Artigo de Carlos Lopes publicado no Hora do Povo
Pensamos em colocar como título desta matéria, e desta página, "O fenomenal Pronatec e suas maravilhosas máquinas voadoras".
Dirá o arguto leitor: "mas isso não tem sentido".
É verdade, leitor, isso não tem pé – e muito menos cabeça. Por isso mesmo, seria um título à altura do Pronatec, o chamado Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego, que, segundo Dilma, vai "aumentar a produtividade nas nossas empresas e a competitividade da economia brasileira".
Há poucos dias, em Minas Gerais, ela até mesmo identificou o Pronatec como sua "política industrial" – algo psicodélico para quem, há três anos e oito meses, pratica a política mais anti-industrial da História da República desde Campos Sales e seu ministro da Fazenda, o afamado Joaquim Murtinho, aquele que achava que os brasileiros eram incapazes de ter indústria própria, pois esta era uma prerrogativa de raças superiores, como a anglo-saxônica.
Dilma disse mais: "esses cursos compõem a chamada trajetória educativa na área técnica. Há um caminho de formação técnica. Nós demos a oportunidade para estas pessoas se formarem, homens e mulheres brasileiros".
Realmente, formar "Disc-jóqueis (DJs)" (curso nº 214 do Guia Pronatec, 3ª edição), "atendentes de lanchonete" (curso nº 76) ou "balconistas de farmácia" (curso nº 118) aumentará tremendamente a produtividade da empresas e a competitividade da economia…
O que Dilma está fazendo, inclusive, é desrespeitar algumas profissões dignas, usando-as para uma pantomina eleitoreira.
Todas as profissões honestas merecem respeito. Mas o Brasil não precisa de "ensino técnico" para formar "operadores de telemarketing" (curso nº 498 do Guia Pronatec), o que apenas significa que esse "ensino" não tem nada de "técnico" (e, aliás, não tem nada de "ensino").
Pois esse é o problema do Pronatec: ele é uma farsa – quase todos os seus cursos nada têm a ver com cursos técnicos.
Na tabela desta página, o leitor poderá conhecer alguns dos cursos do Pronatec, com sua descrição (segundo o próprio Pronatec) e sua carga horária. Não alteramos em uma vírgula a descrição dos cursos. Portanto, o humorismo involuntário – que faz lembrar o Festival da Besteira que Assola o País (FEBEAPÁ), registrado pelo saudoso Stanislaw Ponte Preta na época da ditadura – corre inteiramente por conta dos autores do manual do Pronatec. A única alteração que fizemos foi um grifo na descrição do curso de "alemão básico" (curso nº 44).
Nesse caso, não conseguimos evitar o destaque, diante de um curso tão original, que o cidadão, depois de fazê-lo, só pode comunicar-se (e "de modo simples") "se o interlocutor falar lenta e distintamente e se mostrar cooperante".
Como será que o sujeito vai conseguir dizer ao alemão que ele tem de "cooperar"? Será pela mímica? Mas isso mereceria outro curso, possivelmente chamado "Mímica para alemães entenderem o aluno que cursou o alemão básico do Pronatec". Aqui fica a nossa sugestão.
No entanto, Dilma disse no debate da TV Bandeirantes: "No que se refere à educação tivemos um grande salto. Vou citar o Pronatec. Oito milhões de jovens e adultos com acesso ao ensino técnico".
Ela esqueceu de acrescentar que a evasão do Pronatec, numa estimativa caridosa, vai de 45% a 60% dos matriculados, como já veremos. Mas, continuemos.
O segundo problema do Pronatec é que seu verdadeiro objetivo é formar criados para os magnatas que por aqui arribarem – ou para os novos ricos que a especulação faz aparecer de vez em quando, por curtos períodos, antes de quebrá-los implacavelmente (Eike Batista é apenas o caso mais notório desses favoritos do governo Dilma). É verdade que o governo, com o Pronatec, quer formar criados do modo mais incompetente possível – mas que o objetivo é esse, lá isso é.
Durante décadas, desde a Revolução de 30, os pobres desejaram – e vários conseguiram – formar-se em escolas técnicas e em universidades públicas. Agora, Dilma estabeleceu cursos, com dinheiro público (R$ 14 bilhões até o final de 2014, segundo anunciou), para que eles sejam "agentes de limpeza e conservação" (ou seja, faxineiros), "mensageiros em meio de hospedagem" (boys de hotel) ou "agentes de observação de segurança" (aquele sujeito que fica na porta da empresa, revistando trabalhadores e trabalhadoras na saída, para ver se eles roubaram alguma coisa, pois não se pode confiar em pobre).
Porém, indagará o leitor, por que o governo Dilma tem preferência por esses "cursos", ao invés de continuar a obra do governo Lula, que organizou cursos técnicos verdadeiros – e decentes – em instituições públicas?
O Pronatec é uma projeção da cabeça de sua criadora. Tudo ao modo de alguém que acha que não temos "capacidade de gestão" nem para administrar lojinhas em aeroportos. Por isso é que Dilma diz que esses cursos "qualificam o trabalhador". Joaquim Murtinho e Campos Sales devem estar aprovando, diretamente do Inferno, onde hoje estão dando os seus coices.
