CNTE: MEC reduziu custo aluno para achatar piso do magistério

Entidade conclama professores de todo o país à greve nacional no dia 17 de março

 

A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) considerou insuficiente o reajuste do piso nacional dos professores, anunciado nesta quarta-feira, 29, e está convocando uma mobilização nacional com greve nos dias 17, 18 e 19 de março contra o achatamento. O valor a ser pago aos professores passou de R$ 1.567 para R$ 1.697, para uma jornada de 40 horas semanais. O aumento representa um reajuste de 8,32% no piso.

De acordo com a entidade, o reajuste ficou abaixo do esperado e até mesmo do que havia sido anunciado pelo próprio governo. De acordo com a CNTE, o critério utilizado pelo MEC para atualizar o piso tem como base o valor anual mínimo por aluno, o chamado custo aluno do Fundeb (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica). Segundo o anúncio do governo, o custo aluno entre 2012 e 2013 passou de R$ 1.867,15 para R$ 2.022,51, que representa 8,3%.

No entanto, esse custo aluno foi rebaixado pelo Ministério da Educação. Conforme a Portaria Interministerial nº 4, de 7 de maio de 2013, “Art. 2º O valor anual mínimo nacional por aluno, na forma prevista no art. 4º, §§ 1º e 2º, e no art. 15, inciso IV, da Lei nº 11.494, de 2007, fica definido em R$ 2.221,73 (dois mil, duzentos e vinte e um reais e setenta e três centavos), para o exercício de 2013”. Com isso, o reajuste em relação a 2012, ficaria em 19%. O valor foi reduzido através da Portaria nº 16, em 17 de dezembro de 2013, rebaixando o custo aluno para R$ 2.022,51.

No início do ano, a Confederação questionou a redução, em audiência com o Ministro da Educação, Aloísio Mercadante, ressaltando ainda que os recursos já depositados nas contas do Fundeb, de estados e municípios, dão conta de um percentual maior.

“Pelos dados da Receita Federal, já foram repassados R$ 117 bilhões e o percentual que ficou para nós corresponde a R$ 111 bilhões. As contas não batem e a categoria ficou revoltada porque isso joga contra o princípio da valorização do professor”, critica Roberto Leão, presidente da CNTE. Em março, ressalta “vamos nos manifestar contra esse baixo aumento que o governo federal deu ao piso nacional do magistério”, ressalta.

A definição do custo aluno é feita pelo Ministério da Educação, e é alterado através das portarias. Desde 2008, já foram expedidas até novembro de 2013, 20 portarias alterando o valor aluno, uma média de 4 portarias por ano. Não estranhamente, num momento em que se só se fala em corte de gastos e superávit primário, o valor é reduzido e, consequentemente, o reajuste do piso. Isso num momento em que se debate em toda a sociedade a urgente necessidade de se elevar os investimentos na educação pública.

Para o Secretário de Relações Internacionais da CUT, João Felício, mesmo se cumprida a Lei do Piso e os critérios de atualização, o valor ainda é muito baixo. “Nenhum país consegue se desenvolver sem uma qualidade de ensino e sem professor qualificado, bem formado e com salário digno” afirma, ressaltando que o Brasil “não criará cientistas, pesquisadores, gente que representa a base do desenvolvimento”, caso não haja “aumento considerável de recursos, valorização da categoria e aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE)”.

A mobilização pela aprovação do PNE também foi uma das bandeiras aprovadas no Congresso da CNTE, realizado no início do mês, e que será levada às ruas em março. “O projeto que queremos é o que estava na Câmara e traz conquistas fundamentais como 10% do PIB para a educação pública. Ao tirar o termo “pública” do texto, o Senado contribui para outras interpretações”, de acordo com os interesses de cada governo”, afirma Leão.

 

Presidente da Confederação Nacional de Municípios:

“Temos que nos unir aos professores para cobrar participação da União”

 

Apesar do baixíssimo piso para o professor, atualizado em R$ 1.697, os estados e municípios vêm enfrentando uma enorme pressão por parte do governo federal, para que este cumpra as suas metas de pagamento aos bancos.

Com isso, os prefeitos e governadores apresentam grandes dificuldades em garantir o pagamento do piso, e cobram uma maior participação da União no cumprimento da lei.

De acordo com a Confederação Nacional de Municípios, para o reajuste de 8,32%, haverá aumento de R$ 4,151 bilhões no pagamento do magistério. Com isso, a média do comprometimento das receitas do Fundeb com salários dos professores irá para 79,7%. Para mais de mil municípios, esse valor chega a requerer até mesmo 100% dos recursos repassados pelo Fundeb. O presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, lembra que, garantido o salário, “como é que fica a cadeia que envolve construção e conservação de escolas, bibliotecas, transporte e pagamento de outros profissionais”.

Segundo o site do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) é “formado, na quase totalidade, por recursos provenientes dos impostos e transferências dos estados, Distrito Federal e municípios, vinculados à educação por força do disposto no art. 212 da Constituição Federal. Além desses recursos, ainda compõe o Fundeb, a título de complementação, uma parcela de recursos federais, sempre que, no âmbito de cada Estado, seu valor por aluno não alcançar o mínimo definido nacionalmente”.

A União faz a complementação em apenas nove estados, Amazonas, Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Paraíba, Pernambuco e Piauí. Segundo Ziulkoski, os repasses deveriam ser maiores e feitos a todo o país. A presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Cleuza Repulho, diz que a situação é preocupante. “O professor tem direito ao reajuste do piso, mas voltamos à preocupação da participação de estados, municípios e União [nos gastos com educação]”.

A assistência financeira da União destinada ao piso salarial também é restrita aos nove Estado citados. Ziulkoski avalia que “essa situação concorre para que dezoito Estados fiquem sem receber da União a ajuda financeira para o pagamento dos professores, e têm de, sozinhos, cumprir o piso salarial nacional do magistério”. “Este ano (2013) os Municípios fecharão em R$ 207 bilhões os gastos com pessoal e 24,2% deste total é só com o magistério”, diz e ressalta: “E a União não complementa nada. Nem um centavo”.

“Para cada real investido em Educação, 41 centavos vem dos estados, 39 dos municípios e somente 25 centavos vem da União”, afirmou Márcia Viana, diretora de Comunicação da Undime. Ziulkoski classificou a complementação da União como “fictícia”. “A briga dos educadores não deve ser com os prefeitos. Temos que unir os prefeitos e professores e vir à Brasília cobrar maior participação da União na Educação”, disse.

 

Fonte: Hora do Povo

Professores do Estado de SP relatam situação ‘humilhante’ para pegar aulas

Poderia ser dia de festa na escola: o pátio interno está cheio, há cartazes, quase não é possível ouvir o que se diz ao microfone e a cantina está a todo vapor. “Não tem mais água para comprar”, diz uma pessoa ao meu lado, enquanto outra passa com um prato de comida.

Apesar da agitação, não são alunos, mas professores temporários da rede estadual que ocupam de pé ou sentados o pátio de uma escola no Conjunto Habitacional José Bonifácio, na zona leste de São Paulo, e não há muito o que comemorar. A longa espera e o caos marcam o dia de atribuição de aulas –quando professores escolhem as classes e escolas onde irão dar aulas naquele ano letivo. A reportagem do UOL acompanhou das 15h às 20h a atribuição de docentes temporários no dia 23 de janeiro.

Neste ano, a atribuição dos temporários começou com duas horas de atraso na DRE (Diretoria Regional de Ensino) Leste 3, que abrange 81 escolas da cidade de São Paulo. “Eu acho uma situação meio humilhante”, diz um professor que não se quis se identificar sentado em uma mureta do lado de fora do pátio. “Eles não se importam nem com o cumprimento dos horários”, afirma o docente de química de 27 anos, que é temporário desde 2009.

“É uma humilhação. Eu me formei em 2008, já fiz duas pós-graduações e sou tratada dessa forma”, afirma Thaís Alves, 28, professora de português que chegou antes das 15h e só conseguiu sair da escola com a relação das suas turmas mais de quatro horas depois.

 

Hora da chamada

Pelo microfone, uma representante da DRE chama os professores de acordo com a colocação em um prova classificatória – a lista está colada em uma das paredes do pátio da escola. “A gente não consegue ouvir direito quando é chamado e corremos o risco de perder a vez. Até o ano passado, a minha estratégia era saber quem eram os professores antes de mim. Quando chamavam o nome deles, eu já ficava posicionada”, diz Ellen Fernandes, 29, professora de ciências e biologia.

Ao todo, 957 professores do ensino fundamental 1 (até o 5º ano) e 1.268 do fundamental 2 e ensino médio são candidatos a vagas em escolas da DRE Leste 3. Independentemente da nota que tiraram na prova (que não é eliminatória), todos poderão assumir aulas se houver salas sem docentes.

Os primeiros colocados têm mais “sorte”, especialmente em matérias como português, inglês e educação física (as mais disputadas). “Você chega e espera horas sem saber se vai sair daqui com ou sem aula”, diz Izabel de Souza, 28, professora de português. Quem não consegue turmas fixas, tem que fazer substituições ou ser auxiliar de reforço. Os temporários só recebem pelas aulas dadas no mês.

 

Tabela no quadro negro

Quem enfim é chamado e deixa o pátio lotado, precisa subir uma rampa, apresentar os documentos que comprovem a sua formação e entrar em uma das salas, de acordo com a disciplina que está apto a ministrar.

Na sala, todas as escolas e turmas estão listadas em uma grande tabela no quadro negro. A cada escolha, um pedaço da tabela, escrita a giz, é apagado.

O método, responsável pela demora e desorganização, é usado desde 1998 na rede.

Para os professores, a distribuição das aulas poderia ser feita pela internet ou dividida em vários dias, de acordo com as disciplinas disponíveis.

“Sei que vocês estão cansados, mas peço um pouco de paciência”, diz uma representante da DRE ao microfone. Entre um nome e outro, começa a chover e o local fica sem luz por poucos minutos. Por volta das 19h, não há mais salgados na cantina.

Naquele dia, foram chamados 600 temporários que queriam trabalhar na região para atribuir aulas, os mais bem classificados chegaram antes das 15h e saíram por volta das 19h30. Outros docentes só conseguiram deixar a escola por volta da meia-noite.  No segundo dia de escolha são chamados os estudantes da graduação e os profissionais que ocupam as últimas posições na prova classificatória.

“Passar por tudo isso e chegar com um sorriso no rosto na segunda-feira é para poucos”, disse uma professora. As aulas na rede começaram na segunda (27) e até essa quarta-feira (29) alguns temporários que já tiveram suas aulas designadas ainda não tinham entrado em sala de aula porque aguardavam a assinatura do contrato.

 

Posicionamento

A Apeoesp (sindicato dos professores de SP) diz que já pediu ao Estado mudanças nos processos de atribuições de aulas.

