Na quinta-feira, 4 de julho, deu no Jornal Nacional que o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) detectou o aumento de 88% no desmatamento da Amazônia. Segundo o Inpe, que monitora a região por satélites, em tempo real, a Amazônia perdeu 920 quilômetros quadrados de floresta, neste mês de junho – área quase igual a da cidade do Rio de Janeiro. Em junho de 2018, havia perdido 485 quilômetros quadrados.
Só em Juara, Mato Grosso, o MapBiomas, que reúne universidades e empresas de tecnologia, calcula que foram cortadas mais de 300 mil árvores no mês.
“Efetivamente, há uma expansão de atividades na região, seja por mineração, por grilagem de terra, por expansão agrícola”, avaliou o coordenador do programa de monitoramento do Inpe, Cláudio Almeida.
Em maio, a ex-ministra Marina Silva publicou um artigo, com o título de “O Apagão Ambiental”, denunciando o desmonte – “extremamente agressivo”, disse ela – do sistema nacional de meio ambiente.
Tangido pelos interesses do consórcio da motosserra, Bolsonaro e seu ministro Ricardo Salles estabeleceram como ponto de honra rever as demarcações das áreas de proteção ambiental, reservas indígenas e quilombolas tidas por eles como fatores que “dificultavam cada vez mais o nosso progresso aqui no Brasil”.
Procurando rebater a reação internacional a essa estupidez gananciosa e predadora, Bolsonaro declarou ao vivo e em cores: “Convidei inclusive Macron e Angela Merkel para sobrevoar a Amazônia. Se encontrassem, num espaço entre Boa Vista e Manaus, um quilômetro quadrado de desmatamento, eu concordaria com eles”.
O MapBiomas identificou muitos problemas exatamente nesse trecho sugerido por Bolsonaro. Foram mais de 2 mil alertas ou focos de desmatamento nos últimos seis meses (janeiro a junho). Segundo os pesquisadores, 95% foram desmatamentos ilegais.
No artigo, Marina sintetiza o significado dessa política com aguda precisão: “Sacrificar os recursos de um milênio pelos lucros de uma década”.
Ler e divulgar esse trabalho é um passo importante na luta para isolar e derrotar os promotores da tragédia que nos ameaça.
(S.R.)
O apagão ambiental
Por Marina Silva
É muito difícil fazer uma síntese da situação que o Brasil está vivendo, as agressões ao bom-senso são contínuas e caracterizam um clima de guerra em que o diálogo e o entendimento se tornam quase impossíveis. Esse é o governo do fim: vamos acabar com isso, vamos acabar com aquilo, extinguir, cortar, encerrar. Nenhuma política construtiva, só o desmonte do que existia antes.
Esse desmonte é extremamente agressivo no sistema nacional de meio ambiente. Estão ameaçados os marcos regulatórios, processos e estruturas que deram suporte às políticas de proteção de nossos ativos ambientais dos últimos trinta anos, levadas a cabo em diferentes governos de diferentes partidos. Isso acarretará graves e irreparáveis prejuízos ao futuro do país: na gestão e a proteção dos recursos hídricos, do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, nas ações de prevenção e combate ao desmatamento da Amazônia e demais biomas, no plano nacional de mudanças climáticas, nas políticas de proteção da biodiversidade, no licenciamento ambiental. Tudo está sob ameaça, o que desloca o Brasil da posição de respeito que havia conquistado no mundo, para uma espécie de pária ambiental. Em menos de 6 meses do novo governo, estamos vendo o Brasil se tornar um país do começo do século 20, onde poluição e destruição do meio ambiente eram sinônimo de progresso e “modernidade”.
Foi em função dessa ameaça sem precedente, que nós, ex-ministros de meio ambiente de diferentes governos em diferentes períodos, nos reunimos para nos posicionar conjuntamente, alertando a sociedade sobre os riscos de um verdadeiro apagão ambiental em nosso país.
