Vídeo hilariante com Rolando Lero e vários personagens da Escolinha do Professor Raimundo

 

 

Em 2019, uma das perguntas mais feitas pelos brasileiros foi “Onde está Queiroz?”, em referência ao motorista e ex-assessor de Flávio Bolsonaro, Fabrício Queiroz, apontado como um dos operadores do esquema de corrupção na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, quando Flávio ocupava o cargo de deputado.

 

 

Em vídeo hilariante da Escolinha do Professor Raimundo, o personagem Rolando Lero (interpretado nesta nova versão pelo comediante Marcelo Adnet), confunde o Queiroz do clã Bolsonaro com o escritor português, Eça de Queirós, ao ser questionado pelo professor.

 

“Ah o Queiroz… Sempre metido nos rolos, mas sabia fazer dinheiro, o danado”, responde Rolando Lero.

 

 

Após a ajuda do professor, ele continua: “Queiroz foi um espremedor de laranja, com uma barraquinha ali, no Rio das Pedras”.

 

Queirós

 

Eça de Queirós (1845-1900) foi um dos mais importantes escritores do Realismo em Portugal, dentre as suas principais obras estão: O Crime do Padre Amaro (1875), O Primo Basílio (1878), O Mandarim (1879), Relíquia (1887) e Os Maias (1888).

 

Queiroz

 

Fabrício Queiroz, amigo pessoal de Jair Bolsonaro desde 1984, quando serviram no 8º Grupo de Artilharia de Campanha Paraquedista, ocupava cargo de assessor de Flávio na Alerj de onde, segundo o Ministério Público do Rio de Janeiro, operava esquema de desvio de verbas por meio da chamada “rachadinha”, em que recolhia parte dos salários dos assessores de seu gabinete.

 

Entre 2014 e 2017, Queiroz movimentou R$ 7 milhões na sua conta. Em entrevista ao SBT, afirmou que o dinheiro é fruto da negociação de carros usados.

 

Além de Queiroz e seus familiares, também trabalhavam no gabinete de Flávio Bolsonaro, familiares de milicianos, como a esposa e mãe de Adriano Magalhães da Nóbrega (que está foragido), chefe do Escritório do Crime, central de assassinos de aluguel. Um dos assassinos da vereadora Marielle Franco, Ronnie Lessa, faz parte dessa milícia.

 

O Escritório do Crime atua a partir da região de Rio das Pedras, controlada pelos milicianos, onde Queiroz foi localizado após o caso vir à tona.

imprecionatne

Abraham Weintraub, o “imprecionante”

imprecionatne

 

Assim como também é impressionante a ignorância de integrantes deste governo

O ministro da Educação, Abraham Weintraub, foi alvo de piadas na quarta-feira (08) depois de escrever “imprecionante” em vez de “impressionante” em resposta a uma publicação do deputado Eduardo Bolsonaro (sem partido) no Twitter. Avisado, o ministro apagou o tuíte com o a nova palavra rapidamente.

Só que não adiantou ele sair desesperado para apagar a postagem. Já era tarde. A preciosidade do vernáculo do ministro já tinha sido capturada pelos internautas.

A ignorância do ministro da Educação, o bolsonarista Abrahan Weintraub, caiu na rede e viralizou.

“O ministro da Educação escrevendo ‘imprecionante’ é o reflexo da realidade da educação brasileira”, escreveu uma usuária indignada.

“Caro @BolsonaroSP, agradeço seu apoio. Mais imprecionante [sic]: não havia a área de pesquisa em Segurança Pública. Agora, pesquisadores em mestrados, doutorados e pós-doutorados poderão receber bolsas para pesquisar temas, como o mencionado por ti, que gerem redução da criminalidade”, publicou Weintraub.

A publicação de Eduardo era um comentário a um tuíte anterior do ministro. Citando Weintraub e Sergio Moro (Justiça), o deputado diz que o Brasil nunca teve uma pesquisa feita por órgão oficial sobre o uso defensivo de armas de fogo.

“Só existiu [estudo sobre] uso ofensivo para exatamente demonizá-las. Seria interessante apoiar um projeto assim, caso haja oportunidade”, sugere.

Ministros @AbrahamWeint e @SF_Moro nunca tivemos no Brasil uma pesquisa feito por órgão oficial sobre o uso defensivo de armas de fogo. Só existiu uso ofensivo para exatamente demonizá-las. Seria interessante apoiar um projeto assim, caso haja oportunidade.

STF censura

STF derruba censura de vídeo do ‘Porta dos Fundos’

STF censura

 

O Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou a censura imposta pelo desembargador Benedicto Abicair ao filme “Especial de Natal Porta dos Fundos: A Primeira Tentação de Cristo”.

A decisão do presidente do STF, o ministro Dias Toffoli, considera que não é de se supor, contudo, “que uma sátira humorística tenha o condão de abalar valores da fé cristã, cuja existência retrocede há mais de 2 (dois) mil anos, estando insculpida na crença da maioria dos cidadãos brasileiros”.

Ele também citou que no julgamento da ADPF nº 130, o STF se debruçou “com percuciência sobre a temática, ressaltando, na ocasião, a plenitude do exercício da liberdade de expressão como decorrência imanente da dignidade da pessoa humana e como meio de reafirmação/potencialização de outras liberdades constitucionais”.

A empresa protocolou no Supremo uma reclamação diante da censura imposta pelo TJ do Rio. “Nós apoiamos fortemente a expressão artística e vamos lutar para defender esse importante princípio, que é o coração de grandes histórias”, aponta nota da plataforma Netflix.

Até hoje a Netflix só havia sido censurada na Arábia Saudita, também por motivo religioso.

Na ação, a defesa da Netflix afirma que “isso constitui patente censura prévia emanada do Poder Judiciário a veículo de comunicação social que dissemina, na obra objeto da ação civil pública, conteúdo artístico – expressamente vedado pela Constituição, nos termos do art. 220, §2º”.

O desembargador Benedicto Abicair, da 6ª Câmara Cível do Rio de Janeiro (RJ) exigiu a retirada do ar do “Especial de Natal Porta dos Fundos: A Primeira Tentação de Cristo” para, segundo ele, “acalmar ânimos”.

A determinação da retirada do vídeo do ar ocorreu após liminar concedida a uma ação da Associação Centro Dom Bosco de Fé e Cultura. Em primeira instância, o pedido havia sido negado.

“Por todo o exposto, se me aparenta, portanto, mais adequado e benéfico, não só para a comunidade cristã, mas para a sociedade brasileira, majoritariamente cristã, até que se julgue o mérito do Agravo, recorrer-se à cautela, para acalmar ânimos, pelo que concedo a liminar na forma requerida”, disse o desembargador em seu parecer.

O vídeo de 46 minutos de duração da produtora Porta dos Fundos está disponível na plataforma desde o início de dezembro. No dia 24 de dezembro, a sede do Porta dos Fundos foi atacada com “coquetéis molotov” em retaliação ao especial. Um grupo de integralistas assumiu a autoria do ataque.

Um dos autores do ato terrorista que já foi identificado, Eduardo Fauzi, fugiu do país um dia antes de ter o pedido de prisão decretado. 

O Ministério da Justiça do governo Bolsonaro e o Itamaraty negaram oficialmente que esteja em andamento um pedido de extradição ter dado prosseguimento a pedido de extradição do criminoso.

Eduardo Fauzi permanece na Rússia, onde, segundo ele, visita a namorada. Em vídeo publicado nas redes sócias, ele comemorou a censura ao filme do Porta dos Fundos. “Estou muito feliz. Anauê!”, diz Eduardo Fauzi, após confessar a autoria do ataque terrorista afirmando: “O Brasil tem macho para defender a igreja de Cristo e a Pátria brasileira”.

Para a OAB, censura de vídeo é equivocada

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Felipe Santa Cruz, criticou duramente a decisão do desembargador Benedicto Abicair.

Para Santa Cruz, no conflito entre a liberdade religiosa e a liberdade de expressão, é preciso garantir a segunda. “Ela é fundamental para vida democrática”.

Na sua conclusão, o desembargador Abicair diz considerar “mais adequado e benéfico” para a sociedade brasileira “majoritariamente cristã” que o programa seja retirado do ar até que se julgue o mérito da ação promovida pela Associação Centro Dom Bosco de Fé e Cultura.

Felipe Santa Cruz salienta que o desembargador “na verdade está dando razão a um pensamento que já gerou um ato de violência que ainda não foi coibido pelas autoridades, porque os autores não foram identificados em sua totalidade (o atentado com coquetel molotov à sede do Porta dos Fundos). O desembargador está julgando os artistas monocraticamente”.

O presidente da OAB considera que a decisão foi equivocada e espera que seja revista. “Não posso só permitir que transite na sociedade aquilo que me agrade ou agrade à maioria”, diz ele. “Muito pelo contrário: o direito serve para garantir que a minoria se expresse”.

A natureza dos governos de Lula e Dilma

Luiz Filgueiras: momento conjuntural específico do modelo dependente “foi ‘vendido’ politicamente pelo PT e o Governo Lula como sendo um novo padrão desenvolvimento” (foto: AFP)

 

Nesta página, publicamos a segunda parte do texto que o economista, e professor da Universidade Federal da Bahia, Luiz Filgueiras, em 2015, elaborou, com o título “Notas para a análise de conjuntura” (v. Texto para Discussão nº 015/2015, do Instituto de Economia da UFRJ).