Sobre os temporários, a Secretaria da Educação diz que objetivo é ampliar o quadro de professores efetivos na rede. “Dessa forma, haverá uma substituição gradual de temporários por efetivos sem, no entanto, extinguir a figura desse profissional (ele é necessário em uma rede do tamanho de SP para suprir as faltas como licenças-saúde e prêmio, faltas médicas, justificadas, injustificadas e abonadas). Esses temporários ficarão à disposição a Diretoria de Ensino e poderão atribuir aulas em outras unidades, assim que surgir demanda”.

A pasta diz ainda que estuda, em breve, informatizar o sistema de atribuição de aulas. A secretaria não informou quantos temporários fazem parte da rede no ano letivo de 2014. De acordo com órgão, os 20 mil professores convocados no último concurso da rede devem começar a dar aulas em março deste ano. Leia a nota da secretaria enviada após a publicação da reportagem.

 

Fonte: UOL Educação

CINEMA NO BIXIGA – Sinopse do próximo filme: Jacob, O Mentiroso

Neste sábado, 01/02, o Cinema no Bixiga apresenta o filme “Jacob, O Mentiroso”. O filme inicia às 17 horas, no Cine-Teatro Denoy de Oliveira, na Rua Rui Barbosa, 323, Bela Vista. Entrada franca! 

 

JACOB, O MENTIROSO

Frank Beyer (1974), com Vlastimil Brodský, Erwin Geschonneck, Manuela Simon, Henry Hübchen, RDA, 100 min.

 

Sinopse

Na Polônia, durante a 2ª. Guerra Mundial, Jacob Heym é preso por um guarda alemão por estar na rua após o toque de recolher. Na delegacia, ao procurar pelo guarda de plantão, a quem deveria se apresentar, Jacob acidentalmente escuta notícias, veiculadas por um rádio, sobre combates entre as tropas alemãs e o Exército Vermelho, em território polonês. De volta ao gueto, trabalhando na estação de cargas junto com outros moradores, nosso herói consegue demover seu faminto colega Mischa de realizar um roubo de batatas, crime punido com a morte nos guetos, contando que mantém secretamente um rádio onde ouve diariamente as notícias sobre o avanço das tropas libertadoras. Não demora para que a notícia se espalhe e o gueto passe a viver das esperanças acesas pelos relatos colhidos no rádio imaginário de Jacob.

 

Direção: Frank Beyer (1932-2006)

Paul Frank Beyer nasceu em Turingia, Alemanha, estudou teatro na Universidade de Humbolt, transferindo-se depois para a cidade de Praga, onde cursou a FAMU (Escola de Cinema da Academia de Artes Cênicas). Graduou-se em 1957 como diretor de cinema, com o filme “Zwei Mutter” (“Duas Mães”). Desde 1958 trabalhou na DEFA (Deutsche Film Aktiengesellschaft), empresa cinematográfica da RDA. Dirigiu “Cinco Cartuchos” (1960), “Amor Invencível” (1962), “Nu Entre Lobos” (1963), “Carbide e Sorrel” (1964), “Traço de Pedras” (1965). A interdição deste último pela censura forçou Beyer a concentrar-se em trabalhos para televisão e teatro. Retornou às telonas, em 1974, com “Jacob, o Mentiroso”, ganhador do Urso de Prata no Festival de Berlim (1975). Dirigiu também “A Estadia” (1982), “A Violação” (1989), entre outros.

De 1946 a 1990, a DEFA produziu cerca de 950 filmes, 820 animações, 5800 documentários e cine-jornais. Com a anexação da Alemanha Oriental, a empresa foi dissolvida, seus estúdios foram adquiridos pelo conglomerado Vivendi-Universal e o catálogo de filmes pela Progress Film-Verleih Gmbri. Fora da DEFA, Frank Beyer voltou à televisão e conseguiu realizar apenas um filme para cinema: “A Suspeita” (1991).

 

Argumento Original: Jurek Becker (1937-1997)

Nascido na Polônia, Jurek Becker cresceu em guetos e campos de concentração. Com a libertação, reencontrou o pai e juntos foram viver em Berlim Oriental. Estudou Filosofia na Universidade Humboldt, foi membro do Partido Socialista Unificado e serviu dois anos como voluntário na Polícia Popular. Trabalhou como escritor e roteirista na DEFA. Criou os argumentos de “Ohne Paß in Fremden Betten” (Vladimir Brebera, 1965), “Meine Stunde Null” (Joachim Hasler, 1970), “Jacob, o Mentiroso” e “Das Versteck” (Frank Beyer, 1975 e 1978). No final dos anos 70, mudou-se para o oeste de Berlim, mas manteve a cidadania alemã oriental. Escreveu também as histórias de “David” (Peter Lilienthal, 1979) e “Crianças de Bronstein” (Jerzy Kawalerowick, 1991).

 

Música Original: Joachim Werzlau (1913-2001)

Filho de músico de orquestra, Joachim Werzlau desde jovem estudou piano e violino com o pai. Aos 15 anos, empregou-se na tradicional fábrica de pianos Blüthner, em sua cidade natal, Leipzig.

Em 1945, Werzlau ganha a vida como pianista em cinemas e escolas de dança e atua na Aliança Cultural para a Renovação Democrática da Alemanha. Entre 1949 e 1952, trabalha como crítico musical e compositor em rádios de Berlim. Daí transferiu-se para a DEFA, escrevendo as trilhas de dezenas de filmes, desde obras infantis, “Os Encrenqueiros” (Wolfgang Schleif, 1953), “Tinko” (Herbert Ballmann, 1957), a parcerias com os diretores Konrad Lobo – “Recuperação” (1956), “Lissy” (1958) – e Frank Beyer – “Duas Mães” (1957), “Amor Invencível” (1962), “Nu Entre Lobos” (1963), “Carbide e Sorrel” (1964), “Jacob, o Mentiroso” (1975). Entre suas criações figuram as óperas “Regina” e “Mestre Rockle”, composições para orquestra, violino, esboços para piano e canções muito populares na Alemanha, como “Porque Somos Jovens” (1949).

 

UNE publica nota de repúdio ao cancelamento da CONAE 2014

Veja abaixo, nota de repúdio publicada pela União Nacional dos Estudantes (UNE) sobre a decisão do Ministério da Educação de adiar a Conferência Nacional de Educação, que foi reagendada para ocorrer entre os dias 17 e 21 novembro:

 

Cancelamento da CONAE, pelo MEC, está na contramão das lutas das ruas e do movimento educacional brasileiro.

 

Na contramão das mobilizações que sacodem a política do país desde junho passado e que clamam, dentre outras coisas, por mais participação e abertura na formulação de políticas públicas, o Ministério da Educação – MEC decide cancelar a II Conferência Nacional de Educação – CONAE, que seria realizada nos dias 17 a 21 de fevereiro de 2014, forçando o Fórum Nacional de Educação (FNE) a fazer uma reconvocação da Conferência para a data de 19 a 23 de novembro, ainda deste ano.

Desde 2010, com a realização da I CONAE e com a criação do Fórum Nacional de Educação (FNE) – órgão responsável por juntar governo e sociedade civil para a construção de políticas educacionais e, também, por realizar a 2ª conferência – a decisão unilateral, autoritária e injustificável do MEC de cancelar o evento em fevereiro demonstra como esse Ministério não incorporou os eixos que dão base ao próprio tema da conferência: sendo central a participação popular – “O PNE na Articulação do Sistema Nacional de Educação: participação popular, cooperação federativa e regime de colaboração”. Com isso, demonstra o desrespeito com todos os mais de 4 mil delegados e delegadas e os fóruns organizadores das etapas municipais, intermunicipais, estaduais e distrital que com todo o esforço cumpriram e realizaram suas etapas preparatórias para a Conferência Nacional.

Por motivos insuficientes e a falta de documentos que os comprovam, o MEC demonstrou que não teve habilidade e comprometimento de buscar estrutura suficiente para realizar a etapa nacional de uma das principais conferências do país, sendo a educação uma agenda considerada prioritária pela presidenta Dilma. É uma evidente manobra na defesa de seus interesses na aprovação da proposta de PNE aprovada no Senado, francamente em desacordo com as deliberações da I CONAE e que, sem dúvidas, seriam reforçadas nessa II CONAE.

Não por acaso, o adiamento da conferência se dá em momento decisivo da tramitação do Plano Nacional de Educação – PNE no Congresso Nacional, hoje estando em sua etapa final de votação na Câmara dos Deputados.

Tendo apenas duas escolhas: o projeto do Senado (escancaradamente defendido pelo MEC e Governo) e o projeto da Câmara (próximo das deliberações da CONAE 2010 e defendido pela ampla maioria dos movimentos educacionais), o adiamento da Conferência demonstra uma manobra política e deflagra a orientação do governo de restringir a sua função estratégica na garantia do direito público à educação em benefício do setor privado. Um governo democrático e popular não pode adotar uma postura supostamente pragmática frente à correlação de forças existentes entre o setor público e privado. O Brasil exige educação pública, gratuita, laica, com qualidade social.

Se os deputados federais seguirem a orientação danosa do Governo, e optarem pelo texto do Senado Federal em detrimento daquele melhor, aprovado na Câmara dos Deputados, o Estado brasileiro ficará desresponsabilizado de expandir matrículas públicas na educação técnica de nível médio e superior. O Governo Federal também ficará desresponsabilizado de cumprir com a Constituição Federal e apoiar Estados e Municípios para que estes atinjam um padrão mínimo de qualidade na Educação Básica, por meio do Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi). O CAQi é o melhor caminho para a valorização dos profissionais da educação e adequação da infraestrutura das escolas aos jovens.

Como se fosse pouco, o PNE do Senado fragiliza drasticamente o princípio de que o investimento público seja na educação pública, cedendo à sede dos interesses mercantis, ao tirar a palavra “pública” do texto que estabelece a meta de “10% do PIB pra educação pública”, bandeira histórica defendida pelos sindicatos, movimentos estudantil e educacional brasileiro.

Haja vista a postura do MEC, já combatida com ampla mobilização pela UNE, nos casos recentes da falência das faculdades privadas do Rio de Janeiro, Gama Filho e UniverCidade, em que mais de 10 mil estudante encontram-se sem perspectivas de terminar seus estudos e milhares de trabalhadoras e trabalhadores da educação que estão desempregados, vemos o quão frágil é o controle exercido pelo governo sobre a oferta de ensino superior no país e mais frágil ainda, o controle sobre o setor privado que recebe recursos do próprio governo oriundos de programas de financiamento estudantil, como o Fies, e políticas como o PROUNI.

Por fim, acreditamos e construiremos com mais forças, a unidade do movimento educacional do país na centralidade da disputa da votação do PNE na e da Câmara dos Deputados. Desde já fazemos o chamado a todas e todos estudantes brasileiros para ocuparmos o Congresso Nacional na votação do plano.