Tomo emprestado do setor energético a palavra apagão, usada para caracterizar uma situação de crise estrutural no fornecimento de energia. É uma crise ambiental estrutural induzida que estamos vivendo, imposta pelo governo Bolsonaro. Um apagão energético, por falta de planejamento e investimento na geração e distribuição de energia, é uma situação que exige do país um enorme esforço de superação, mas é possível, em prazo razoavelmente curto, superar a crise. Um apagão ambiental, entretanto, é muito mais grave e suas consequências se estendem por várias gerações. Quem não acredita, pode olhar as imagens dos vales dos rios atingidos pelo rompimento das barragens de Mariana e Brumadinho e imaginar quanto tempo vai demorar para que a vida, humana e da natureza em geral, se recupere.
O desmonte irresponsável é acelerado: a saída do Serviço Florestal Brasileiro do Ministério do Meio Ambiente para o da Agricultura, a entrega da Agência Nacional de Águas para o Ministério do Desenvolvimento Regional, a extinção da Secretaria Nacional de Mudanças Climáticas, o desmantelamento da Educação Ambiental e, agora, a decisão de rever 334 áreas de proteção ambiental administradas pelo ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade). O que está em curso é uma tentativa de acabar com os fundamentos legais sustentados pelo artigo 225 da Constituição Federal. Por ele, cabe ao Estado usar instrumentos de incentivos positivos e coercitivos para moldar os valores e comportamentos da sociedade em relação aos recursos naturais, de modo a que nosso estilo de vida e nossos modelos produtivos respeitassem os limites, a capacidade de suporte e regeneração dos ambientes naturais e a necessidade de preservar os biomas em que se sustentam as nossas vidas.
Para o grupo que promove o apagão, não é admissível que o Estado, mesmo sob pena de graves consequências para a saúde e o meio ambiente, imponha qualquer limite sobretudo ao interesse econômico.
No final das contas, é disso que se trata: sacrificar os recursos de um milênio pelo lucro de uma década. Todos os retrocessos já realizados, em curso e planejados, derivam dessa visão. E assim, uma das maiores potências ambientais do mundo pode ser devastada em poucos anos. Para enfrentar esse crime de lesa-pátria, dois caminhos são essenciais: mobilizar a sociedade em defesa de seu patrimônio ambiental e fazer valer judicialmente, nos tribunais, os preceitos de nossa Constituição, que está sendo atacada.
Nossa resistência é legal e pacífica. Infelizmente, não estamos enfrentando grupos com a mesma disposição para o diálogo e a paz, como mostra o aumento dos assassinatos e da violência contra as comunidades e suas lideranças, em todo o Brasil, numa guerra que tende a se agravar muito com a permissão irresponsável do uso de armas por grileiros e latifundiários. Devemos, apesar de tudo, manter o bom combate e a esperança de que a sociedade brasileira acorde para sua força e responsabilidade para com as futuras gerações.
Para encerrar, duas notas a propósito do desmonte do ICMBio e a revisão das unidades de conservação que revelam os despropósitos desse governo:
Despropósito 1: Basta o anúncio da revisão das 334 unidades de conservação, já está dada a senha para que grileiros, exploradores ilegais de madeira e garimpeiros possam começar a invadir as áreas, principalmente aquelas em que a pressão é muito forte e há interesses econômicos para extingui-las. Além disso, torna extremamente vulnerável a atuação das pessoas que têm a função pública de fiscalizar e coloca em risco suas vidas.
Despropósito 2: A criação do ICMBio, responsável pela Política Nacional de Unidades Conservação, ocorreu mediante medida provisória aprovada pelo Congresso Nacional e referendada pelo STF. Para a seleção de seu presidente, foi constituído um comitê de busca com renomadas autoridades da área ambiental, como o recém-falecido professor Paulo Nogueira Neto. Foi considerada a trajetória dos candidatos, seu conhecimento técnico, experiência e capacidade de negociação. Indicações por critérios políticos e não técnicos, em desrespeito às normas legais de escolha do presidente do ICMbio, aconteceram no governo Bolsonaro em prejuízo da gestão do Instituto e das unidades de conservação.
Fonte: Hora do Povo