Esta parte, bem além do que era específico daquela conjuntura, expõe algumas questões de natureza mais estrutural – ou, até mesmo, estratégicas – que são válidas (e como são!) para hoje.

É, portanto, um subsídio importante ao debate de hoje, quando o retrocesso bolsonarista demanda clareza para enxergar os caminhos de superá-lo.

Quanto àquela conjuntura, após o estelionato eleitoral do PT e durante a terra arrasada que Dilma e seu ministro da Fazenda, Joaquim Levy, provocaram no país, escreve o professor Filgueiras: “O Partido dos Trabalhadores, suas Direções e o Lulismo são os responsáveis fundamentais, principais, pela recente ofensiva política da direita e a ampliação e difusão de sua ideologia e dos seus valores na sociedade brasileira”.

Ainda que essa colocação possa ser observada por vários aspectos, tomemos, aqui, uma dessas questões – uma questão ideológica, de valores na sociedade brasileira.

Já mencionamos, outras vezes, como a “ideologia da nova classe média”, além de ser uma fraude, revelava, também, uma alergia, tão escandalosa quanto ridícula, aos trabalhadores.

O que revelam trechos de arengas do tipo “o Brasil virou um país de classe média” (Dilma, 03/06/2013); “queremos continuar a ser um país de classe média” (Dilma, 18/08/2014); ou, do próprio Lula: “levamos mais de 40 milhões para a classe média” (Le Monde, 17/05/2018); ou, mais recente ainda, “há 10 anos classe média virava maioria no país” (Instituto Lula, 01/08/2018)?

Revelam que, para essa gente, ser trabalhador é uma maldição. Ou uma vergonha – ou os dois. Usar o nome “trabalhadores” é, portanto, proclamar que o ideal de vida do trabalhador é deixar de ser trabalhador – para ser, pelo menos, classe média. Ou talvez mais – porém, deixaremos para outra oportunidade a discussão desse “mais”.

Alguns amigos, que conhecem Lula e Dilma mais de perto, diriam que isso revela apenas (ou também) que eles são capazes de dizer qualquer coisa, contanto que achem que lhes favorece. Mas também não discutiremos, aqui, essa questão.

Estamos apenas apontando o reacionarismo de tal concepção – aliás, adotada do sr. Marcelo Neri, a quem ninguém até hoje negou suas credenciais de reacionário de quatro costados (até contra o salário mínimo o sujeito é; por exemplo: “existem evidências preliminares, para o caso brasileiro, de que aumentos do salário-mínimo provocam não só reduções de emprego como queda de qualidade dos postos de trabalho”).

Apesar disso, ou por causa disso, Neri foi nomeado por Dilma para presidente do IPEA e para ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos (neste último cargo, tanto no primeiro, quanto no segundo mandato).

Examinando esse tipo de questão, escreve Luiz Filgueiras:

O transformismo político, individual e/ou de grupos, se caracteriza pela incorporação, pelas forças contra hegemônicas, do ideário político da ordem – passando a defendê-lo e a operacionalizá-lo na prática, mas mantendo um discurso e uma retórica que lembram ainda a sua atuação passada, mas já fora de lugar. Mas o transformismo político é acompanhado, necessariamente, pelo transformismo ideológico, ético e operacional.”

Onde mais é clara essa questão é, exatamente, quando se analisam os

governos de Lula e Dilma (CL).

LUIZ FILGUEIRAS*

No Brasil, as políticas e reformas neoliberais iniciadas a partir do Governo Collor acabaram por constituir um padrão de desenvolvimento capitalista que pode ser denominado como sendo Liberal-Periférico. Esse padrão se aprofundou durante os Governos de FHC e se consolidou durante os Governos Lula e Dilma.

As características estruturais fundamentais desse padrão, que o diferencia do padrão anterior – o conhecido Modelo de Substituição de Importações -, podem ser resumidas em cinco pontos:

1. A relação capital/trabalho teve a sua assimetria aumentada a favor do primeiro, em razão da reestruturação produtiva e da abertura comercial – que implicaram o crescimento do desemprego estrutural, do trabalho informal, da terceirização e da precarização do trabalho em todas as suas dimensões. Como consequência, a capacidade de organização, mobilização e negociação dos sindicatos se reduziu dramaticamente.

2. As relações intercapitalistas, em razão da abertura comercial e financeira e das privatizações, foram redefinidas, alterando-se a posição e a importância relativa das distintas frações do capital no processo de acumulação e na dinâmica macroeconômica: o capital financeiro (nacional e internacional) passou a ocupar posição dominante, deslocando a antiga hegemonia do capital industrial; o capital estatal perdeu relevância em favor do capital estrangeiro; e fortaleceram-se grandes grupos econômicos nacionais produtores/exportadores de commodities e o agronegócio.

3. A inserção internacional do país na nova divisão internacional do trabalho se alterou para pior, aumentando a sua vulnerabilidade externa. De um lado, a pauta de exportação do país se reprimarizou e se aprofundou o processo de desindustrialização iniciado ainda na década de 1980. De outro, cresceu dramaticamente a sua dependência financeira, fragilizando o Estado e reduzindo fortemente a sua capacidade de fazer política macroeconômica. Tudo isso decorreu da abertura comercial e financeira que também alimentou a desindustrialização do país e o crescimento da dívida pública.

4. O papel e a importância do Estado, no processo de acumulação e na dinâmica macroeconômica, se alteraram – em virtude do processo de privatização e da abertura financeira. O Estado fragilizou-se financeiramente e perdeu capacidade de regular a economia e de implementar políticas macroeconômicas e de apoio à produção.

5. Por fim, em razão de todas essas mudanças, e ao mesmo tempo alimentando-as, constituiu-se um novo bloco no poder, sob a hegemonia do capital financeiro, que passou a ditar as políticas fundamentais do Estado.

Em suma, o padrão é liberal porque foi constituído a partir da abertura comercial e financeira, das privatizações e da desregulação da economia, com a clara hegemonia do capital financeiro – frente às demais frações do capital. E é periférico porque o neoliberalismo assume características específicas nos países capitalistas dependentes, que o torna mais regressivo ainda quando comparado à sua agenda e implementação nos países capitalistas centrais.

Do ponto de vista da dinâmica macroeconômica, a característica fundamental desse padrão de desenvolvimento capitalista, que aprofundou ainda mais a dependência tecnológica e financeira do país, se expressa na sua extrema instabilidade e em uma grande vulnerabilidade externa estrutural – que acompanham de perto as alterações cíclicas da economia internacional. Esse padrão de desenvolvimento, com as características estruturais aqui mencionadas, iguala todos os governos brasileiros que se sucederam a partir de 1990.

No entanto, esse padrão de desenvolvimento, desde a sua constituição, e a depender da conjuntura econômica internacional, passou por distintos regimes de política macroeconômica: a âncora cambial do Plano Real no primeiro Governo FHC, o tripé macroeconômico (metas de inflação, superávit fiscal primário e câmbio flutuante) rígido no segundo Governo FHC e em parte do primeiro Governo Lula e, por fim, esse mesmo tripé flexibilizado no segundo Governo Lula e no primeiro Governo Dilma. Mais recentemente, a partir do segundo Governo Dilma retornou-se à aplicação rígida desse tripé.

Esses distintos regimes, cujas vigências dependem decisivamente da conjuntura internacional e que refletem prioridades e vantagens diferentes no que se refere às distintas frações do capital, sempre implicam em alguma acomodação do bloco no poder. Portanto, são esses regimes de política macroeconômica que diferenciam os dois Governos de FHC, de um lado, e os dois Governos de Lula e o primeiro de Dilma de outro – apesar de todos eles se assemelharem, ao aceitarem e promoverem o Padrão de Desenvolvimento Capitalista Liberal-Periférico.

O “boom” econômico internacional nos anos 2000, só interrompido pela crise mundial deflagrada em 2008, permitiu, em razão da redução da vulnerabilidade externa conjuntural do país, a flexibilização (relaxamento) do tripé macroeconômico. Essa flexibilização, associada a outras políticas adotadas principalmente a partir do final do primeiro Governo Lula – Bolsa Família, aumento real do salário mínimo e um programa de habitação popular -, teve como consequência a elevação das taxas de crescimento do país e a redução das taxas de desemprego, assim como a diminuição da pobreza absoluta e uma pequena redução da concentração de renda no interior dos rendimentos do trabalho.

A melhora desses e de outros indicadores veio acompanhada de uma inflexão do bloco no poder, na qual o capital financeiro sofreu um deslocamento em sua hegemonia absoluta, tendo que admitir o crescimento da influência de outras frações do capital na condução do Estado: o agronegócio, o capital produtor e exportador de commodities, as grandes empreiteiras e os grandes grupos do comércio varejista; em suma a chamada burguesia interna, que passou a ser objeto prioritário das políticas do Estado, em especial através do BNDES, do Banco do Brasil, da Caixa Econômica Federal e da Petrobrás. E tudo isso, apoiado em um maior protagonismo do Estado, pôde ser feito sem atingir os interesses fundamentais do capital financeiro.