Será, mais uma vez, através das nossas mobilizações, forças e de um sonho conjunto, que conquistaremos a criação do Sistema Nacional de Educação e um PNE que represente e dê respostas aos anseios da juventude do país, que conclama a garantia do seu direito social de ter acesso à educação pública de qualidade em todas etapas, níveis e modalidades!

#ocupaOcongresso

#10%doPIBParaEducaçãoPública

#investimentoPúblicoParaEducaçãoPública

#peloPNEdaCâmara

 

 União Nacional dos Estudantes

30 de janeiro de 2014.

FNE: texto do Senado para o Plano Nacional de Educação é privatista, segregacionista e não contribui para fortalecer o sistema nacional de educação.

Veja abaixo, nota pública do Fórum Nacional de Educação (FNE) enviada à Câmara dos Deputados em defesa dos conteúdos do Documento Final da CONAE 2010 no Projeto de Lei do novo Plano Nacional de Educação em etapa terminativa de tramitação no congresso:

 

Brasília, 24 de janeiro de 2014.

Diante da última etapa de tramitação do Projeto de Lei 8035/2010, que trata do novo Plano Nacional de Educação (PNE) no Congresso Nacional, o Fórum Nacional de Educação (FNE), cumprindo seu papel profícuo de monitorar a efetividade das deliberações da CONAE-2010, entende que o Substitutivo do Senado Federal à matéria se contrapõe às proposições centrais desta conferência, dedicada, entre outras tarefas, a determinar diretrizes para o próximo plano. A proposta que retorna à Câmara dos Deputados é privatista, segregacionista e não contribui para fortalecer o sistema nacional de educação.

O FNE considera que o texto do Senado Federal representa um retrocesso em relação ao debate realizado no contexto da discussão do PL nº 8035 de 2010, que resultou no Substitutivo do Deputado Angelo Vanhoni (PT-PR) à proposta original de PNE, encaminhada ao Congresso Nacional pelo Poder Executivo Federal em dezembro de 2010.

Considera ainda que, para a etapa terminativa de tramitação do PNE na Câmara dos Deputados, no que concerne à Meta 4 (Educação Especial), tanto as versões da Câmara dos Deputados quanto do Senado desrespeitam convenções e tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário e infringem o direito constitucional à educação inclusiva de todos os brasileiros e brasileiras.

O FNE reitera a necessidade de respeito ao direito da sociedade civil, garantido constitucionalmente, à participação democrática na discussão sobre o referido Projeto Lei, alertando aos Deputados e Deputadas Federais a necessidade de optarem pelo texto da Câmara, em detrimento do substitutivo do Senado, especialmente, em relação aos temas:

• retomar o prazo de alfabetização de crianças até, no máximo, os oito anos de idade ou o terceiro ano do ensino fundamental (Meta 5);• efetivar o compromisso do poder público com a ampliação de matrícula pública tanto na educação técnica profissional de nível médio (Meta 11) quanto na educação superior (Meta 12);

• retomar o princípio do investimento público em educação pública (Meta 20);

• assegurar a implementação do Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi) no prazo de dois anos após a aprovação do PNE, garantindo a complementação, com recursos financeiros da União, aos Estados e Municípios que não atingirem o valor do CAQi e, posteriormente, do Custo Aluno-Qualidade (CAQ) (Estratégias à Meta 20);

• consagrar o papel da sociedade civil, representada no Fórum Nacional de Educação, frente às conferências municipais, estaduais, distrital e nacional.

Por fim, o FNE reafirma sua preocupação com o prazo de aprovação do PNE, entendendo que a sociedade brasileira já aguarda, desde dezembro de 2010, um encaminhamento coerente desta casa legislativa para esta pauta. Resguardada a importância do debate da matéria, entendemos que é fundamental que o PNE seja votado imediatamente.

Assinam:

Coordenador Nacional do Fórum Nacional de Educação – FNE

 

Entidades presentes:

1. Associação Brasileira dos Reitores das Universidades Estaduais e Municipais

(Abruem);

2. Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC);

3. Confederação Nacional da Indústria (CNI);

4. Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE);

5. Confederação Nacional das Associações de Pais e Alunos (Confenapa);

6. Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen)

7. Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional,

Científica e Tecnológica (Conif);

8. Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino

(Contee);

9. Central Única dos Trabalhadores (CUT);

10.Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd);

11.Federação de sindicatos de trabalhadores de Universidades Brasileiras (Fasubra);

12.Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais de Educação (FNCE);13.Comissão Assessora de Diversidade para Assuntos relacionados aos

Afrodescentes (Cadara);

14.Campanha Nacional pelo Direito à Educação;

15.Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag);

16.União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação (Uncme);

17.União Nacional dos Estudantes (Une);

18.Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais

(ABGLT);

19.Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino (Sase/MEC);

20.Secretaria de Educação Básica (SEB/MEC);

21. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão

(Secadi/MEC);

22.Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica 9Setec/MEC);

23. Secretaria Executiva Adjunta (SEA/MEC).

Família Genoino: “Vitória dos que não se calam diante das injustiças”

Veja abaixo mensagem de agradecimento da família de José Genoino pelo apoio de milhares de pessoas que contribuíram com a arrecadação para quitar a multa imposta ao ex-deputado pelo Supremo Tribunal Federal (STF):

 

 

Fonte: Viomundo

Escola estadual de SP faz rodízio de alunos por falta de carteiras

Secretaria diz que escola na Zona Leste receberá carteiras nesta quarta. Mãe reclama da falta de professores; secretaria diz que problema é pontual.

 

A Escola Estadual Jardim Sapopemba, na Zona Leste da capital paulista, implantou um rodízio de alunos por falta de carteiras, como mostrou o Bom Dia São Paulo, nesta quarta-feira (29). A secretaria informou que as carteiras serão entregues ainda nesta quarta e que as aulas perdidas serão repostas.

Para acomodar os estudantes, a escola avisou que nesta semana os alunos deveriam frequentar as aulas em dias alternados. Algumas turmas iriam na terça e quinta e outras na quarta e sexta. O período letivo nesta escola também ficou mais curto. Os alunos da manhã que deveriam sair às 12h20 estão sendo dispensados às 10h40.

Na segunda-feira (27), o Bom Dia São Paulo já tinha mostrado um problema de falta de professores na rede estadual. Embora a secretaria de Educação tenha informado que o problema era pontual, pais procuraram a reportagem do Bom Dia São Paulo para reclamar da falta de professores.

Na terça-feira, uma mãe afirmou ter recebido um telefonema da Escola Estadual Deputado Pedro Costa, na Vila Mazzei, na região da Parada Inglesa, na Zona Norte, para avisar que o filho não teria aula. A Secretaria do Estado da Educação de São Paulo afirmou que as escolas têm professores substitutos e que as crianças não ficariam sem aula. “Em todas as escolas nossas [da diretoria Centro], nós temos ou professores com aulas regularmente atribuídas e temos professores substitutos”, afirmou Maria de Fátima Lopes, dirigente de ensino da Secretaria do Estado de Educação de São Paulo.

Nesta quarta, a equipe acompanhou uma mãe na Escola Alfredo Ashcar, no Jardim Tietê, na Zona Leste de São Paulo, onde encontrou listas que mostravam que, das 16 classes da tarde, cinco não tinham o nome do professor indicado. A equipe foi informada por uma funcionária da escola que as crianças poderiam ir, mas não teriam aulas.

A Subsecretária da Secretaria de Educação do Estado, Rosania Morroni, afirmou que a falta de carteiras é pontual. “É lamentável esse atraso. Estamos verificando, apurando responsabilidades junto à Fundação para o Desenvolvimento da Educação, responsável pela distribuição das carteiras. Hoje as carteiras serão entregues nessa escola e as aulas não dadas serão repostas”, garantiu.

A subsecretária negou haver falta de professores. “Não está faltando professor. A diretoria de ensino está realocando no seu cadastro os professores substitutos de uma escola para outra e no seu cadastro reserva, mas não temos falta de professor”, afirmou.

No caso da Escola Alfredo Ashcar, ela disse que os professores às vezes faltam por problemas pessoais e que isso é amparado pela legislação. “Cabe a nós colocarmos professores substitutos no lugar do professor que faltou pontualmente”, disse.

 

Clique abaixo e veja a reportagem do programa Bom Dia São Paulo:

 

 

Fonte: APEOESP e Globo.com

Brasil não deve cumprir meta contra analfabetismo

O Brasil tem 13,9 milhões de analfabetos adultos, segundo levantamento feito entre 2005 e 2011 pela Unesco, no Relatório de Monitoramento Global de Educação para Todos, que será divulgado nesta quarta-feira, 29. O número é maior do que a população de São Paulo, 11,8 milhões, e de todo o Estado do Rio Grande do Sul, 11,1 milhões. O País está entre os dez que concentram a maior parte (72%, no total) do número de analfabetos adultos do mundo, que é de 774 milhões, junto com Índia, China, Paquistão, Bangladesh, Nigéria, Etiópia e Egito.

“Esse indicador mostra a parte, mas não o todo. Além de ter uma herança de analfabetos, o sistema educacional brasileiro tem produzido ainda mais analfabetos”, afirma a pesquisadora em Educação da USP e doutora em Educação por Harvard, Paula Louzano. “Oito por cento das pessoas que têm ensino médio completo podem ser consideradas analfabetos funcionais, segundo o último relatório do Inaf (indicador de analfabetismo funcional).”

Para Daniel Cara, coordenador da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação, o alto número de analfabetos no País influencia as gerações seguintes. “Em uma família em que um membro é analfabeto, há um contexto menos favorável à educação dos filhos”, afirma. No entanto, para Priscila Cruz, do Todos pela Educação, resolver o problema do analfabetismo entre adultos não é tarefa fácil. “É preciso admitir que é uma área muito difícil de se conseguir resultados, pois não existe uma lei que obrigue o adulto a frequentar a escola.”

Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2012 mostram que, no segundo ano do governo Dilma Rousseff, a taxa de analfabetismo da população com 15 anos ou mais parou de cair. Em 2011, era de 8,6%. Chegou a 8,7% em 2012, mais longe de cumprir a meta firmada na ONU de 6,7% até 2015.

Segundo a Declaração de Dacar “Educação para Todos”, elaborada pela Cúpula Mundial da Educação em 2000 e que compõe os objetivos do Relatório da Unesco, os países deveriam reduzir o analfabetismo em pelo menos 50% até 2015. “O Brasil também não vai atingir essa meta”, afirma a coordenadora de Educação da Unesco no Brasil, Maria Rebeca Otero Gomes. Ela afirma que o País precisa observar se os recursos para a educação estão de fato sendo bem empregados. “Além da redução no analfabetismo, o Brasil precisa alcançar uma melhor qualidade de ensino e corrigir as distorções idade/série.”