O que esses cursos fazem é desqualificar o povo. Porque a única função em que Dilma consegue ver o povo brasileiro é a de criado – de magnatas estrangeiros, mas também dos picaretas financeiros, aos quais tem estranha adstringência (Por exemplo: "Eike é o nosso padrão, a nossa expectativa e, sobretudo, o orgulho do Brasil quando se trata de um empresário do setor privado. Ele percebe os interesses do País. Merece os nossos respeitos" – Dilma Rousseff, 26/04/2012).
É notável – e mais uma prova, se fosse necessário, da inteligência nacional – que os alunos do Pronatec perceberam rapidamente qual o seu verdadeiro conteúdo.
Declarou o diretor de pós-graduação e cursos técnicos da Kroton Educacional, Paulo de Tarso, que, nas escolas da Kroton, a evasão do Pronatec vai de 45% a 60% (v. BBC Brasil, 02/09/2014). A Kroton, controlada pelo fundo norte-americano Advent International, chegou a inscrever 58 mil alunos no Pronatec em suas unidades em todo o Brasil (por exemplo: Anhanguera, Pitágoras, Universidade de Cuiabá e Uniban). Todos os alunos, evidentemente, pagos com dinheiro público. Apesar dessa alta evasão, no último dia 4 de agosto, o governo "autorizou" mais 28.104 vagas do Pronatec para a Kroton.
Alguns especialistas da área – inclusive com cargos no governo – aventaram que, se a Kroton Educacional está confessando uma evasão de até 60%, o provável é que essa evasão seja maior. Entretanto, os números da Kroton já são suficientes para avaliar o que são as "oito milhões" de matrículas do Pronatec, propalados por Dilma – tanto é assim que o governo, agora em agosto, concedeu mais vagas para a Kroton. Portanto, deve avaliar que sua taxa de evasão do Pronatec é normal…
O coordenador do Pronatec na Faculdade Sumaré, Júlio Araújo, disse, na mesma reportagem da BBC, que "nossa taxa é de quase 60% [de evasão]. Temos falado com outras instituições que têm reportado problemas semelhantes". Mas, diz Araújo, apesar disso, para as instituições privadas, o Pronatec é uma "vantagem" (sic) porque "como é o governo que paga pelos cursos, a inadimplência não é um problema".
Diante de uma declaração do MEC de que a taxa de evasão era de 12,8%, declarou outro coordenador de uma faculdade privada: "não sei como o governo está chegando nesse índice oficial, mas ele nos parece totalmente irreal" (BBC Brasil, 02/09/2014).
Portanto, em terceiro lugar (ou será em primeiro?), o Pronatec é uma forma de colocar dinheiro público em arapucas particulares, inclusive estrangeiras.
A nossa lista é apenas uma amostra. Alguns dos "cursos" foram selecionados por razões que vão além da profissão para a qual, supostamente, ele qualificaria.
Por exemplo, como será que o Pronatec forma um "domador de cavalos" em 200 horas? Lá em Vacaria, cidade gaúcha onde o autor destas linhas passou parte da infância, os domadores de cavalos praticamente nasciam domando cavalos – e, mesmo assim, havia acidentes lastimáveis. Imagine-se o que é um domador de cavalos formado em curso de 200 horas. Pior que isso, só se fosse por correspondência.
E o que dizer do "cuidador de animais silvestres" formado em 160 horas? Como sabe o leitor, o pintassilgo é um animal silvestre. Mas também a onça pintada e o jacaré de papo amarelo são animais silvestres…
Quanto ao curso de "sushiman", o Brasil – especialmente São Paulo – é rico em nordestinos que são excelentes "sushiman". Como eles aprenderam a fazer sushi? Ora, olhando os japoneses fazerem. Alguns (o nosso povo é assim) começaram como faxineiros de restaurantes e se tornaram ases da culinária japonesa. Sem curso algum, exceto aquela universidade de que falava Gorky, a universidade da vida. Mas o Pronatec pretende formar "sushimen" em 160 horas – e ainda gastar dinheiro público com isso, pagando entidades privadas, inclusive estrangeiras…
Há também aqueles casos em que selecionamos o curso pela inventividade do nome. Convenhamos que chamar faxineiro de avião de "agente de limpeza em aeronaves" é – como se dizia – dupirú.
Bem, leitores, a presidente Dilma não pode se queixar de que escolhemos como amostras apenas os "cursos rápidos", pois 72% das matrículas do Pronatec, segundo o próprio MEC, estão nesses cursos.
O que são eles, é bem exemplificado por alguns depoimentos concedidos ao HP por ex-alunos. Aqui está o de uma aluna que reside no interior do Ceará:
"Eu queria fazer ‘mecânica’ ["mecânico de automóveis leves"], um curso de 400 horas], aí me disseram que o bom para mim era costura ["auxiliar de costura", 160 horas]. Depois que eu insisti muito, consegui me matricular no curso de mecânica. Passei um mês abrindo e fechando o capô de um carro velho. Quando chegou no carburador e a enrolação continuou, aí eu desisti".
Quando será que ia chegar a vez da injeção eletrônica?