Esse momento conjuntural específico do Padrão de Desenvolvimento Liberal Periférico – produto de uma conjuntura internacional favorável e caracterizado por um regime de política macroeconômica que flexibilizou o chamado “tripé”, reacomodou as distintas frações do capital no interior do bloco no poder e permitiu incorporar, via mercado e de forma passiva, determinadas demandas populares -, foi “vendido” politicamente pelo PT e o Governo Lula como sendo um novo padrão desenvolvimento, denominado por eles de Neodesenvolvimentismo (desenvolvimento com distribuição de renda e inclusão social) – que teria superado o Padrão Liberal Periférico característico dos Governos Collor e FHC.

No entanto, a crise mundial do capitalismo deflagrada em 2008, com a consequente piora da conjuntura internacional, desmentiu categoricamente essa ilusão. Ela inicialmente dificultou e, depois, acabou por inviabilizar a continuação da flexibilização do tripé macroeconômico e a compatibilização dos interesses divergentes das distintas frações do capital e dos distintos setores populares. Com isso, a fragilidade e reversibilidade dos pequenos benefícios conjunturais concedidos à classe trabalhadora vieram à tona, com o retorno do tripé macroeconômico em sua versão rígida e a ameaça de novas reformas neoliberais e aprofundamento das já efetivadas. Não há como desconhecer: sem as reformas estruturais democráticas, abandonadas pelo PT no seu processo de transformismo, não pode haver mudanças essenciais na situação da classe trabalhadora.

Desse modo, não se pode ter qualquer ilusão a respeito da capacidade do Padrão de Desenvolvimento Capitalista Liberal Periférico de resolver os problemas e atender as necessidades da classe trabalhadora; nem tampouco ter dúvidas da natureza apassivadora dos Governos Lula e Dilma – que despolitizam a classe trabalhadora e incorporam, via mercado, sem qualquer mudança estrutural e muito parcialmente, algumas de suas demandas.

(*) Professor da Faculdade de Ciências Econômicas da UFBA; Doutor em Economia pela Unicamp.

Publicado no Jornal Hora do Povo

Ideologia, polêmica e paralisia marcam MEC sob Weintraub

 

Em quase 12 meses, a pasta computa precária articulação com as secretarias de educação pelo país e a baixa execução orçamentária de recursos federais

Protestos, convocações no Congresso, processos judiciais e apuração no Conselho de Ética da Presidência são o principal fruto da gestão do ministro Abraham Weintraub na Educação sob o primeiro ano de Jair Bolsonaro. Preterida por declarações polêmicas, a gestão da pasta travou a política educacional do país, afirmam especialistas. Com isso, não se cumpriu, no primeiro ano, a promessa do presidente Jair Bolsonaro de priorizar a educação infantil e os ensinos fundamental e médio –a educação básica.

Em quase 12 meses de governo, a pasta computa uma precária articulação com as secretarias de educação pelo país e a baixa execução orçamentária de recursos federais.

Os resultados esperados de Weintraub, que após disputas internas substituiu em abril Ricardo Vélez Rodríguez (cria do escritor Olavo de Carvalho), ainda não vieram. O que se viu foi a intensificação de discurso ideológico e a beligerância em redes sociais.

Os números oferecem um retrato do MEC (Ministério da Educação) sob Bolsonaro. A pasta havia empenhado, até a semana passada, 79% do orçamento da educação básica para áreas como transporte escolar, construção de escolas e compra de livros didáticos. A parcela de fato paga foi de 68%, ou R$ 6,5 bilhões de um orçamento de R$ 12,2 bilhões.

Para este ano, estão empenhados R$ 58 milhões para construção de creches pelo programa Proinfância, ou 13% do que foi gasto em 2018. É o menor investimento pelo menos desde 2013.

“Discutir ideologia não garante orçamento nem que a rotina escolar seja mantida de forma a atender todo mundo”, diz a pesquisadora em educação da PUC-SP Mônica Gardelli Franco, que lamenta o abandono das metas do Plano Nacional de Educação.

As ações do ministro, contudo, seguem a direção oposta.

Em maio, ele surgiu em vídeo de guarda-chuva em punho, dançando para ironizar notícias de cortes na pasta: “Está chovendo fake news”, dizia, sem comentar que seu ministério retivera R$ 926 milhões para arcar com emendas parlamentares negociadas para a aprovação da reforma da Previdência (o MEC insiste que não há mais bloqueios).

O nível de execução orçamentária é baixo, a menos que tudo mude até este dia 31. O FNDE afirma que a gestão orçamentária não interrompeu os programas para a educação básica, e lembrou que “o exercício financeiro de 2019 ainda está em curso, de tal forma que os programas ainda estão sendo executados pelo MEC e parte das despesas apresentam sazonalidade”.

Nada indica, entretanto, que essa guinada ocorra: em ações como o Apoio à Infraestrutura para a Educação Básica gastaram-se efetivamente 2% do orçamento –30 milhões de R$ 1,7 bilhão previsto. No PDDE (Programa Dinheiro Direto na Escola), foi empenhado 52% do orçamento de R$ 2 bilhões (e pagos 49%).

Vêm do PDDE recursos para obras, programas de alfabetização e educação integral. A pasta promete chegar a R$ 1,96 bilhão até o fim deste exercício, mas o dinheiro seria usado apenas em 2020.

“Isso [esse cenário] gerou uma dificuldade muito grande aos municípios, porque os programas foram descontinuados ou desidratados”, diz Luiz Garcia, presidente da Undime (entidade que reúne secretários municipais de Educação), para quem falta ao MEC planejamento e clareza.

Ele destaca melhora na interlocução com o secretário de Educação Básica, Janio Macedo, mas mostra preocupação com a ausência de diretrizes para a educação infantil e a paralisia na alfabetização.

Só devem aparecer a partir de 2020 os efeitos de projetos anunciados como a Política Nacional de Alfabetização –ainda sem detalhes de implementação– e o programa para ampliar o ensino técnico –para o qual o MEC promete criar de 1,5 milhão de vagas até 2023, mas delega a execução aos estados sem previsão de orçamento federal.

A ausência de um plano dificulta a execução das políticas públicas, avalia Alexandre Schneider, pesquisador visitante da Universidade Columbia (EUA) e colunista do jornal Folha de S.Paulo. Para ele, que já foi secretário municipal de Educação de São Paulo, sobram ações desordenadas ou pontuais, como a criação de 54 escolas cívico-militares em 2020.

“Há um desejo de romper, mas sem um plano para colocar algo no lugar. O ministério também não se dedicou a questões estruturantes e foi ausente no Fundeb [mecanismo de financiamento da educação básica e cuja renovação não avançou no Congresso].”

O pesquisador vê “um ano perdido na educação”.

Entre suas realizações em 2019, o MEC criou uma carteira de estudante digital para esvaziar a UNE (União Nacional dos Estudantes) e enviou carta às escolas com princípios similares aos do movimento Escola Sem Partido.

Muito dos planos e das promessas se dissiparam em meio às turbulências da pasta, na qual nenhuma área relevante passou incólume.

As mudanças de chefia atingiram o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, responsável pelo Enem), o FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) e a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior).

Mas foi o ensino superior o principal foco de polêmicas envolvendo Weintraub, cuja estreia foi marcada pela declaração de que cortaria verbas de universidades federais que promovessem “balbúrdia” (bagunça).

Bloqueios de verba provocaram, em maio, a maior mobilização contra o governo Bolsonaro. Acusações recentes de haver plantações de maconha em universidades renderam ao ministro processo movido pela Andifes (associação de reitores) e uma convocação na Câmara, na qual não abrandou o tom.

Ainda assim, os repasses para o ensino superior superaram os da educação básica, chegando a 97% de empenho e 86% de execução.

Em julho, foi anunciado o Future-se, que prevê fortalecer o financiamento privado nas federais e as parcerias com organizações sociais. Mas o texto ainda não foi enviado ao Congresso nem tem prazo para sê-lo, segundo o MEC, que afirma que o tema está em análise técnica.

A permanência no cargo de C, que está de férias, tem sido questionada por aliados. Bolsonaro, entretanto, diz que não pretende demiti-lo.

ESTADO DA EDUCAÇÃO

Maioria de medidas anunciadas só terá ações efetivas a partir de 2020

– Alfabetização

Dita prioridade da gestão, a implementação da nova política nacional é uma incógnita. Três ações foram tomadas: a publicação de um decreto que prioriza método fônico, o lançamento de caderno com as premissas da política e um projeto para pais lerem para os filhos;

– Educação infantil

Não foi apresentado projeto para creche e pré-escola;

– Ensino técnico

O projeto Novos Caminhos, promete criar 1,5 milhão de vagas no ensino técnico profissionalizante até 2023, mas depende de ação estados, municípios e escolas privadas;

– Escola Cívico-Militar

Plano visa converter 54 unidades para o modelo cívico-militares em 2020 e prevê atuação de oficiais. Sem a adesão de vários estados, mais da metade do orçamento do programa, de R$ 54 milhões, será usado para pagamento de militares;

– Ensino em tempo integral

Projeto Educação em Prática, anunciado em novembro, prevê usar espaços ociosos em faculdades privadas para ampliar a carga horária dos estudantes de escolas públicas. A sugestão veio do setor privado, que receberá como contrapartida bônus na avaliação de faculdades;

– Enem

O exame ocorreu sem problemas, apesar da convulsão no Inep. O governo promoveu varredura ideológica no banco de questões, mas não divulgou o que descartou. Em 2020, começará o projeto-piloto do Enem digital;

– Ensino superior

Alvo de ataques do ministro, as universidades federais sofreram bloqueio de recursos até terem 100% da verba de custeio liberada em outubro. A aposta é o Future-se, que prevê fomentar o financiamento privado e a atuação de organizações sociais, mas o não chegou ao Congresso;

– Pesquisa

Governo cortou 8% das bolsas de pesquisa bancadas pela Capes, ou 7.590 benefícios.