Mundo

O cenário da educação em todo o mundo até o ano que vem, quando expira o prazo estabelecido pela Convenção, não é positivo. Nenhuma das metas globais do documento serão atingidas até 2015, segundo o relatório. De acordo com os dados, 57 milhões de crianças estão deixando de aprender simplesmente por não estarem na escola. Além da falta de acesso, a falta de qualidade é o que mais compromete a aprendizagem. Para alcançar os objetivos estabelecidos, que vão desde a universalização do ensino primário (1.º ao 5.º ano do ensino fundamental) à redução dos níveis de analfabetismo dos adultos, o documento pede aos governos que redobrem os esforços para todos os que enfrentam desvantagens – seja por pobreza, gênero, local de residência ou outros fatores.

O Brasil, porém, é citado como exemplo quando comparado com outros países, por ter receitas fiscais mais elevadas, que ajudam a explicar como investe dez vezes mais do que a Índia, por criança, na educação primária, por exemplo. A prioridade a escolas da área rural, e com maior ênfase dada a grupos indígenas altamente marginalizados, foi citada no documento como experiência que tem resultado em melhora nos números da educação, assim como as reformas que melhoraram as taxas de matrícula e aprendizagem na Região Norte. O relatório também afirma que bônus coletivos a escolas, como os que existem no Brasil, que recompensam as instituições de ensino, podem ser uma forma eficiente de melhorar os resultados da aprendizagem. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

 

Fonte: Uol Educação

O neoliberalismo nos EUA: pobreza, racismo e campos de concentração

PARTE 1

 

A política social do neoliberalismo, tal como levada à prática nos Estados Unidos, é a cadeia para os pobres e/ou negros, como constatam os dados dos sociólogos franceses Pierre Bourdieu e Loïc Wacquant, que destacamos no artigo abaixo

 

CARLOS LOPES

 

Em meio a uma pesquisa sobre a situação e o movimento dos negros, um grande amigo, o maestro Marcus Vinícius de Andrade, fez uma sugestão – ao enviar-nos um texto dos sociólogos franceses Pierre Bourdieu e Loïc Wacquant – que resultou num caminho especialmente, ainda que inesperadamente, fértil.

O “inesperadamente” da frase anterior vai por conta do seguinte: não sou um admirador dos acadêmicos franceses, devido a tipos como Deleuze, Derrida – e, claro, Foucault, que já era alucinadamente reacionário muito antes de exibir, em 1979, seu deslumbramento com o neoliberalismo (por falar nisso, eis uma pérola dessa época: “Não se trata de deduzir todo esse conjunto de práticas do que seria a essência do Estado em si mesma e por si mesma. É preciso renunciar a tal análise, primeiro, simplesmente porque a história não é uma ciência dedutiva, segundo, por outra razão mais importante, sem dúvida, e mais grave: é que o Estado não tem essência. (…) O Estado nada mais é que o efeito, o perfil, o recorte móvel de uma perpétua estatização, ou de perpétuas estatizações (…). O Estado não é nada mais que o efeito móvel de um regime de governamentalidades múltiplas.” [M. Foucault, aula de 31/01/1979 no College de France, in “Nascimento da Biopolítica“, trad. Eduardo Brandão, Martins Fontes, S. Paulo, 2008, p. 105 e p. 106]).

No entanto, o texto de Bourdieu e Wacquant nada tem a ver com esse estéril rococó mental. O leitor poderá comprová-lo, pois iremos publicá-lo – talvez de forma condensada – em uma de nossas próximas edições.

Só não o fazemos hoje pela necessidade, a nosso ver, de propiciar aos nossos leitores um quadro mais amplo que permita um melhor entendimento das questões abordadas por Bourdieu e Wacquant.

Assim, recorremos ao livro de um deles, Loïc Wacquant, “Punir os Pobres: o governo neoliberal da insegurança social” (por sugestão do próprio autor em seu site, usamos a edição norte-americana – “Punishing the Poor: The Neoliberal Government of Social Insecurity“, Duke University Press Books, Durham and London, 2009 – porque Wacquant desautorizou a versão do livro publicada, “contra minha expressa vontade”, na França em 2004; existe uma tradução brasileira – aliás, existem duas, ambas publicadas pela Revan).

 

CHICAGO

Loïc Wacquant é um caso, talvez, raro. Em uma entrevista, conta ele como, depois de obter “uma bolsa de quatro anos para meu doutorado na Universidade de Chicago (…) ao chegar à cidade de Upton Sinclair (…) vi-me confrontado com o quotidiano da realidade do gueto de Chicago. Habitava nas imediações do bairro negro e pobre de Woodlawn e era um choque terrível ter sob a minha janela aquela paisagem urbana quase lunar, inverossímil de ruína, de miséria, de violência, com uma separação totalmente hermética entre o mundo branco, próspero e privilegiado da universidade e os bairros negros ao abandono em volta (o campus de Hyde Park está rodeado em três lados pelo gueto de South Side e, no quarto, pelo lago Michigan). Isso questionava-me profundamente no dia a dia” – v. Etnográfica vol. 12 (2) (2008), entrevista à Susana Durão.

Na procura por compreender o que acontecera na história dos negros norte-americanos após o movimento de direitos civis na década de 60, Wacquant, inevitavelmente, confrontou-se com “a expansão espantosa do Estado penal ao longo dos três últimos decênios do século. Entre 1975 e 2000, os Estados Unidos multiplicaram por cinco a sua população sob registro prisional para se tornarem o líder mundial da encarceração, com 2 milhões de detidos – coisa que eu ignorava então (…) como todos os sociólogos que trabalhavam com raça e classe na América.

Como se explica esta hiperinflação carcerária? A primeira resposta, a da ideologia dominante e da investigação oficial, é dizer que ela está ligada ao crime. Mas a curva da criminalidade estagnou, entre 1973 e 1993, antes de cair fortemente, no preciso momento em que o aprisionamento levantava voo.

Segundo mistério: enquanto a proporção de negros em cada ‘coorte’ de criminosos foi diminuindo durante vinte anos, a sua parte na população carcerária não cessou de aumentar. Para resolver estes dois enigmas, é necessário (…) repensar a prisão como uma instituição política, uma componente central do Estado. Descobre-se então que o surgimento do Estado penal é o resultado de uma política de penalização da miséria, que responde ao crescimento da insegurança salarial e ao afundamento do gueto como mecanismo de controle de uma população duplamente marginalizada, no duplo plano material e simbólico.

Nesse momento, aconteceu algo que foi crucial para ele, do ponto de vista político: “Clinton avalizava a ‘welfare reform’ de 1996, elaborada pela facção mais reacionária do Partido Republicano. A abolição do direito à assistência social para as mulheres sem recursos e a sua substituição pela obrigação ao assalariamento forçado (dito worfare) é um escândalo histórico, em todo o século XX, a medida mais regressiva tomada por um presidente que era suposto ser progressista. Por indignação política, escrevi um artigo no Le Monde Diplomatique, depois um artigo mais aprofundado para uma revista de geografia política, a revista Hérodote. (…) a atrofia organizada do setor social e a hipertrofia do setor penal do Estado americano eram não somente concomitantes e complementares, mas visavam a mesma população, estigmatizada à margem do salariato. Tornava-se claro que a ‘mão invisível’ do mercado desregulado apela para e necessita do reforço do ‘punho de ferro’ da Justiça criminal“.

 

INSEGURANÇA

Não precisamos aceitar todas as teorias de Wacquant ou de Bourdieu – conceitos ou expressões como “capital jurídico”, “campo burocrático”, “masculinização (ou feminilização) do Estado”, etc., são bastante problemáticos, porque desnecessários – para aprender alguma coisa com eles.

O que importa, principalmente, é o conjunto de dados sobre as relações raciais e de classe sob o neoliberalismo, especialmente nos EUA – embora a polêmica teórica não seja uma contribuição sem proveito (v. o último capítulo de “Punir os Pobres”).

Wacquant – além de sociólogo e professor em Berkeley, um boxeur que lutava nos ringues dos bairros negros de Chicago – frisa fortemente a sua conclusão: o colossal aumento da população penitenciária dos EUA (+689,14% entre 1970 e 2012, de acordo com os dados do Bureau of Justice Statistics, órgão do Departamento de Justiça do governo dos EUA) “não corresponde ao aumento do crime – que primeiro estagnou e depois declinou durante três décadas cruciais – mas aos deslocamentos sociais causados pela dessocialização do trabalho assalariado e pelos cortes de gastos do Estado caritativo“. Ou, sob outra forma: “a rápida e furiosa inclinação para a penalização observada no fim do século passado não é uma resposta à insegurança criminal, mas à insegurança social. Para ser mais preciso, as correntes de ansiedade social que invadem a sociedade avançada têm raízes na insegurança socialobjetiva da classe trabalhadora pós-industrial, cujas condições materiais se deterioraram com a difusão do trabalho instável e mal remunerado, podado de seus ‘benefícios’ sociais habituais, e na insegurançasubjetiva entre as classes médias, cujas perspectivas de reprodução sem sobressaltos ou de subir na vida foram ofuscadas pela intensificação da competição por posições sociais de valor e pela redução da provisão de bens públicos pelo Estado” (op. cit., p. 68 e p. 299-300).

Se podemos resumir ainda mais a conclusão de Wacquant, esta consiste em que a política social do neoliberalismo, tal como levada à prática nos EUA, é a cadeia para os pobres. Mais detalhadamente: o “neoliberalismo implica na ampliação e exaltação do setor penal (…). O remake neoliberal do Estado também explica o tenaz viés de classe, etnorracial, e a polarização espacial que sela a simultânea retração de seu seio social e a expansão de seu punho penal: as populações mais direta e adversamente impactadas pela mudança convergente do mercado de trabalho e da assistência pública são também os privilegiados ‘beneficiários’ da amplitude penal das autoridades. (…) embora [o neoliberalismo] propugne o laisser-faire nos estratos superiores, aliviando assim as restrições ao capital (…), não faz nada parecido nos estratos inferiores”.

 

AS GALÉS

Atualizando os números para 2012 (na edição do livro de Wacquant que citamos, eles vão até 1995; ainda não foram divulgadas as estatísticas de 2013): de acordo com o Bureau of Justice Statistics do governo dos EUA, em 31 de dezembro de 2012, o número de pessoas “sob controle das autoridades penais” nos EUA estava em 7.037.304 (sete milhões, 37 mil e 304 pessoas). Essas pessoas eram assim distribuídas:

Na prisão: 2.256.004 pessoas;

Em liberdade vigiada: 3.942.800 pessoas;

Em liberdade condicional: 851.200 pessoas.

[Fonte: BJS, Bulletin, December 2013 – Lauren E. Glaze and Erinn J. Herberman, “Correctional Populations in the United States, 2012”; números conferidos com o banco de dados do BJS; o item “na prisão” inclui tanto as prisões federais e estaduais (prisons) quanto as municipais (jails).]

Em suma, quase 2,5% da população dos EUA estava (e está) na cadeia ou sob alguma restrição penal, algo que não existe em nenhum país do mundo.

