputado André Figueiredo (PDT-CE), destinando R$ 279,08 bilhões, em 10 anos, dos royalties, e outros recursos advindos do petróleo, para a Educação e Saúde (R$ 209,31 bilhões para a Educação – ou seja, mais R$ 21 bilhões por ano – e R$ 69,77 bilhões para a Saúde). O projeto aprovado pela Câmara aumentou as verbas, em relação ao projeto de Dilma, em +740% para a Educação.
Dilma desencadeou uma campanha histérica contra esse projeto. Conseguiu que o Senado reduzisse os recursos dos royalties da Educação para R$ 97,48 bilhões em dez anos. Mas não conseguiu restaurar o seu projeto – em verdade, deputados e senadores sabiam que o projeto do governo era apenas encenação.
Porém, uma vez modificado pelo Senado, o projeto tinha que voltar à Câmara. E os deputados restituíram os recursos que haviam sido reduzidos no Senado. No momento da votação, diante da derrota iminente – a terceira – o governo desistiu e o projeto original da Câmara foi aprovado definitivamente.
Essa é a lei nº 12.858, que Dilma está propagandeando como sua, aumentando, mentirosamente, os recursos que ela destina à Educação.
Mas essa mentira expôs outro lado da política da senhora Rousseff: os royalties no pré-sal são 15% do valor da produção – e 75% de 15% são 11,25%. Logo, royalties de R$ 1,3 trilhão para a Educação significariam uma produção de petróleo no valor de R$ 11,5 trilhões (ou US$ 5 trilhões).
Com o preço atual do barril, isso significaria extrair 51,5 bilhões de barris do pré-sal, ou seja, mais de três vezes o total das nossas reservas provadas atuais – incluindo o pré-sal, o pós-sal e as reservas terrestres. Ou o dobro das reservas “potenciais” que o próprio governo considera, através da PPSA, que existem no pré-sal. Ou metade das reservas mínimas estimadas no pré-sal por engenheiros e geólogos não comprometidos com as petroleiras multinacionais.
Aqui, o importante não é a irrealidade dos royalties para a Educação propalados por Dilma, ou a canalhice da fraude, mas o fato de que, com essa mentira, ela confessou qual é o seu plano para o pré-sal: tirar o máximo de petróleo possível para exportar.
Arrancar 51 bilhões de barris do pré-sal é quase acabar com o pré-sal (pois significaria, também, a decadência mais acelerada de sua produção). Só existem oito países no mundo com reservas provadas superiores a 51 bilhões de barris: Venezuela (298,3 bilhões de barris), Arábia Saudita (265,9 bilhões), Canadá (174,3 bilhões), Irã (157 bilhões), Iraque (150 bilhões), Kwait (101,5 bilhões), Emirados Árabes Unidos (97,8 bilhões) e Rússia (93 bilhões). Todos os demais países produtores têm reservas inferiores a 51 bilhões de barris, inclusive a Líbia e a Nigéria (cf. ANP, “Anuário Estatístico Brasileiro do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis 2014”, tab 1.1).
Enquanto Dilma et caterva cevam-se com esse delírio de exploração predatória, os investimentos em refinarias continuam estrangulados (ver a mensagem da presidente que Dilma colocou na Petrobrás, no “Relatório de Sustentabilidade 2013”). A mentalidade de servo colonial que no momento preside o país, é a de exportar petróleo bruto e importar gasolina. Com isso, os derivados de petróleo já são, hoje, o segundo produto em valor na pauta de exportações dos EUA. (cf. U.S. BEA, U.S. International Trade in Goods and Services, July 2014).
Nós estamos, portanto, ao modo das “banana republic” de outrora, exportando produtos primários para a metrópole imperialista e importando dela produtos industriais.
Além do rombo de US$ 53,24 bilhões na balança comercial (v. HP 05/09/2014), o governo está obrigando a Petrobrás a importar gasolina a R$ 1,72/litro e vender para a Shell e outras distribuidoras concorrentes da BR a R$ 1,42. Até fevereiro, isso já redundara num prejuízo de R$ 50 bilhões para a Petrobras no Governo Dilma – três vezes o que o governo recebeu no leilão de Libra.