PAULO SALDAÑA

Publicado no Jornal Folha de S. Paulo

Introdução ao bolsonarismo cultural: Elogio da Loucura e da Picaretagem

Jair Bolsonaro, expondo o seu preparo intelectual – e cultural (Sergio Lima/AFP)

 

VALÉRIO BEMFICA – Presidente do CPC-UMES

 

Em 1511 o humanista Erasmo de Rotterdam escrevia “Elogio da Loucura”, obra satírica em que o autor demonstra que não é a Razão que está governando o mundo dos homens, mas a Loucura. Pegamos o título emprestado, mas, cinco séculos depois, para descrever acontecimentos do governo do capitão-messias, precisamos acrescentar a picaretagem como corregente da realidade. Há alguns dias utilizávamos o espaço do HP para denunciar o abandono das estruturas do antigo Ministério da Cultura, que haviam sido “esquecidas” no Ministério da Cidadania, enquanto a Secretaria Especial de Cultura tinha sido alocada à sombra dos laranjais do Ministério do Turismo. Escrevemos então, tentando imaginar os motivos do olvido:

“De que serve uma fundação que não lança editais exclusivamente para a arte evangélica, com ênfase na teologia da prosperidade? Ou um instituto que não eleve o Templo de Edir Salomão à condição de patrimônio brega, quer dizer, cultural da humanidade? Ou uma biblioteca que não tenha alas inteiras dedicadas ao astrólogo de Richmond? De que serve uma fundação que estuda o pensamento brasileiro e que não apoiou a principal atividade intelectual que esta turma promoveu, a saber, a Convenção Brasileira de Terraplanismo? Que dizer então de uma fundação que não controla a quantidade de arrobas que cada quilombola pesa? Ou um monte de museus que ignorem os elaboradíssimos memes criados pela intelectualidade whatsapiana amiga do Carluxo? E uma agência que ainda não teve a brilhante ideia de financiar um reality show chamado “Empreguinho Bom”, comandado pelo Queiroz, a ser exibido na TV do Bispo? Dinheiro posto fora!”

Nos últimos dias fomos recebendo notícias sobre a ocupação dos principais cargos da estrutura ora comandada por um certo Alvim (nada a ver com os esquilos), cidadão em surto psicótico com manifestações paranoides (enxerga comunistas embaixo da cama, dentro do armário, nas coxias dos teatros, fungando no seu cangote…). Pensamos, de início, que tínhamos parcela de culpa, por ter despertado o cidadão: cutucamos a anta com vara curta! Mas este artigo não é, caro leitor, um pedido de desculpas. Refletindo melhor, logo ficamos com a consciência tranquila. No máximo a nossa provocação serviu para a bozolândia chamar seus principais intelectuais para tentar dar um lustro ao seu desastre administrativo. Seria impossível para nós contribuir de alguma forma com as barbaridades que a turma olavista da cultura está perpetrando. O leitor duvida? Vejamos então o escrete escalado por Bob Alvim para cuidar da Cultura brasileira:

Na Funarte, um certo Dante Mantovani, maestro. Não sabemos se ele lançará “editais exclusivamente para a arte evangélica”, como havíamos ironicamente sugerido. Mas, em seu site na internet, o regente destaca que seu trabalho “Tem dado ênfase à criação de grupos corais religiosos na Igreja Católica, priorizando o resgate das Tradições Litúrgicas e do Canto Gregoriano”. O chefe Olavo nunca foi mesmo muito fã dos neopentecostais (na verdade sempre dirigiu a eles impropérios variados) e preferiu indicar um aluno mais próximo dos Arautos do Evangelho. Disse o tal Dante: “Canto Gregoriano em latim para crianças. É nisso que eu acredito!”. Seus altos conhecimentos de Filosofia Política Olaviana permitem-lhe fazer revelações bombásticas: os Beatles vieram para implantar o comunismo, John Lennon tinha um pacto com o diabo, Elvis Presley era produto de agentes soviéticos infiltrados na CIA. E tudo isso sob a regência de Theodor Adorno e seus cúmplices da Escola de Frankfurt. Não, amigo leitor, não estamos brincando. O cidadão falou isso mesmo!

Com relação à bicentenária Fundação Biblioteca Nacional, perguntávamos qual a utilidade para o governo do capitão-messias de “uma biblioteca que não tenha alas inteiras dedicadas ao astrólogo de Richmond?” Resolveram a questão! Chamaram para ocupar a sua presidência um certo Rafael Alves da Silva, dit Rafael Nogueira, discípulo do astrólogo e, como ele, “Aspirante a filósofo e a polímata”. Deu aulas de “Geografia, Ética e Cidadania, Empreendedorismo, Sociologia, Inglês, Redação, História e Filosofia, Humanidades e Redação para Enem e vestibulares”. Comenta-se, também, que o polímata é versado em etiqueta, corte e costura, culinária e javanês. Juram seus amigos que o rapaz tem grande habilidade com livros, valendo-se deles como calço de mesa. Para completar o currículo, acrescente-se que o muar é defensor da monarquia. Vislumbra-se, porém, algum conflito com o presidente da Funarte: o moço declarou-se roqueiro, fã da banda de power metal Angra e lamentou profundamente a morte de seu guitarrista, André Matos. Ou seja, é um comunista em potencial. Talvez seja necessário um desencapetamento conduzido pela Damares para que ele seja incorporado definitivamente aos quadros do governo.

Para a Fundação Cultural Palmares o escolhido foi o capitão do mato Sérgio Nascimento de Camargo. Renegado pela família de ativistas da causa negra, o mau crioulo defendeu as vantagens da escravidão, que teria enriquecido negros na África e sido benéfica para os descendentes dos sequestrados. Ignorando os mais de três séculos de luta e resistência, propugnou a extinção do movimento negro, xingou Zumbi e negou a existência de racismo no Brasil. Para os padrões bolsonaristas, deu uma derrapada, ao afirmar que racismo de verdade existe é nos EUA. Mas nada que um puxão de orelha do tio Olavo não resolva. Para não deixar dúvidas sobre sua alta capacidade de tratar dos assuntos de cultura e arte, cravou em seu twitter em 30 de agosto: “Não gosto dos artistas brasileiros. São parasitas e inimigos do País; deveriam estar na cadeia!“. Em breve, deve anunciar medidas para controlar “a quantidade de arrobas que cada quilombola pesa”. Mas as mudanças não param por aí…

Os esforços pelo resgate do audiovisual brasileiro começaram! Uma certa Katiane de Fátima Gouvêa, também conhecida como Katiane da Seda (o tecido, não o invólucro para o cigarrinho do capeta!), dona de 960 votos na última eleição para a Câmara Federal, orgulhosa integrante da Cúpula Conservadora das Américas e amiguinha do zero à esquerda, Dudu Bolsonaro. Não consta em seu currículo que tenha ido algum dia ao cinema, nem para ver o filme do Bispo. Parece que ajudou a elaborar um dossiê que reclamava do ataque à moral e aos bons costumes nos projetos aprovados pela Ancine.

Para colocar nos eixos o cinema nacional, coisa que desde a Cinédia, passando pela Atlântida, pela Vera Cruz, pelo Cinema Novo, pela Embrafilme, pela retomada, por centenas de prêmios internacionais, milhares de filmes e profissionais mundialmente reconhecidos, ninguém conseguiu, ela será auxiliada pelo colunista social televisivo Edilásio Barra Júnior, cognominado Tutuca. Digamos, em seu benefício, que este tem contato com as artes e com a cultura. Seu pai chegou a empresariar Waldik Soriano e ele chegou a fazer pontas em uma novela e trabalhar como dançarino em um programa de auditório. Suas investidas na área espiritual não deram muito certo e teve de encerrar as atividades de sua Igreja Continental do Amor de Jesus (o cara conseguiu falir uma igreja evangélica!). Sua empresa, a VIP Empreendimentos Artísticos, faz de tudo um pouco, de assessoria a empresas e campanhas políticas até “contratação do buffet, decoração, palco, iluminação, som, dj’s, cantores, atores e banda para melhor realização do evento”. Além de um belo estipêndio, Tutuca será responsável pela gestão do Fundo Setorial do Audiovisual, coisa de R$ 800 milhões anuais. O suficiente para “se financiar um reality show chamado “Empreguinho Bom”, comandado pelo Queiroz, a ser exibido na TV do Bispo”, como vaticinávamos.