A China, em 2012, tinha mais de quatro vezes a população dos EUA. No entanto, tinha 1.565.771 presos – portanto, 690 mil presos a menos.

A Índia tem 3,9 vezes a população dos EUA – mas tem 358.368 presos, ou seja, sete vezes menos.

Loïc Wacquant frisa a desproporção racial (ou étnica, se o leitor quiser) dessa população penal. Outra vez, atualizando os seus números: em 2012, os negros eram 36,46% dos presos, 30% dos condenados em liberdade vigiada (probation) e 40% dos réus em liberdade condicional (parole) quando, na população, eles são, segundo o último Censo norte-americano, apenas 12,8%.

Enquanto isso, os brancos (não latinos) que são 63,7% da população total dos EUA, eram 33,12% dos presos, 54% daqueles em liberdade vigiada e 40% dos que estavam em liberdade condicional.

Wacquant faz a constatação de que esse foi não apenas o resultado de uma política deliberada de cortes no atendimento ao povo, como também que essa é a própria política pela qual a anterior foi substituída, tanto no plano federal quanto nos Estados. Não se tratava apenas de colocar na prisão os delinquentes pobres e/ou negros, mas de inventar novos crimes e penas. Por exemplo:

“só na década de 80, adicionalmente a reduzir a assistência pública, a Califórnia aprovou quase mil leis para expandir o uso de condenações à prisão; e, na instância federal, a reforma de 1996 (…) era complementar ao extenso Crime Omnibus Act de 1993, reforçado pela Lei de encarceramento direto [No Frills Prison Act] de 1995”.

 

ESTADO

Nos EUA, nota Wacquant, jamais houve – ao contrário de vários países da Europa após a II Guerra – um “Estado do bem estar social” (welfare state), mas havia o que o autor chama de “Estado caritativo”, com dois ramos: um dedicado à assistência dos mais pobres, agrupando alguns programas sob o nome genérico de “welfare” – que pouco tem a ver com o sentido da mesma palavra na Europa – e outro destinado aos trabalhadores de maior renda e à classe média, designado, em geral, como “social insurance“.

“Os programas dirigidos aos pobres foram as primeiras vítimas do movimento de reação sociopolítica que levou Reagan ao poder em 1980, o que logo fez sucesso entre os “Novos Democratas” de Clinton. Embora o custo do programa AFDC [Aid to Families with Dependent Children] nunca tenha chegado a 1% do orçamento federal, todos os governos depois de Carter promoveram à prioridade máxima a sua redução. E foram amplamente bem sucedidos”.

Em termos reais, a subvenção do AFDC para uma família de quatro pessoas sem nenhuma outra fonte de renda sofreu um corte de 46,15% entre 1970 e 1995 (cf. op. cit., p. 49; fonte: Committee on Ways and Means, US House of Representatives, 1996 Green Book, 443-45, 449). Porém, isso está muito longe de ser tudo:

“A segunda técnica para encolher o Estado caritativo não é orçamentária, mas administrativa: ela consiste em acumular os obstáculos burocráticos e pré-requisitos impostos aos postulantes (…). Sob o pretexto de identificar abusos e dificultar a vida dos ‘fraudadores do welfare’, as agências de assistência pública multiplicaram os formulários a preencher, o número de documentos a fornecer, a frequência dos controles e os critérios de reavaliação periódica do cadastro. Entre 1972 e 1984 o número de ‘recusas administrativas’ por ‘questões processuais’ aumentou em quase um milhão, dois terços delas diretamente contra famílias que estavam plenamente dentro de seus direitos. Assim, enquanto, em 1973, 81% das crianças pobres estavam cobertas pelo AFDC, quinze anos depois mais de 40% delas não recebiam a assistência financeira a que tinham direito”.

Se a situação era assim no governo federal, ela se estendeu rapidamente aos Estados: “no começo dos anos 90, diversos Estados ex-industriais com alto desemprego e altas taxas de pobreza urbana, tais como Pennsylvania, Ohio, Illinois e Michigan, acabaram unilateralmente com o General Assistance (…), jogando um milhão de pessoas na mais absoluta miséria em todo o país”.

Wacquant sublinha o quanto essa política de apartheid, ou de campo de concentração nacional, nada tinha a ver com a pregação de Estado mínimo ou de eficiência econômica dos neoliberais. Mas, nada havia ou há de contraditório nisso: “o Estado penal invasivo, expansivo e caro – que implica uma grande drenagem dos cofres públicos e um tremendo freio à economia – não é um desvio do neoliberalismo, mas um de seus ingredientes”.

Um dos conselheiros de Clinton na “reforma” de 1996 – que, como veremos, vitimou crianças e mulheres, sobretudo negras e latinas – foi o republicano John Engler, que, em 1991, como governador do Michigan, promoveu um dos mais irracionais barbarismos da história dos EUA, cortando programas sociais supostamente para “equilibrar o orçamento”. A verba do General Assistance, que atendia principalmente pobres e indigentes negros de Detroit, foi reduzida de US$ 342 milhões para zero em 1993, quando foi extinto. Esse programa atendia 82 mil pessoas. No mesmo ano, Engler destinou U$ 1,32 bilhão para encarcerar 44 mil pessoas – com um custo por prisioneiro que era 11 vezes a média do que recebiam os beneficiários do programa extinto. E, certamente, acrescentamos nós, não porque as prisões de Michigan fossem – ou sejam – algum Ritz ou Copacabana Palace.

“Enquanto a parcela de despesas nacionais alocadas para a assistência pública diminuía abruptamente em relação às necessidades, os fundos federais para a Justiça criminal foram multiplicados por 5,4 entre 1972 e 1990, saltando de menos de US$ 2 bilhões para mais de UA$ 10 bilhões, enquanto as verbas para encarceramento eram multiplicadas por 11. A voracidade financeira do Estado penal é ainda mais desenfreada no nível dos Estados. Somados, os 50 Estados e o Distrito de Columbia, em 1990, gastaram U$ 28 bilhões na rubrica Justiça criminal, 8,4 vezes mais que em 1972; durante esse intervalo, seus orçamentos para encarceramento aumentaram 12 vezes, enquanto o custo da defesa criminal dos indigentes (que são uma parte crescente dos acusados em tribunal) crescia 24 vezes”.

Além de uma epidemia de construções de penitenciárias (só o Estado da Califórnia gastou US$ 15 bilhões em 16 novas prisões – sem contar as despesas de custeio -, enquanto a previsão federal é de despesas de US$ 351 bilhões em 10 anos apenas para a edificação de outras casas de detenção), proliferaram as penitenciárias privadas.

Essas penitenciárias privadas, já em 1995, “acumulavam uma população de presos igual à da França inteira (49.154). As empresas que abrigam esses detentos recebem verbas públicas contra a promessa de míseras economias da ordem de uns poucos centavos por dia; multiplicados por milhares de cabeças, essas economias são a justificativa para a parcial privatização de uma das funções mais básicas do Estado. No final dos anos 90, um comércio de importação e exportação de presos estava florescendo entre diferentes membros da União: a cada ano o Texas trazia vários milhares de condenados dos Estados vizinhos – mas também de jurisdições mais longínquas, como o Distrito de Columbia, Indiana e Havaí -, em desrespeito ao direito de visita das famílias, mais tarde enviando-os de volta ao seu município de origem, onde serão mantidos em liberdade condicional até o fim de suas sentenças”.

 

PARTE 2

Pretendíamos reduzir bastante o nosso resumo das observações de Loïc Wacquant, para encerrar sua publicação neste número. Infelizmente, um apagão acometeu a região onde se localiza a nossa redação. Devido a isso, ficamos sem tempo de reduzir o texto (como dizia o padre Antônio Vieira em carta a um amigo, “desculpe-me, pois não tive tempo para ser breve”). Sua última parte será publicada na próxima edição. Em sua palestra na sede do Goldman Sachs, em Nova Iorque, a presidente Dilma afirmou que “a gestão privada é mais eficiente, mais ágil e de menor custo” – referia-se, evidentemente, à gestão privada estrangeira em relação à gestão pública nacional, estatal, pois estava falando para especuladores norte-americanos, oferecendo a eles a infraestrutura do nosso país. Aqui no Brasil, nós já temos grandes exemplos dessa eficiência, agilidade e modicidade da gestão privada estrangeira: a AES Eletropaulo e a Telefónica, por exemplo.

Continuemos, pois, com um exemplo do tratamento que a ditadura neoliberal dos EUA reserva ao povo de seu próprio país:

“O estabelecimento de toques de recolher, visando manter os menores fora das ruas depois do anoitecer, aplicados essencialmente nos hiperguetos e bairros pobres, é emblemático do aumento da propensão do Estado americano para atirar seu arrastão de polícia e punição mais amplo somente naquelas muitas regiões onde está retraindo a sua rede de segurança [social]. Apontando para o aumento de crimes violentos atribuíveis (ou reflexamente atribuídos) a gangs, 59 das 77 maiores cidades do país instituíram tais proibições, metade delas entre 1990 e 1994. Em Chicago, uma portaria municipal proíbe pessoas com menos de 16 anos de ficar na rua sem autorização entre as 22:30h (nos fins de semana, 23:30h) e 6:00. Desde a metade dos anos 90, numerosos estudos constataram que os toques de recolher não têm qualquer efeito supressivo sobre o crime nas ruas ou sobre os delitos juvenis, e, mesmo, tem sérias consequências criminogênicas. O certo é que esses toques de recolher aumentam de modo significativo as chances de encarceramento de jovens residentes nos bairros urbanos pobres. De acordo com dados do FBI, perto de 75.000 jovens foram presos com essa base em 1992, duas vezes mais do que por roubo (excluindo o roubo de carros) nesse ano. A taxa de prisões por atrasos e violações do toque de recolher mais do que dobrou entre 1992 e 1997, quando atingiu o pico de 700 por 100.000 jovens” (v. “Punishing the Poor: The Neoliberal Government of Social Insecurity“, Duke University Press Books, Durham and London, 2009, p.68).

 

CAPITULAÇÃO

Agora, vejamos como o governo Clinton aderiu covardemente – abrindo o caminho, inclusive, para a gravíssima crise econômica que explodiu depois – a essa política de apartheid ou campo de concentração, fazendo o Partido Democrata arrastar na lama (Obama não é um acidente) todo o ideário desenvolvido a partir do governo Franklin Delano Roosevelt (1933–1945):

“A ‘reforma’ do welfare aprovada pelo Congresso dos EUA e sancionada como lei, no meio de fanfarras, por William Jefferson Clinton em agosto de 1996, causou uma grande comoção nos dois lados do Atlântico. Nos Estados Unidos, a decisão do presidente de endossar uma série de medidas preparadas pelo setor mais reacionário do Partido Republicano, jogando na beira da estrada alguns dos avanços sociais mais preciosos doNew Deal e da guerra à pobreza dos anos 60não poderia deixar de perturbar o establishment democrata e abalar os seus tradicionais aliados. Numerosas vozes se levantaram, mesmo dentro do governo, para denunciar essa inversão política e a renegação que ela implicava” (v. L. Wacquant, “Punishing the Poor: The Neoliberal Government of Social Insecurity“, Duke University Press Books, Durham and London, 2009, p. 77).