Para cuidar de nosso patrimônio histórico os olavistas escalaram um craque: Olav Schrader, militante do Movimento Brasil Real e ligado à Associação dos Moradores do Bairro Imperial de São Cristóvão. Os grifos não são à toa, leitor. O tipinho, bastante blasé, é monarquista de carteirinha. Em recente reportagem de O Globo, sobre a inauguração de seu empreendimento gastronômico, além de discorrer sobre sua interessante vida pelos salões europeus, ele revelou seus planos para “reproduzir a ceia organizada pela Imperatriz Leopoldina e por José Bonifácio, em homenagem a Dom Pedro I, assim que ele retornou de São Paulo, após proclamar a Independência”. Em seu favor poderíamos dizer que foi autor de um texto (o único entre as hostes do capitão-messias) lamentando o incêndio do Museu Nacional. Com um pouco de atraso, é verdade (um ano). E tendo por principal reclamação não o incêndio em si, mas o fato de o espaço ter sido descaracterizado pela República: “O Palácio também foi sede do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, a única Corte do Novo Mundo. Mas onde nasceu uma Rainha de Portugal, haverá talvez um meteorito sob aço e vidro.”, escreveu o cidadão. Ou ainda: “A grande Capela Imperial dentro do Palácio, derrubada à marretadas pela universidade para acomodar esqueletos de dinossauros, já nem em memória mais existe.” Sua endinheirada família está procurando pechinchas no bairro imperial para restauro. Visando, é claro, transformá-los depois em lucrativos empreendimentos. Imagine-se o que será feito com o patrimônio histórico nacional (principalmente o que não puder ser transformado em elogio à monarquia). E o tombamento do Templo de Edir Salomão já está no papo.

Para comandar a Secretaria de Fomento e Incentivo à Cultura (Sefic) foram buscar em Ribeirão Preto um certo Camilo Calandreli, cantor lírico e fundador do Simpósio Nacional Conservador. Declarou que “Ser cristão, conservador, contra aborto, a favor da vida, contra doutrinação ideológica nas escolas, menino ser menino e menina ser menina não é ser radical”. Ficamos aliviados… A principal tarefa da Sefic é coordenar a Lei de Incentivo à Cultura, mais conhecida como Lei Rouanet. Mas, segundo o novo secretário, ela “passou a ser utilizada como mecanismo de ideologização política”, e foi apropriada pelo “marxismo cultural”. E disse isso sem ter bebido água-benta e nem cheirado incenso! Graças ao luminar descobrimos que Itaú, Bradesco, Cielo e Arcelor Mittal (alguns dos maiores patrocinadores de 2018) injetaram milhões no financiamento ao comunismo, através das ações subversivas do Masp, da Orquestra Sinfônica Brasileira, da Fundação Bienal de São Paulo.

A Fundação Casa de Rui Barbosa, importante centro de debates e produção de conhecimento no Brasil foi entregue à célebre intelectual Letícia Dornelles. Quem??? Ela mesma, a roteirista dos humorísticos “Partiu Shopping” e “Treme Treme”! Ainda não ligou o nome à pessoa? Letícia é a autora do best-seller “Como Enlouquecer em Dez Lições”! Nada ainda? Tá bom: a moça é apadrinhada política do deputado e pastor Marco Feliciano, respeitável intelectual e recentemente convertido ao olavismo. Questionado por um inocente se o nome da moça era mesmo adequado, o combativo deputado sapecou: “a Fundação Rui Barbosa (sic) não precisa de mais um acadêmico, já tem muitos. Precisa de sangue novo”. Animada, a moça declarou que vai “acelerar as palestras, que hoje são muito acadêmicas”. Provavelmente vai convidar os novos coleguinhas para desfilarem seus conhecimentos sobre a monarquia e a terra plana, em um evento organizado pelo Tutuca. Pobre Águia de Haia…

Só mais um pouco de paciência, estimado leitor. Para finalizar a patota, mestre Alvim indicou a reverenda Jane Silva (Janícia Ribeiro Silva) para a Secretaria de Diversidade Cultural. No Twitter ela se apresenta: “Jane Silva é pacifista. PH.D. Honoris Causa em Filosofia com menção em Ciências Politica.” (assim mesmo: sem acento e no singular). Quem terá concedido a titulação Honoris Causa? Como foi feita a “menção”? Como dizia um padre na escola em que eu estudava, quando confrontado com perguntas difíceis: “estes são os mistérios da fé!” A douta evangelizadora comprova seu pacifismo militante sendo uma das entusiastas da transferência da Embaixada Brasileira de Tel Aviv para Jerusalém: “Busquei apoio incondicional pra Bolsonaro por causa da embaixada”, disse ela em agosto passado, quando até o capitão-messias tentava esquecer da promessa. Em outra página na internet ela apresenta-se como “empresária no ramo de publicidade, presidente da Comunidade Brasil Israel, uma lider em edificar pontes entre judeus e cristãos” (a falta de acento continua por conta de nossa dirigente cultural). Talvez ela considere que a paz no oriente médio tem uma solução fácil: basta eliminar os árabes e integrar judeus e cristãos!

Para o Instituto Brasileiro de Museus ainda não foi designado um novo titular. Está faltando maluco no pedaço.

Pois bem, leitor, este foi o resultado de nossa provocação. Não incluímos aqui todas as boçalidades proferidas pelos nomeados pois, ao que parece sob orientação de Alvim, eles apagaram boa parte do conteúdo de suas redes sociais e se recusaram a dar entrevistas. Se fosse um time de futebol, a equipe de Alvim perderia de goleada para o Íbis. Selecionaram os intelectuais mais preparados da turma do capitão-messias, os olavetes mais destacados, os mais brilhantes pensadores do neo-pentecostalismo para dirigir a Cultura Brasileira e foi isso que conseguiram: uma récua! Entre os homens o uso da gravata foi proibido e substituído por amplos babadores. Entre as mulheres foi dada uma instrução clara para que se contivessem e não fizessem sombra à lucidez da Damares. O ministro Abraão ficou com inveja. Nosso editor sugeriu que a situação pudesse ser um dano colateral da extinção dos manicômios, espalhando pelas ruas napoleões de hospício e profetas dos mais variados tipos, ora recolhidos e agraciados com salários de R$ 17 mil no governo do capitão-messias. É uma boa hipótese.

De qualquer forma, depois da análise dos perfis da turma, ficamos um pouco aliviados. Nossa preocupação era com a destruição de nossas instituições culturais. Mas, vendo a turma escalada para a tarefa, nos tranquilizamos. Muito antes de eles conseguirem destruir alguma coisa o atual governo já terá ido para o seu devido lugar na História. Funarte, Ipham, FCRB, Palmares, Ancine, Ibram, Biblioteca Nacional e o que restou do sistema MinC são muito mais fortes do que esta tropa.

Encerramos nosso último artigo afirmando:

“Felizmente, leitor, a história nos ensina que estes pesadelos não costumam durar muito. Não se apaga a Cultura de um povo – menos ainda uma Cultura rica e pujante como a brasileira – por decreto. A loucura e a estultice como forma de governo têm vida curta. Apedeutas só conseguem se fingir de sábios por pouco tempo. As forças vivas da Nação, os setores comprometidos da sociedade reagem e recolocam os tipos em seus devidos lugares: uns no ostracismo, outros na cadeia o resto no manicômio.”

Vendo os nomes escolhidos para tentar dar cabo da Cultura Brasileira, nossa convicção no que escrevemos aumentou.

Publicado no Jornal Hora do Povo

A autocrítica que o PT tem de realizar

Apagando a vela: Gleisi Hoffmann, Fernando Haddad, José Guimarães e Paulo Pimenta – Foto: PT/Divulgação

 

 

Disse Lula, reunido com a direção do PT, que “o PT não tem que fazer autocrítica”. Foi além: “tem companheiro do PT que também fala que tem que fazer autocrítica. Eu não vou fazer o papel de oposição”.

É uma estranha concepção – ainda que bastante habitual, mesmo rotineira, em Lula. Como é óbvio que a “oposição” ao PT não pode fazer “autocrítica” pelo PT; e que, também é óbvio, se “autocrítica” é coisa dos inimigos do PT, só resta expulsar quem acha que é justo alguma autocrítica, estamos diante de uma negação completa de qualquer autocrítica.

Se Bolsonaro chegou ao poder, a culpa é dos outros, jamais de Lula, isto é, do PT.

Mas de que autocrítica estamos falando?

O texto abaixo, publicado originalmente no Portal Disparada, tem o mérito da clareza – e, também, o da concisão.

(C.L., do Jornal Hora do Povo)

ANDRÉ LUIZ DOS REIS

(Do Portal Disparada)

1) Os governos petistas mantiveram uma macroeconomia neoliberal. Deram uma pitada de neokeynesianismo, mas a arquitetura do tripé macroeconômico de Armínio Fraga foi mantida durante todo o período;

2) A macroeconomia neoliberal desindustrializou fortemente o país e nos tornou cada vez mais dependentes da exportação de comoddities. Os momentos de ”felicidade” do governo Lula se deveram, principalmente, à alta do barril de petróleo, da soja e do minério de ferro no mercado internacional. Não é à toa que o PT foi limado no ABC paulista;

3) A expansão de empregos durante a farra das comoddities se deu em áreas de baixa qualificação. Empregos em shoppings, em comércio de rua, em construção civil. A produtividade estagnou na era Lula e decresceu com Dilma. O pleno emprego em áreas de baixa qualificação não dá suporte a nenhuma economia saudável;

4) A Era PT consolidou o maior cartel de bancos da história brasileira, que se sentiu livre para impor os juros mais extorsivos do planeta, que chegam a quatrocentos por cento no cartão de crédito. A farra do crédito caro terminou com dezenas de milhões de famílias endividadas e com o nome no SPC, travando o consumo brasileiro pela próxima década, já que ninguém se propõe a resolver o problema.

5) Os programas sociais do PT se fundamentaram na propaganda do Bolsa-Família. O Bolsa-Família é a expressão de um programa neoliberal, criado por Milton Friedman;

6) O PT vendeu para as classes populares o mito da ”nova classe média” e da integração na cidadania via consumo. Foi um dos erros mais estúpidos que já se cometeu nesse país no diálogo com essas classes, consolidando nelas um ideal consumista típico de Miami sem que tivéssemos sequer a base produtiva real para sustentá-lo a longo prazo;

7) O PT não defendeu como deveria os direitos trabalhistas e previdenciários da população. Sempre que buscou um compromisso com as classes patronais, quem sofreu foram os trabalhadores. Esse tipo de compromisso culminou no erro de Dilma em 2015, logo depois das eleições, quando retirou direitos previdenciários e teve o ”estelionato eleitoral” denunciado pela CUT em protestos públicos;

8) Boa parte da crise fiscal do governo Dilma se deveu à implantação de um Bolsa empresário e de desonerações na folha de pagamento que lhe foram pedidas pela Fiesp;

9) O PT é não só conivente com a corrupção como se aproveitou estruturalmente dela para se manter no poder. Qualquer tentativa de tapar o sol com a peneira nisso daí é conversa pra boi dormir.

10) O PT não defendeu os preços que mais interessavam aos consumidores das grandes cidades. O custo de vida se tornou monstruoso, principalmente no âmbito da energia, do transporte público. Além disso, o PT consolidou o comércio da saúde, impulsionando a indústria dos planos de saúde;

11) O PT se abraçou obsessivamente com a promoção de uma agenda de costumes contrárias à sociedade conservadora e religiosa que diz representar. Confundiu projeto nacional com proselitismo de uma agenda radical de identitarismo pós-moderno.

12) O PT se aliou e incentivou politicamente a pior escória da sociedade brasileira: Eduardo Cunha, Cabral, Temer etc. no sistema partidário; Fiesp, cartel de bancos e agronegócio no sistema produtivo; pastores evangélicos como Silas Malafaia [governo Lula] e Edir Macedo como forma de dialogar com as classes populares urbanas. Deu no que deu.

E isso é só PRA COMEÇAR.

stalker-3

6ª Mostra Mosfilm: obra prima de Tarkovsky, “Stalker” encanta os amantes do cinema autoral e artístico

stalker-3

Aclamado pela experiência visual e estética, filme de 1979 teve as sessões lotadas durante a 6ª Mostra Mosfilm 

 

O público de São Paulo lotou as duas sessões de 2 horas e 40 minutos do emblemático “Stalker” (1979), escrito e dirigido pelo diretor soviético Andrei Tarkovsky. O longa é parte da programação da 6ª Mostra Mosfilm de Cinema Russo – organizada pelo CPC-UMES Filmes e que este ano ocupou as salas do Espaço Itaú Unibanco na Rua Augusta e do Cine Olido, no centro da capital paulista.

 

A narrativa complexa e aberta a interpretações cativa espectadores pela oportunidade de ver o filme – ganhador do Prêmio Especial do Júri do Festival de Cannes de 1980 – projetada em escala cinematográfica. Stalker é aclamado pela experiência visual e estética, aspecto comum da cinematografia do soviético que dirigiu Solaris (1971), O Espelho (1975), A Infância de Ivan (1962), entre outros.

 

O oitavo filme de Tarkovsky é tido como sua obra prima e é referência do cinema autoral e artístico contemporâneo, mas herdeiro da tradição cinematográfica soviética, considerada uma das mais importantes do mundo.

 

Os ingressos a preços populares foram disputados por um público de cinéfilos e espectadores fiéis à programação da mostra. Para a segunda sessão do filme no último domingo (08), os ingressos estavam esgotados quatro horas antes da exibição.

 

Diego Migliorini, de 28 anos, soube da mostra por amigos e pegou um dos últimos assentos disponíveis para a sessão de sexta-feira, embora tenha chegado ao Espaço Itaú com 1h30min de antecedência.

 

“Já esperava que fosse lotar quando vi na programação, isso pelo que Tarkovsky representa para o cinema russo e mundial. Uma das coisas mais elogiáveis dessa mostra foi trazer esse filme para uma sala de cinema em São Paulo. É um filme clássico e que a maior parte das pessoas da minha geração não tiveram oportunidade de ver. É singular, extremamente bonito e contemplativo, feito para ser visto na tela de um cinema”, disse.

 

“Stalker parece menos importante pelo que conta e mais pelo que mostra. Não há sequer um daqueles demorados planos que não tenham a composição de uma fotografia. As imagens são muito bonitas”, disse Luana Teixeira, que acompanha a mostra desde a primeira edição. “Mas cansativa a nossa constante tentativa de encontrar as conexões, estabelecer referências. Acho que não teria visto se não fosse no cinema, a experiência não teria sido tão completa”. Luana viu ainda “A Balada do Soldado” na abertura e espera pegar as sessões de “Volga Volga” e “A Prisioneira do Cáucaso”.

 

Jefferson Bittencourt é fã de cinema, soube da sessão do filme de Tarkovsky um mês antes e se programou para chegar cedo.

 

“Ouvia falar do Stalker como um clássico que valia a pena ser assistido. Embora a dificuldade de acompanhar a história, você sai pensando muito sobre as questões filosóficas que o filme levanta”, disse. “Conhecer um pouco do cinema russo e soviético despertou um interesse gigante e estou correndo atrás de outros filmes. Gosto muito do gênero de guerra e acho que os filmes oferecem um retrato muito mais realista sobre os acontecimentos históricos do que filmes americanos do mesmo gênero. São também mais sensíveis”, afirmou Luana após ter saído da sessão e adquirido dois DVD’s do estúdio Mosfilm distribuído pelo CPC Umes-Filmes: Vá e Veja e Tigre Branco.

 

Maria Thereza Alcântara não considera Stalker um filme de ficção científica. “Eu não acho. Acho um tratado filosófico e poético sobre a esperança. Não vi como uma ficção científica. O que mais me impressionou foi o diálogo deles, um jeito tão diferente de ser, de pensar, nos mostra bem uma cultura diferente; achei bem diferente o filme”.

 

Sua filha, Patrícia Alcântara Santos, também elogiou a exibição. “Sou apaixonada por esse filme. Pra falar a verdade eu não entendo muito o significado dele; eu já assisti umas 5 ou 6 vezes e ainda é uma coisa muito incerta na minha cabeça, ainda não encaixou tudo. Eu gosto da poética dele”.

 

CONEXÃO

 

A atriz Shadiyah Becker considera que a Mostra trouxe para ela outra perspectiva sobre o cinema russo.

 

“Esse é o quinto filme que eu assisto da Mostra. Estou achando muito legal acompanhar. A seleção de filmes está me trazendo outra perspectiva do cinema russo, porque antes eu via filmes muito pesados, uns como o Stalker que eu acabei de assistir. Gostei muito do humor russo, de umas sacadas, de como eles conseguem trazer um drama com uma leveza e aí ficam entre uma comédia e um drama”, disse.

 

“Para mim enquanto atriz é muito bom ver filmes russos por toda técnica cênica deles e por todas as histórias e essa curadoria de filmes que tem temas humanos e políticos, temas muito sensíveis”, destacou.

 

“Do Stalker em si, eu gosto muito do Tarkovsky, da poesia que ele cria através das imagens. Eu sempre saio dos filmes dele sem ter muita certeza se eu entendi, mas de qualquer forma eu sinto que eu vivi, que eu me conecto muito com as imagens e com o que vai acontecendo, porque eu acho que ele é bem complexo. Ele vai viajando e eu tenho uma experiência, não sei te dizer exatamente do que se trata, mas eu sei te dizer das sensações que eu tive vendo o filme, que foram muitas. Eu gosto muito desse diretor e foi muito gratificante poder assisti-lo no cinema, na Mostra”, finalizou.

 

Do Jornal Hora do Povo

 

A 6ª Mostra Mosfilm de Cinema Russo segue com sua programação até o dia 11 de dezembro no Espaço Itaú de Cinema da Rua Augusta

Veja a programação completa

15753472635de5e43fe40e7 1575347263 3x2 lg

REVISTA DE CINEMA – Mostra exibe longas do cinema soviético e russo

15753472635de5e43fe40e7 1575347263 3x2 lg

“Stalker”, de Andrei Tarkovsky

Por Maria do Rosário Caetano

A Mostra Mosfilm de Cinema Soviético e Russo realiza sua sexta edição em casa nova. Ou melhor, em casas novas. Deixa a Cinemateca Brasileira, onde o CPC-UMES (Centro Popular de Cultura da União Municipal de Estudantes Secundaristas) realizou suas cinco primeiras edições, e estabelece-se, a partir desta quarta-feira, 4 de dezembro, no Espaço Itaú Augusta e no Cine Olido, do Circuito Spcine. Até dia 11 de dezembro, serão exibidos doze longas-metragens, em 29 sessões.

O filme inaugural, “A Balada do Soldado”, de Grigori Chukhray, realizado em 1959, é um rod-movie em tempos de guerra (a Segunda Guerra Mundial, ou A Grande Guerra Patriótica, como os russos a denominam), protagonizado por dois adolescentes.

Aliosha, um soldado de 19 anos, destrói dois tanques alemães. Ao invés de uma medalha, ele solicita licença para visitar a mãe e para consertar o telhado da casa da família, num aldeia. Ganha seis dias. Ao longo de sua jornada, feita em trens militares e nos mais improváveis meios de transporte, ele compartilhará com uma linda e arisca jovem (e com povo soviético, claro!) os sacrifícios da vida na retaguarda bélica.