 

FALSA REFORMA

“Vários altos funcionários do Departamento de Saúde e Serviços Sociais, entre eles o diretor de seu ramo de pesquisas, pediram demissão em protesto ao que, segundo as projeções de sua equipe, a dita ‘reforma’ causaria: um crescimento significante das dificuldades para a maior parte dos pobres dos EUA, especialmente as crianças (Clinton recusou-se, aliás, a transmitir ao Congresso os resultados de tais estudos, temendo publicidade negativa).

“A presidente do Children’s Defense Fund, uma íntima amiga pessoal dos Clinton, rompeu publicamente com o casal presidencial, chamando a decisão do líder dos ‘Novos Democratas’ de ‘um ultraje’ (v. “Edelman Decries President’s Betrayal of Promise ‘Not to Hurt Children’“, New York Times, 31/07/1996).

“Organizações religiosas, sindicatos, políticos, acadêmicos e ativistas dos direitos sociais, condenaram unanimemente a ‘reforma’. Mesmo o senador centrista Daniel Patrick Moynihan, ponta-de-lança da onda anterior de alteração do welfare, que resultou na aprovação do Family Support Act de 1988, denunciou-a como uma segura fórmula para ‘aumentar a pobreza e o descaso’. E seu colega Paul Simon, de longa data um apoiador de Clinton, tocou o sino de alarme de que a assinatura do pacote do welfaremancharia para sempre o legado do presidente.

“Hugh Price, presidente da Urban League, embora conhecido por sua moderação, resumia o ponto de vista das organizações progressistas nos seguintes termos: “Esta lei é uma execração para as mães e as crianças mais vulneráveis da América. Parece que o Congresso cansou-se da guerra contra a pobreza e decidiu fazer em seu lugar uma guerra contra os pobres” (“Welfare hysteria”, The New York Times, 5/08/1996, p. A 11).

 

ASFIXIA

“Mas o debate foi rapidamente abafado por imperativos eleitorais: tinha-se que tomar cuidado para não interferir com a campanha de reeleição do presidente. Clinton não hesitou em usar esta lei como último recurso para chantagear a ala esquerda de seu próprio partido, argumentando essencialmente o seguinte: “calem-se e reconduzam-me à Casa Branca, pois eu sou o único capaz de suavizar os efeitos mais nefastos desta ‘reforma’”. Quanto às forças conservadoras do país, elas só podiam comemorar, ao ver o presidente aderir às suas posições e ratificar um texto de lei em todos os pontos similar àquele que ele mesmo havia vetado duas vezes alguns meses antes (antes da abertura da temporada eleitoral). Assim, a United States Chamber of Commerce, principal organização patronal do país, regozijou-se com o fato de o presidente ter reafirmado ‘a ética do trabalho da América’, enquanto Newt Gingrich, líder dos republicanos no Congresso, evocava com lirismo um ‘momento histórico em que trabalhamos juntos para fazer algo de muito bom para a América’.

“Na Europa, e singularmente na França, não faltaram comentaristas, tão apressados quanto mal informados (a coroa ficaria, sem dúvida, com Claude Imbert, por seus editoriais asininos no Le Point), para apresentar tal medida como um avanço corajoso de um presidente ‘de esquerda’, visando a ‘adaptação’ necessária dos sistemas de proteção às novas realidades econômicas. Segundo esta visão, na qual a ignorância das realidades americanas concorre com a má-fé ideológica, Clinton traçaria o caminho a ser seguido pelas sociedades esclerosadas do Velho Mundo. Este seria o preço da eficiência e do sucesso na impiedosa competição econômica mundial” (v. “Punishing the Poor: The Neoliberal Government of Social Insecurity“, Duke University Press Books, Durham and London, 2009).

 

CONTEÚDO

A dita “reforma” dos serviços sociais de Clinton consistia “em abolir o direito à assistência para as crianças mais desfavorecidas e substituí-lo pela obrigatoriedade do salariado desqualificado e subpago para seus pais. Ela afeta apenas um setor menor dos gastos sociais do Estado americano – aqueles voltados para as famílias pobres, os enfermos e os indigentes -, excluindo os programas que beneficiam as classes médias, habitualmente reagrupados sob a denominaçãosocial insurance, por oposição ao termo maldito welfare(N.A: Temos aí um caso particular de “allodoxia” [tomar um conceito por outro] favorecido pela reinterpretação descontrolada – pois, na maior parte dos casos, inconsciente – que um termo do debate sociopolítico sofre ao passar de um quadro nacional a outro. Assim, os observadores europeus traduzem welfare por Estado do bem estar social, o que remete ao conjunto de sistemas de proteção e de transferência social universalista, enquanto os americanos abrigam sob esta denominação apenas os programas categoriais reservados às populações dependentes da caridade de Estado).

“Longe de inovar, essa ‘reforma’ só fez reciclar remédios vindos diretamente da era colonial e que, no passado, já deram provas de sua ineficácia (v. Michael Katz, ‘In the Shadow of the Poorhouse: A Social History of Welfare in America“’ Basic Books, NY, 1996): estabelecer uma demarcação categórica entre pobres ‘merecedores’ e pobres indolentes, empurrar estes últimos, através da coação, para os segmentos inferiores do mercado de trabalho e ‘corrigir’ os comportamentos supostamente desviantes e desviados que seriam a causa da miséria de uns e outros.

“Sob o manto da ‘reforma’, a ‘lei sobre a responsabilidade individual e o trabalho’, de 1996, instaura o dispositivo social mais retrógrado promulgado por um governo democrático no século XX. Sua aprovação confirma e acelera a substituição progressiva de um (semi) Estado do bem estar para um Estado carcerário e policial, no seio do qual a criminalização da marginalidade e a contenção punitiva das categorias deserdadas fazem as vezes de política social” (op. cit.).

 

CONTA

“O objetivo declarado dessa lei é combater não a pobreza, mas a pretensa dependência das famílias assistidas em relação aos programas sociais, ou seja enxugar os efetivos e os orçamentos dos programas consagrados aos membros mais vulneráveis da sociedade americana: as mulheres e as crianças do proletariado e do subproletariado e secundariamente os velhos sem recursos e os imigrantes recentes.

“De fato, a reforma de 1996 não toca no Medicare, a assistência médica dos assalariados aposentados, nem nas caixas de aposentadoria Social Security, que, no entanto, são as principais fontes de gastos sociais do Estado americano, com 143 e 419 bilhões de dólares respectivamente, em 1994 [N. HP: O Medicare e aSocial Security são, precisamente, o objetivo dos cortes – isto é, da infame “reforma” – de Obama].

“[A “reforma” de Clinton] atingiu exclusivamente os programas reservados aos mais pobres, o Aid to Families with Dependent Children (AFDC), oSupplemental Security Income (SSI, que atende idosos indigentes e enfermos) e os tíquetes de alimentação (food stamps). Estes programas cobriam apenas uma fração da população oficialmente classificada como pobre: 39 milhões de americanos viviam abaixo do “limiar federal de pobreza”, mas menos de 14 milhões (dos quais 9 milhões são crianças) recebiam a verba AFDC (US$ 15 mil por ano – ou US$ 1.250 por mês – para uma família de quatro pessoas). Em 1992, 43% das famílias pobres recebiam alguma ajuda pecuniária, 51% cupons alimentares e apenas 18% se beneficiavam de um auxílio-moradia.

“São os beneficiários da AFDC e dos food stampsque pagaram a conta da “reforma”, embora estes programas sejam dez vezes menos custosos que aqueles reservados às classes médias, com 22 bilhões anuais para a AFDC (contabilizando gastos federais e locais juntos) e 23 bilhões para a assistência alimentar. Pois a “lei sobre a responsabilidade individual e o trabalho” prevê a economia de 56 bilhões de dólares em cinco anos, reduzindo o montante das verbas, colocando um teto para sua distribuição e excluindo de seu campo milhões de pessoas com direito a elas – das quais uma maioria de crianças e de pessoas idosas sem recursos.

“Estas medidas draconianas são populares junto ao eleitorado – das classes médias brancas – porque o setor do welfare é percebido essencialmente como beneficiador dos negros. Não importa se a maioria desses beneficiários AFDC são de origem europeia (39% dos beneficiários AFDC são brancos, 37% são afro-americanos e 18% latinos), a ideia fixa continua a ser que a assistência aos pobres só serve para manter na ociosidade e no vício os habitantes do gueto, nos quais encorajaria os “comportamentos antissociais” que o termo meio erudito, meio jornalístico underclass denota ou denuncia. A associação estreita entre assistência social e cor da pele torna os programas particularmente vulneráveis no plano político. Ela permite mobilizar contra este setor do Estado caritativo a força dos estereótipos raciais e dos preconceitos de classe que, ao se combinarem, fazem do pobre do gueto um parasita social, quiçá um verdadeiro “inimigo” da sociedade americana (N.A.: A dimensão racial da “reforma” dos auxílios sociais, fortemente eufemizada, mas onipresente no debate político americano, passou completamente despercebida dos comentaristas europeus).

 

ABERRAÇÕES

“A justificativa para os cortes brutais é que a assistência social é excessivamente generosa, que ela solapava a vontade de trabalhar de seus beneficiários e que ela sustenta uma ‘cultura de dependência’ tão nociva para os interessados quanto para o país e que essa cultura, por sua vez, explica o aumento dos nascimentos fora do casamento e a sequência de caracteres patológicos que supostamente vêm com eles.

“No debate da ‘reforma’ de 1996, quatro figuras racializadas foram juntadas para oferecer encarnações vivas da dependência e de suas consequências corrosivas: 1) a “rainha do welfare“, uma astuta e fecunda matriarca negra que foge do emprego, trapaceia a burocracia da assistência pública e gasta seu alto cheque da assistência em drogas e bebidas, deixando seus muitos filhos em terrível negligência; 2)a mãe adolescente afro-americana, um “bebê tendo bebês”, cuja imaturidade só é igualada por sua depravação moral e sexualidade devassa; 3) o “pai ausente” de classe baixa, geralmente negro e desempregado, que engravida mulheres a torto e a direito para levianamente abandoná-las, e a seus filhos, aos cuidados dos contribuintes; 4) e o idoso imigrante do Terceiro Mundo que se esgueira para dentro dos EUA com o objetivo de manipular o welfare e obter, gratuitamente, uma aposentadoria de alta classe.