Sintético (apenas 88 minutos), o filme, que recebeu prêmios em festivais internacionais (Cannes, São Francisco, Londres e Milão) se deixa ver com grande prazer e interesse, pois os atores são muito carismáticos e a fotografia (em preto e branco), de grande beleza. Excessiva, só a música.

A sexta edição da Mostra Mosfilm traz, claro, filmes de guerra, gênero em que os soviéticos desenvolveram excelente expertise (vide o magistral “Vá e Veja”, de Elem Klimov), obras de imenso empenho artístico (caso de “Stalker”, de Andrei Tarkovsky), balés filmados (o imperdível “Spartacus”, dançado pelo Bolshoi), comédias (“A Prisioneira do Cáucaso”, visto por 76 milhões de espectadores), dramas de nomes impensáveis em nosso tempo (“O Comunista”), e um filme menos badalado de Mikhail “Soy Cuba” Kalatozov ( “Amigos Verdadeiros”).

“Stalker” (1979) é uma ficção científica comandada por um dos maiores nomes do cinema soviético, Andrei Tarkowsky (1932-1986). Ao longo de 162 minutos, com imagens que imprimem a predominância de verdes, cinzas e cobres, o grande realizador moscovita nos conduz a um futuro indefinido e misterioso. E a um espaço idem. Um guia (o stalker do título) leva dois homens, identificados apenas como Escritor e Professor, a uma área proibida, a “Zona”. Dentro dela, há uma usina nuclear desativada e um aposento capaz de realizar os desejos de quem nele adentrar. No elenco, estão Aleksandr Kaidanovsky, Anatoly Solonitsyn, Nikolai Grinko e Alisa Freyndlikh. O filme conquistou o Prêmio Especial do Júri no Festival de Cannes, em 1980.

“O Comunista”, de Yuli Raizman, realizado em 1957, foi produzido para marcar o quadragésimo aniversário da Revolução Bolchevique. O diretor optou por narrar “a curta, mas brilhante, vida” de Vassily Gubanov, “seu trabalho honesto e consciencioso” na construção de uma grande central elétrica em Zagora, durante a Guerra civil que se seguiu à revolução de Outubro. Sem perceber, “Vassily Gubanov realiza os feitos que o tornarão, postumamente, um herói”.

O filme, que ganhou Menção Honrosa no Festival de Veneza, seria um típico produto do Realismo Socialista? Primeiro, há que se lembrar que Josef Stálin (1878-1953) morrera e que o país experimentava novos ares. No livro “Cinema para Russos, Cinema para Soviéticos” (Bazar do Tempo, 2019), o pesquisador e diplomata João Lanari Bo comenta: “Neste filme (‘O Comunista’), a história da implantação do comunismo em um microcosmo longínquo torna-se um relato privado (o filho relembrando a história do pai), carregado de tonalidades emocionais que revelam a internalização do mito revolucionário”. O herói “que mal conhece a cartilha comunista – a despeito do título do filme, ele age por uma ética própria, autodidata – termina sendo assassinado pelos representantes da velha Rússia: não há delegados do Partido que assegurem sua salvação, o que há é destruição da central elétrica e a falência momentânea do projeto revolucionário”.

Há que se prestar atenção em “Eles Lutaram pela Pátria”, outra atração da Mostra Mosfilm, por razão extra-obra: o currículo de seu realizador, o cineasta (e ator) Serguei Bondarchuk (1920-1994). O filme é um épico de guerra, gênero preferido do astro soviético. Além dele, que fazia questão de atuar também nos filmes que dirigia, foram escalados Vassily Shukshin, Vyacheslav Tikhonov e Yury Nikulin.

Ano que vem, a Rússia vai festejar o centenário de nascimento de Bondarchuk, um dos nomes mais poderosos de sua história cinematográfica. Com sua bela estampa, ele tornou-se célebre nas 15 repúblicas soviéticas. Depois, tornar-se-ia nome de alcance planetário ao ganhar o Oscar de melhor filme estrangeiro com seu monumental “Guerra e Paz” (em quatro partes, 1966/67). Seu prestígio chegou ao ponto de ser ele o escolhido por Dino de Laurentis para comandar o épico “Waterloo”, com Rod Steiger na pele de Napoleão Bonaparte, Christopher Plummer como o General Wellington e Orson Welles como Luís XVIII (em aparição fugaz). Para se ter ideia do poder de Sergei Bondarchuk, basta evocar fala de Andrei Tarkovsky no filme “Uma Oração de Cinema”, dirigido por seu filho Andrey A. Tarkovsky e exibido na Mostra Internacional de Cinema de SP, em outubro último. O diretor de “Solaris” assegura que seu filme “Nostalgia”, realizado na Itália, só “não ganhou o Festival de Cannes, em 1982, porque Bondarchuk, um dos jurados, o teria boicotado sob o argumento de que aquele filme não representava a URSS”. Difícil apurar a história, agora que os dois estão mortos.

O selo CPC-UMES já lançou dois filmes de Bondarchuk em DVD – “O Destino de um Homem” (1959), sua estreia na direção e, para muitos, seu melhor trabalho, e o monumental “Boris Godunov”, recriação épica do poema de Alexander Pushkin. O próprio Bondarchuk interpreta o czar Boris Godunov, um dos malfadados herdeiros do trono de Ivan, o Terrível. Ambientado em tempo medieval-religioso, a narrativa nos atira no centro de um império, o russo, em convulsão e a ponto de esfacelar-se (entre 1598 e 1605). Os cenários são arrebatadores, os figurinos espantosos, as cenas de multidão impressionantes e a fotografia de aliciante beleza.

“Eles Lutaram pela Pátria”, que concorreu à Palma de Ouro em 1975, reconstitui os três dias de retirada de um regimento do Exército Vermelho, em direção à cidade de Stalingrado. E o faz a partir da ótica de três soldados de origens diferentes (um engenheiro agrônomo, um mecânico e um mineiro). Este épico bélico baseia-se em romance de Mikhail Sholokhov (1905-1984), Prêmio Nobel de Literatura, em 1965.

Confira abaixo dados gerais e sinopses dos sete filmes que completam a programação da sexta Mostra Mosfilm:

. “Spartacus” (1975, 93 minutos), de Yury Grigorovich. Com Vladimir Vassilev, Natalya Bessmertnova, Maris Liepa, Nina Timofeeva, este filme, um registro de um dos mais famosos espetáculos do Balé Bolshoi, criado por Khachaturian, situa-se na Roma Antiga. Spartacus, um soldado trácio, é capturado por Crasso. Forçado a lutar como gladiador e matar um de seus amigos, ele planeja um levante sem precedentes.

. “A Flor de Pedra” é uma trama de aventura, censura livre, dirigida por um mestre da animação e dos efeitos especiais, Aleksander Ptushko. Produzido em 1946, o filme tem fama, na Rússia, de ser “um dos mais instigantes exemplares da história do cinema fantástico”, gêneros de grande apelo popular. Ptushko narra a fábula de um artesão que se dispõe a sacrificar tudo pela perfeição técnica de sua arte.

.“Amigos Verdadeiros”, de Mikhail Kalatozov, premiado em Cannes com “Quando Voam as Cegonhas” (1959), é um mix de comédia e aventura. Três garotos, moradores de um subúrbio de Moscou, se comprometeram a, no futuro, se reencontrar. Adultos, Borka tornou-se um famoso cirurgião, Sashka, professor de pecuária, e Vaska, doutor em arquitetura. Para cumprir a promessa de outrora, eles partem em uma jangada, pelo rio Volga, para juntos, viverem uma série de aventuras.

. “Volga-Volga” (1938) é uma comédia musical, dirigida por Grigori Aleksandrov, o mais próximo colaborador de Serguei Eisenstein. Juntos, eles trabalharam em vários filmes, incluindo a frustrada experiência mexicana (“Que Viva México!”) do diretor de “Encouraçado Potenkin”. Embora um de seus filmes – “Jovens Alegres” (1934) – seja objeto de estima da crítica francesa, Alexandrov acabou distante dos “Anos Eisenstein” (e da glória do mestre). Fez, inclusive, filmes patrióticos (ou de baixo risco) na era Stalin. É o caso deste, “Volga-Volga”. Na trama, dois grupos de artistas amadores deixam sua aldeia para participar de concurso de talentos em Moscou. Eles o farão acompanhados de um burocrata, interessado em utilizá-los em proveito próprio (ou seja, para turbinar sua ascensão na hierarquia soviética).

. “A Prisioneira do Cáucaso” (1966, 80 minutos), de Leonid Gayday, com os comediantes Aleksandr Demyanenko, Natalya Varley, Yury Nikulin, Vladimir Etush. Um grupo parte em viagem de pesquisa folclórica, rumo ao Cáucaso. O jovem estudante Shurik apaixona-se pela atlética, bela e politizada Nina. Mas a garota é sequestrada pelo homem mais poderoso da região, que planeja impor a ela um casamento arranjado. Um dos imensos êxitos populares de Gayday, que vendeu mais de 76 milhões de ingressos.