“Esse quarteto caricatural, orquestrado por um fluxo interminável de informes jornalísticos, políticos e acadêmicos, foi apresentado como a prova viva da natureza fundamentalmente corruptora da assistência pública. O obsessivo foco sobre essas quatro figuras, lideradas pela escandalosa ‘rainha do welfare’, era tão manipulatório que ofuscava o fato de que os beneficiários do AFDC eram, na maioria esmagadora,crianças e não adultos (8,8 milhões contra 3,9 milhões em 1996). Isto significava que as consequências negativas da reforma do welfare seriam suportadas, não por estroinas que esquivavam-se de seus deveres morais, mas principalmente por menores que não podiam ser responsáveis diante das normas de trabalho, sexualidade e matrimônio (ou pagar pelo suposto erro de conduta dos seus pais)”.

 

PARTE 3

A razão principal nossa para apresentar este resumo algo alentado de alguns livros e artigos do sociólogo francês Loïc Wacquant está em que, em geral, a visão que as pessoas – mesmo aquelas que já conquistaram uma consciência decididamente anti-imperialista – têm da sociedade dos EUA, frequentemente é contaminada pela propaganda imperialista, ou seja, pela mídia.

Há um aspecto, já frisado em outros termos, que é evidente: uma sociedade totalmente privatizada é uma sociedade hostil para a maioria da população – pois esta não tem, em geral, nada além do que é público. Aliás, uma sociedade assim é hostil até para os setores empresariais privados que não são monopolistas. Não há melhor demonstração prática dessa verdade do que os EUA, quando as conquistas do New Deal – e posteriores – foram (e estão sendo) quase totalmente aniquiladas.

“Um único exemplo é suficiente para indicar os efeitos devastadores desse retrocesso: enquanto os custos e lucros da medicina ‘de mercado’ decolavam, em Chicago o número de hospitais comunitários (isto é, aqueles acessíveis às pessoas sem cobertura médica privada) diminuíam de 90 em 1972, para 67 em 1981, e 42 em 1991. Nesse ano, exceto o sucateado e superlotado Cook County Hospital, nenhum centro de saúde, na cidade inteira, fazia exame pré-natal em mães sem seguro-saúde privado”.

Chicago é a terceira maior cidade dos EUA – logo após Nova Iorque e Los Angeles.

 

DESEMPREGO

Clinton apresentou o corte de investimentos sociais como a substituição da assistência social (welfare) pelo trabalho (literalmente: “welfare to work“). Mas não havia qualquer política de emprego. Assim, empurrou boa parte dos que antes recebiam alguma assistência estatal para atividades ilegais.

As contas sobre gastos citadas durante a tramitação no Congresso dessa lei – um calhamaço de “mais de 251 páginas, composto por 913 seções (…), baseado em colocar fora da lei a pobreza persistente” – eram manifestamente falsas.

“… o valor real das subvenções do programa AFDC baixara para metade em 25 anos, passando da média de 676 dólares por mês, em 1970, para 342 dólares em 1995 (em dólares constantes de 1995), o que é menos da metade da linha de pobreza (House of Representatives, 1994, p. 324).

“Isto significa que as famílias que conseguiam recebê-la não podiam, de modo algum, ‘depender’ dessa verba e tinham, obrigatoriamente, de encontrar outras rendas para garantir a própria sobrevivência. Além disso, metade dos beneficiários deixava o programa no ano seguinte à inscrição; dois anos depois, esse contingente subia para dois terços. Em outras palavras, a verba AFDC estava longe de ter se tornado um way of life transmitido através de gerações, ao modo de uma doença genética, como alegavam os ideólogos neoconservadores e seus epígonos entre os Novos Democratas.

“No papel, a ‘reforma’ preconizada por Clinton visava ‘fazer as pessoas passarem da assistência ao emprego’. Mas, por um lado, a maioria das mães assistidas já exerciam uma atividade remunerada, embora nas margens da força de trabalho. Além disso – o que é revelador das intenções dos legisladores – a lei não tinha componente algum de emprego no seu texto. Não havia uma única medida na lei que tivesse como objetivo a melhora das opções e condições de emprego enfrentadas pelos beneficiários do welfare. (…) As ‘oportunidades de emprego’ às quais os legisladores fizeram copiosas referências, consagradas no nome da lei, foram deixadas inteiramente à benevolência dos empregadores. Na fase final da campanha presidencial de 1996, Clinton fez um retumbante apelo à consciência cívica das corporações, igrejas e organizações filantrópicas para que elas criassem ‘os empregos necessários para que a reforma tenha sucesso’, argumentando que os patrões que se queixam incessantemente do welfare têm a obrigação moral de empregar os (ex)beneficiários das verbas públicas. Era uma maneira de se desobrigar com antecedência do previsível fracasso sobre o emprego da dita ‘reforma’.

“Mas é difícil ver como e por que as empresas começariam subitamente a empregar em massa uma população cruelmente subqualificada (a metade dos beneficiários AFDC não terminou o secundário e apenas 1% possui diploma universitário) e fortemente estigmatizada, num momento em que o mercado já estava inundado de mão de obra barata” (grifo nosso).

 

POBREZA

“A nova lei foi cuidadosa para evitar o confronto com as causas econômicas da pobreza: a estagnação na mediana renda familiar e o declínio ininterrupto do valor real do salário mínimo nas duas décadas anteriores (de US$ 6,50 em 1978 para US$ 4,25 em 1996, em dólares constantes de 1996); o crescimento explosivo dos chamados postos de trabalho precários, que compõem mais de um quarto da força de trabalho do país no fim do século passado; a erosão da cobertura social e médica para trabalhadores menos qualificados; a persistência de taxas de desemprego astronômicas nos bairros da periferia das grandes cidades, bem como em remotos condados rurais; e a relutância pronunciada dos empregadores em contratar moradores do gueto e beneficiários desqualificados do welfare. É mais conveniente, e mais rentável eleitoralmente, lançar um injurioso retrato dos pobres, ou, ao invés, alimentar o ressentimento do eleitorado para com aqueles que recebem ‘esmolas’ do Estado”.

 

CÁRCERES

Porém, “enquanto Bill Clinton proclamava aos quatro cantos do país seu orgulho por ter posto fim à era do ‘big government’, sob o comando de seu sucessor esperado, Albert Gore Junior, a Comissão de Reforma do Estado Federal dedicou-se a suprimir programas e empregos públicos, 213 novas prisões foram construídas – número que exclui os estabelecimentos privados que proliferaram com a abertura de um lucrativo mercado privado de carceragem. Ao mesmo tempo, o número de empregados apenas nas prisões federais e estaduais passava de 264.000 para 347.000, dos quais 221.000 guardas carcerários. No total, a ‘penitenciária’ contava mais de 600.000 empregados em 1993, o que fazia dela o terceiro empregador do país, atrás apenas da General Motors, primeira firma no mundo por sua magnitude de negócios, e a cadeia de supermercados internacional Wal-Mart. De fato, segundo o Bureau do Censo, a formação e contratação de guardas de prisão é, de todas as atividades do governo, a que cresceu mais rápido durante aquela década.

“O orçamento da administração penitenciária da Califórnia subiu de menos de 200 milhões de dólares em 1975 para mais de 4,3 bilhões em 1999 (isso não é um erro de imprensa, é efetivamente 22 vezes mais) e supera desde 1994 aquele destinado às universidades públicas, por muito tempo tidas como a joia do estado. Os guardas californianos eram menos de seis mil quando Ronald Reagan entrou na Casa Branca; hoje são mais de 40 mil a trabalhar nas penitenciárias doGolden State. Efetivos aos quais se acrescentam 2.700parole officers encarregados de supervisionar os 107.000 em liberdade condicional, contratados por 131 escritórios em 71 localidades. Seu salário médio era de 14.400 dólares por ano em 1980; eleva-se atualmente a 55.000 dólares, ou seja, 30% a mais que um professor assistente na Universidade da Califórnia. Em uma década, a Califórnia engoliu 5,3 bilhões de dólares construindo e renovando celas, e contratou mais de 10 bilhões de dólares de dívidas obrigatórias para fazê-lo. Cada novo estabelecimento custa em média a bagatela de 200 milhões de dólares para 4.000 detentos e requer a contratação de mil guardas. Nesse período, as autoridades não conseguiram verbas necessárias para inaugurar um novo campus universitário, promessa de longa data, a fim de dar vazão ao aumento contínuo da quantidade de estudantes” (v. Wacquant, “As Prisões da Miséria“, trad. André Telles, 2004 – este livro, publicado pela primeira vez em 1999, contém um conjunto impressionante de informações sobre o Estado policial norte-americano antes dos dois “atos patrióticos” que suspenderam as garantias constitucionais. Infelizmente, só é possível reproduzi-las numa pequena e pálida medida).

 

SÍNTESE

É quase impossível resumir a regressão racista e a guerra civil contínua contra os pobres, sobretudo quando negros, que o neoliberalismo desencadeou nos EUA – e, como nota Wacquant, a partir dos EUA, especialmente de Manhattan, exportou para outros países.

“Em 1950, 70% dos que entravam na prisão eram brancos (anglo-saxões). (…) Contrariamente à percepção comum, a predominância de negros atrás das grades não é um padrão de longa data, mas um novo e recente fenômeno, com o ano de 1988 como ponto de virada: o ano em que o então vice-presidente George Bush (o pai) fez, durante a campanha presidencial, o seu infame anúncio [eleitoral] sobre Willie Horton, com a inclusão de sinistras imagens do estuprador negro de uma mulher branca como emblemáticas do ‘problema do crime’ contemporâneo”.

[N.HP: Willie Horton era um detento negro de Massachussets que, incluído em um programa de licenças da prisão, cometeu roubo de armas, assalto a mão armada e estupro. O objetivo de Bush com esse anúncio era atingir seu adversário democrata na campanha eleitoral, o governador de Massachussets, Michael Dukakis – o que, aliás, conseguiu. Talvez seja uma questão de justiça acrescentar que o primeiro a usar o caso Horton contra Dukakis foi seu colega de partido Al Gore, quando disputava a indicação democrata, nas eleições primárias de Nova Iorque.]

Em “Prisões da Miséria” (1999), Wacquant sintetiza o problema geral do seguinte modo:

“A penalidade neoliberal apresenta o seguinte paradoxo: pretende remediar com um ‘mais Estado’ policial e penitenciário o ‘menos Estado’ econômico e social que é a própria causa da escalada generalizada da insegurança objetiva e subjetiva em todos os países, tanto do Primeiro como do Segundo Mundo. (…) à atrofia deliberada do Estado social corresponde a hipertrofia distópica do Estado penal: a miséria e a extinção de um têm como contrapartida direta e necessária a grandeza e a prosperidade insolente do outro” (grifo do autor).

 

BOLSAS

Houve, inclusive antes da lei de Clinton, outros requintes de perversidade. Com uma população carcerária composta por uma maioria de condenados a penas desproporcionais aos seus delitos, e centenas de milhares de jovens entre eles, em 1994 todos os presos dos EUA, sem exceção, foram, por lei, proibidos de se candidatar às Bolsas Pell (Pell Grants) – o sistema federal de financiamento do ensino universitário, mais semelhante ao crédito educativo do que ao Prouni, porque os estudantes têm de pagar, depois de formados.

“Nos debates parlamentares e nos meios de comunicação, os opositores ao financiamento federal do ensino superior nos estabelecimentos prisionais exageraram desmesuradamente o seu alcance e peso financeiro, alegando que as bolsas atribuídas aos reclusos tinham sofrido um ‘aumento exponencial’ para US$ 200 milhões e que em breve ultrapassariam a marca de US$ 1 bilhão. (…) O senador Kay Bailey Hutchison, do Texas, caiu no ridículo de afirmar que condenados astutos estavam cometendo crimes com o objetivo expresso de conseguirem um curso superior grátis atrás das grades (v. Ata do Congresso, Senado dos EUA, 103º Congresso, vol. 139, nº 157, novembro 1993, sessão de terça-feira 02/11/1993).

“Na realidade, à época em que foram excluídos, os criminosos que recebiam bolsas federais para estudar não totalizavam 200 mil (como disseram seus detratores), mas apenas 27 mil, representando uma despesa total de US$ 35 milhões, isto é, apenas 0,5% do total do programa Pell, que tinha verbas de US$ 6,3 bilhões” (Loïc Wacquant, “La race comme crime civique“, Revue Internationale des Sciences Sociales , 2005/1, n° 183, p. 138-139).

 

SEGURO-DESEMPREGO

“A miséria dos programas assistenciais e o esplendor dos cárceres e penitenciárias dos Estados Unidos são os dois lados de uma mesma moeda política”, escreve Wacquant. “A potência social da denegada forma de etnicidade chamada raça e a ativação do estigma da negritude são chaves para explicar a atrofia inicial e a decadência acelerada do Estado social norte-americano na era posterior ao movimento dos direitos civis, por um lado, e, por outro, a surpreendente facilidade e celeridade com que o Estado penal surgiu sobre suas ruínas (…) no mesmo momento em que o Estado declara sua incapacidade para controlar os fluxos de capitais”.

Assim, se atiraram contra uma das principais conquistas do New Deal, do presidente Franklin Delano Roosevelt:

“Em 1975, o seguro-desemprego, instaurado pelo Social Security Act de 1935, cobria 76% dos assalariados que perdiam o emprego; em 1980, este número havia caído para um em cada dois, devido a restrições administrativas aprovadas pelos Estados e da multiplicação de empregos ditos ‘eventuais’; e, em 1995, se aproximava de um trabalhador em cada três. Enquanto a cobertura encolhia, a média do valor real dos benefícios estagnou por 20 anos em US$ 185 por semana (em dólares constantes de 1995), desembolsados por míseras 15 semanas, dando à maioria das pessoas sem emprego uma ‘esmola” que as colocava abaixo da linha da pobreza.

“O mesmo para a invalidez – cuja taxa de cobertura caiu de 7,1 assalariados em mil em 1975 para 4,5 mil em 1991 – e para a moradia. Em 1991, segundo as estatísticas oficiais, uma família americana em cada três era “housing poor“, isto é, incapaz de garantir ao mesmo tempo suas necessidades básicas e a própria moradia, enquanto contava-se entre 600 mil e 4 milhões o número dos sem-teto. Paralelamente, o orçamento federal destinado à moradia passava de 32 bilhões de dólares em 1978 a menos de 10, em dólares correntes, um decênio depois, acumulando um corte de 80% em termos reais (…). quando o programaComprehensive Education and Training Act (CETA) terminou em 1984, desapareceram mais de 400 mil empregos públicos acessíveis para as pessoas sem qualificação.

 

CENSO

“No fim de 1994, apesar de dois anos de crescimento econômico sólido, o US Census Bureau anunciou que o número oficial de pobres nos EUA tinha ultrapassado 40 milhões, ou 15% da população do país – a mais alta taxa em uma década. No total, uma família branca em 10 e um lar afro-americano em três vivia abaixo da ‘linha de pobreza’ federal. Este número escondia a profundidade e intensidade de sua negligência, na medida em que esse limite, calculado de acordo com uma fórmula arbitrária e burocrática que data de 1963 (baseada no consumo familiar de 1955), não leva em conta o verdadeiro custo de vida e a mudança na composição da cesta dos gêneros de primeira necessidade, e tem sido estabelecido cada vez mais baixo ao longo dos anos: em 1965 a linha de pobreza estava em cerca de metade da mediana da renda nacional familiar; trinta anos depois, ela estava em um terço.

“Em 1991, 14% das famílias americanas recebiam menos que 40% da mediana da renda nacional, contra 6% na França e 3% na Alemanha. Estas diferenças eram consideravelmente mais pronunciadas entre famílias com filhos (18% nos EUA versus 5% na França e 3% para seus vizinhos além do Reno), sem mencionar as famílias monoparentais (45% nos EUA, 11% na França, e 13% na Alemanha). Dificilmente isto seria surpreendente quando o salário mínimo por hora é estabelecido tão baixo que um empregado trabalhando em tempo integral todo o ano ganhava em torno de U$ 700 por mês em 1995, colocando-os 20% abaixo da linha de pobreza para uma família de três pessoas, e quando a assistência social é calculada para estar bem abaixo desse salário com o objetivo de evitar a criação de ‘desincentivos’ ao trabalho”.

E por aqui ficamos, leitores, temerosos de transcrever tantas coisas que, embora verdadeiras, não são agradáveis. Mas, no momento em que há sujeitos tão submissos que ficam maravilhados pela ditadura neoliberal dos EUA – tão maravilhados que até querem presenteá-la com o nosso país – talvez não seja excessivo.

 

Texto extraído da Hora do Povo

 

Após trair o PNE, MEC adia a Conferência de Educação para depois da eleição deste ano

Para torrar verba pública na rede privada, governo manobra para Câmara não restabelecer o PL original

 

A determinação do governo federal em desviar verbas públicas para a educação privada, com a alteração do Plano Nacional da Educação (PNE), o fez adiar a II Conferência Nacional de Educação (Conae), marcada para acontecer entre os dias 17 e 23 de fevereiro. Numa atitude arbitrária, a etapa final da conferência foi transferida para novembro deste ano, depois, portanto, da votação do PNE na Câmara dos Deputados e também do segundo turno das eleições presidenciais.

O adiamento deixou claro o comprometimento do governo em aprovar o texto do Senado (sustentado pela base governista na Casa), que pretende desviar as verbas públicas que deveriam ser investidas em educação pública para as empresas privadas que exploram o ensino superior. A maior parte das vagas, neste nível de ensino, é explorada por empresas e fundos estrangeiros.

O texto mais fiel ao esboço que nasceu na primeira Conferência Nacional de Educação (Conae), em 2010, elaborado com o auxílio das entidades ligadas à educação, foi aprovado pela Câmara dos Deputados após dois anos de discussão do anteprojeto enviado pelo presidente Lula e pelo então ministro da Educação, Fernando Haddad. Esse projeto estabelecia como meta “ampliar o investimento público em educação pública de forma a atingir, no mínimo, o patamar de 7% (sete por cento) do Produto Interno Bruto – PIB do País no 5º (quinto) ano de vigência desta Lei e, no mínimo, o equivalente a 10% (dez por cento) do PIB ao final do decênio”.

No Senado, porém, o projeto foi alterado pelos senadores José Pimentel (PT-CE) e Eduardo Braga (PMDB-AM). Entre outras alterações, suprimiu-se a palavra “público” após a palavra “educação”, na frase: “ampliar o investimento público em educação pública de forma a atingir, no mínimo, o patamar de 7% (sete por cento) do Produto Interno Bruto – PIB do País no 5º (quinto) ano de vigência desta Lei e, no mínimo, o equivalente a 10% (dez por cento) do PIB ao final do decênio” (grifo nosso).

O mesmo foi feito nos outros parágrafos que traçam metas para a educação de nível técnico e superior.

“O PNE foi gravemente desconstruído pelo Senado. O texto tanto diminui o recurso para educação pública como o governo não vai ter a obrigação de criar uma matrícula nova no ensino técnico nem no ensino superior”, denunciou na época Daniel Cara, coordenador da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação.

As entidades ligadas à educação, enfrentando o lobby do Planalto e das multinacionais do ensino, resolveram levar o assunto para a Conae, que seria composta por cerca de 5 mil participantes, às vésperas da votação, como a principal forma de mobilizar a sociedade pela manutenção do texto da Câmara.

No entanto, o MEC, sob a alegação de “problemas logísticos relacionados à Copa do Mundo” (?!), adiou a Conferência.

“O adiamento é um golpe na democracia e afeta violentamente a credibilidade dos espaços de participação social existentes no governo”, afirma o professor Luiz Araújo, presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) durante o governo Lula e um dos elaboradores do plano.

“As manifestações das Conferências Municipais e Estaduais foram claramente favoráveis a um conjunto de propostas demonizadas pelo MEC. O evento seria um momento de fortalecimento da luta por um Plano que tornasse a participação da União no financiamento da educação nacional mais efetiva, coisa que não interessa ao governo, absorvido com outras prioridades representativas de outros segmentos sociais – leia-se, banqueiros credores de nossa dívida pública”, ressaltou.

O Fórum Nacional de Educação (FNE) – composto por 35 entidades da sociedade civil e do poder público responsável pela organização do evento, também criticou a decisão. Em nota, o fórum declara “lamentar o adiamento da 2ª Conferência Nacional de Educação. Tal fato ocorre por decisão administrativa do Ministério da Educação – MEC”.

“Este Fórum, com as contribuições e os trabalhos dos Fóruns Estaduais, Municipais e Distrital de Educação, cumpriu com todas as etapas necessárias para a realização da etapa nacional da CONAE 2014, no período de 17 a 21 de fevereiro. Reconhecemos o prejuízo desta postergação, dada à tramitação do PNE no Congresso Nacional e toda a preparação vivenciada no ano de 2013, apresentando várias propostas que foram incorporadas no texto referência, frutos dos debates nas Conferências Municipais, Intermunicipais, Estaduais e Distrital”, completa.

O Fórum conclama ainda à defesa do texto original, já que, “a proposta do PNE que retorna à Câmara dos Deputados é privatista, segregacionista e não contribui para fortalecer o sistema nacional de educação”.

“O FNE considera que o texto do Senado Federal representa um retrocesso em relação ao debate realizado no contexto da discussão do PL nº 8035 de 2010, que resultou no Substitutivo do Deputado Angelo Vanhoni (PT-PR) à proposta original de PNE, encaminhada ao  Congresso Nacional pelo Poder Executivo Federal em dezembro de 2010”.

Dentre as entidades que assinam a nota do FNE estão: a SBPC, CNI, UNE, CUT, CNTE, CONTEE, Fasubra, Contag e a Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

 

Fonte: Hora do Povo