. “Rapaziada!” (1981, 92 minutos) é um drama dirigido por Iskra Babic, com elenco encabeçado por Aleksandr Mikhaylov, Pyotr Glebov, Irina Ivanova, Mikhail Buzylyov-Kretso e Pyotr Krylov. Na trama, o protagonista, Pavel, encontra-se prestando serviços ao Exército quando recebe carta da mãe, dizendo que Nastya, sua esposa, o estava traindo. Ele decide, então, não retornar à sua cidade natal. Porém, passados treze anos, descobre que a mãe se enganara. Nastya morrera, deixando três filhos órfãos (a mais velha, filha dele). O filme recebeu menção honrosa no 32º Festival de Berlim.

. “O Mensageiro” (1986, 89 minutos) é um drama dirigido por Karen Shakhnazarov, o poderoso presidente dos Estúdios Mosfilm, e grande apoiador do projeto de difusão do cinema soviético (e russo) empreendido, no Brasil, pelo CPC-UMES. O diretor de “Anna Karenina – A História de Vronsky” (2017), lançado ano passado, e com sucesso, no circuito de arte brasileiro, participa da sexta Mostra com uma narrativa ambientada na Era Gorbachev. Um rapaz sem noção consegue emprego de office boy. Ele se sente parte de uma sociedade à deriva. Ao fazer determinada entrega à domicílio, ele conhece o Prof. Kuznetzov e sua filha Katya. Para irritar o professor, ele afirma ter engravidado Katya. Para sua surpresa, ela confirma a história. À frente do elenco, estão Fyodor Dunaevsky, Anastasya Nemolyaeva, Oleg Basilashvili e Inna Churikova.

. “Aluga-se uma Casa com Todos os Inconvenientes” é o filme mais recente da Mostra Mosfilm. Trata-se de uma comédia de 90 minutos, realizada por Vera Storozheva, com Victoria Isakova, Irina Pegova, Nina Dvorzhetskaya e Svetlana Khodchenkova à frente do elenco. Na trama, um corretor ambicioso aluga a mesma casa para várias famílias. Depois de algumas situações embaraçosas, tudo parecia caminhar bem. Mas, ao retornar de uma viagem, o proprietário do imóvel descobre, surpreso, que o amigo a quem ele emprestara a casa a havia alugado a terceiros.

Dos 12 filmes programados, três chegam em cópia restaurada pela Mosfilm, dentro do rigor das mais avançadas técnicas digitais: a ficção científica “Stalker”, o drama de guerra “Balada do Soldado” e a comédia “A Prisioneira do Cáucaso”.

 

VI Mostra Mosfilm de Cinema Soviético e Russo

Data: 4 a 11 de dezembro

Local: Espaço Itaú Augusta (sessões diárias às 16h30, 19h e 21h), e no Cine Olido, do Circuito Spcine (sessões às 15h, 17h e 19h). Sessão gratuita para o filme inaugural, “A Balada do Soldado”. Ingressos para as demais sessões no Espaço Augusta (R$10,00 e R$5,00). No Olido (R$4,00 e R$2,00).

No sábado, no cinema do centro da cidade, haverá feira culinária e de artesanato russo. E também exposição de matrioskas, a famosa bonequinha-souvenir russa.

DSC 2800

Espectadores lotam abertura da 6ª Mostra Mosfilm de Cinema Russo

DSC 2800

O presidente da UMES, Lucas Chen e o Cônsul Geral da Rússia em São Paulo, Yuri Lezgintsev,
deram início à 6ª Mostra Mosfilm de Cinema Russo – Fotos: Simão Salomão

 

Na noite desta quarta-feira (4) o Espaço Itaú Cinema da Rua Augusta recebeu a abertura da 6ª Mostra Mosfilm de Cinema Russo. Centenas de espectadores lotaram a sala de cinema para acompanhar a sessão de “A Balada do Soldado”, que deu início à mostra.

O presidente da UMES, Lucas Chen, celebrou a nova edição da consagrada mostra, que já caiu no gosto do publico paulistano e é frequentemente elogiada pela crítica por apresentar um amplo panorama do cinema soviético e russo.

“É uma grande honra para nós da União Municipal dos Estudantes Secundaristas realizar mais uma vez este evento, que têm sido sucesso de público e crítica”, disse Lucas Chen ao saudar o público. A 6ª Mostra Mosfilm de Cinema Russo é uma parceria entre o Centro Popular de Cultura da UMES – CPC-UMES Filmes, o Itaú Cinemas e o SPCine.

O Cônsul Geral da Federação da Rússia em São Paulo, Yuri Lezgintsev, compareceu à abertura da Mostra Mosfilm e agradeceu a presença de todos os que apreciam a cinematografia do país.

“Sinto muito prazer em poder participar da abertura da Mostra Mosfilm de Cinema Russo, que já é realizada pela sexta vez consecutiva. Como é sabido, o Mosfilm é o maior estúdio de cinema da Rússia e um dos maiores da Europa e seus trabalhos incluem sucessos da época da União Soviética e da Rússia Contemporânea”.

“Esta mostra apresenta uma série de filmes que nos são muito queridos, que retratam os vários aspectos da vida cultural da Rússia”, destacou o Cônsul.

  

SOCIEDADE

Dimitry Korobov, diretor da Agência de Assuntos da Comunidade dos Estados Independentes da Federação da Rússia, ressaltou o trabalho realizado pelo CPC-UMES Filmes e todos os que se dedicaram à construção da Mostra. “Nossos amigos brasileiros nos ajudam muito a consolidar a cultura russa aqui no Brasil, nos ajudam a abrir mais um espaço pra discussão sobre a importância do cinema”.

Segundo ele, os filmes que são apresentados nesta edição da mostra “tiveram um impacto muito grande na sociedade russa”.

A diretora da Associação Cultural Grupo Volga de Folclore Russo, Tamara Gers Dimitrov, destacou que a entidade tem muito orgulho de apoiar o evento. “Somos verdadeiros entusiastas de iniciativas como esta. É uma oportunidade rara ver filmes russos com qualidade e legendados aqui”.

Paulo de Macedo, diretor do Sptunik Consulting – Guia para Cultura e Negócios no Leste Europeu, considerou que “É um prazer para nós participarmos de atividades de divulgação da cultura russa. A Rússia é um país que tem muito a contribuir para o mundo, um país de cultura riquíssima e que possui um papel histórico inigualável. Como uma grande potência e que ajuda outros países a se desenvolverem”.   

 

DSC 2832

NOVO LOCAL

 

Valério Bemfica, presidente do Centro Popular de Cultura da UMES – CPC-UMES, agradeceu aos novos parceiros que possibilitaram a realização da Mostra: Espaço Itaú de Cinema, na pessoa de seu diretor, Adhemar de Oliveira e a SPCine na pessoa de sua Diretora-Presidente, Lais Bodanzky.

Valério relembrou que nas edições anteriores, a Mostra foi realizada em outro local. “Este ano, infelizmente, por motivos que não vou declinar aqui, mas que vocês podem imaginar, os antigos parceiros faltaram”.

“Felizmente uma característica o “povo do cinema” no Brasil sempre teve: a solidariedade. Diante dos imprevistos, é só olhar para os lados e há mãos
estendidas. E foi o que aconteceu: se o local tradicional não quis nos receber, as mãos do Ademar e da Lais, do Espaço Itaú de Cinema e da SPCine estavam estendidas”, destacou Valério.

“Graças a gestos como este nossa Mostra continuará acontecendo, outras mostras continuarão vivas, filmes seguirão sendo feitos, festivais terão sequência, enfim o cinema brasileiro seguirá vivo e pujante. Para a tristeza de alguns poucos, mas para a alegria do povo brasileiro”, concluiu.

O diretor geral do Estúdio Mosfilm, Karen Shakhnazarov, enviou carta cumprimentando a realização da 6ª Mostra de Cinema Russo:


A todos da UMES e da CPC-UMES Filmes

Estou muito feliz de saber que a 6º Mostra MOSFILM de Cinema
no Brasil mais uma vez está atraindo um grande número de
espectadores. Evidencia isso o fato de que na abertura da
programação, com a exibição de “A Balada do Soldado”, todos os
lugares foram antecipadamente reservados. Tenho certeza de que
as apresentações seguintes acontecerão com salas cheias e os
filmes repercutiram nos corações dos espectadores.

Apreciamos muito vosso compromisso com a divulgação do
cinema do Mosfilm no Brasil, e desejamos que a parceria entre a
UMES e nosso Estúdio evolua com sucesso no futuro.

Transmitam em meu nome um agradecimento e os melhores
desejos a todos os membros dessa equipe maravilhosa.

Respeitosamente,

Karen Shakhnazarov
Diretor Geral
Laureado com o Premio Artista de honra da Federação da Rússia
Artista do Povo da Federação Russa

 

Ao longo dos dias, serão apresentados 12 longas metragens soviéticos e russos de diferentes períodos e gêneros – comédia, drama, guerra, aventura e musicais compõe a programação mostra. As 29 sessões serão realizadas em Salas do Espaço Itaú de Cinema na Rua Augusta e no SPCine Olido

Locais de exibição

Itaú Cinemas Augusta

Rua Augusta, 1.475, sala 3 – Consolação – São Paulo – SP
Ingressos: R$ 10,00 (inteira) e R$ 5,00 (meia entrada)

Circuito SPCine – Cine Olido

Av. São João, 473, Centro – São Paulo – SP
Ingressos: R$ 4,00 (inteira) e R$ 2,00 (meia entrada)

 

Clique aqui e veja a programação completa da 6ª Mostra Mosfilm de Cinema Russo