Ciência deve estar à frente da discussão sobre reabertura das escolas, aponta debate da UMES
Live com especialistas foi realizada na quinta-feira
Na noite da quinta-feira (24), a União Municipal dos Estudantes Secundaristas (UMES-SP), realizou a live “Volta às aulas: É possível voltar com segurança?”, para debater as condições das escolas ao enfrentamento à pandemia de coronavírus no Brasil.
O debate contou com a participação do epidemiologista Eduardo Costa, do presidente do Sindicato de Especialistas de Educação do Magistério Oficial do Estado (UDEMO), Chico Poli; e do sociólogo César Callegari.
Os debatedores foram unânimes em apontar a desigualdade social como agravante para a piora das condições de ensino durante a pandemia e alertaram para a necessidade do preparo das escolas para receber os estudantes.
Ao abrir a discussão, o presidente da UMES, Lucas Chen, apontou que a “nossa discussão surge da necessidade de entendermos a necessidade do retorno às aulas com segurança”. “Aqui na cidade de São Paulo, ainda estamos enfrentando a pandemia. Apesar dos indicadores terem demonstrado que o ritmo do contágio desacelerou, mas ainda existe muito medo de se contaminar. Os óbitos ainda estão altos. Temos hoje uma média móvel dos últimos sete dias de mil novos casos na cidade e isso é bastante preocupante”, disse Lucas.
Ele relembrou que “especialmente no caso da Educação, em se tratando de jovens que muitas vezes não se previnem da forma correta. Então o tema da volta às aulas é visto por diversos setores de uma forma bastante preocupante”.
“Por outro lado, temos diversos estudantes que não possuem acesso à internet e não estão conseguindo acompanhar as aulas online. 46% dos professores têm dúvidas se os estudantes estão conseguindo acompanhar as aulas neste período único na história da educação. 25% dos brasileiros não têm acesso à internet e 40% dos alunos de escola pública não tem acesso a computadores. Temos uma realidade onde muitos estudantes não possuem locais adequados para estudar e desistiram de fazer as aulas online”, disse o presidente da UMES.
Abaixo publicamos os principais pontos das intervenções dos debatedores:
Chico Poli, presidente da UDEMO – Sindicato de Especialistas de Educação do Magistério Oficial do Estado
O presidente da UDEMO iniciou sua fala questionando as condições reais das escolas brasileiras e, em especial das escolas estaduais paulistas, de garantir os requisitos mínimos para o efetivo retorno às aulas.
Achei interessante o tema do debate: “Volta às aulas: É possível voltar com segurança?”, e eu diria: Possível é. Provável, neste momento não”.
Chico relembrou os motivos da suspensão das aulas no mês de março: a não existência de uma vacina para o vírus da Covid-19; não se conhecera um tratamento eficaz no combate à doença; o fato de se tratar de uma pandemia de contágio comunitário; o fato das escolas não possuírem estrutura suficiente para enfrentar a pandemia. E ressaltou que, como os motivos que levaram ao fechamento das escolas permanecem inalterados, não há ainda as condições para o retorno das aulas presenciais.
O presidente da UDEMO afirmou ainda que as escolas não possuem as condições necessárias para aplicar o protocolo exigido para o retorno das aulas: uso de máscaras, distanciamento social, ambientes ventilados e higienização dos envolvidos. “A escola não é uma bolha sanitária. Ela está dentro de uma comunidade”.
A volta às aulas vai implicar em mobilidade, ou seja, transporte público. Temos que levar em conta também o deslocamento do pessoal.
Ensino à distância
Poli apontou que a LDB estabelece que a Educação Básica deve ser realizada de forma presencial e que quando as aulas foram interrompidas, o ensino à distância foi um salto no escuro. “Nós não temos até hoje as condições para garantir o ensino à distância da forma correta”, disse. “Vemos casos de estudantes de famílias com um único celular. Então eles só podem assistir as aulas quando o aparelho fica disponível para ele”, destacou.
Ele se contrapôs à justificativa do governo do estado de que “a falta de aulas está causando danos psicológicos aos estudantes”. “Concordamos em parte. Não é a falta de aula que está causando todo este problema. É a pandemia que está causando todo este problema”.
“Mas então a UDEMO é contra a volta às aulas? Não. A UDEMO quer a volta às aulas, nós sabemos que o ensino à distância não está funcionando. Mas nós não podemos fazer isso no atropelo”, afirmou Chico Poli.
“Queremos voltar quando houver segurança para todos: alunos, professores e funcionários e para seus familiares”, pontuou o presidente da UDEMO.
César Callegari, sociólogo e ex-membro do Conselho Nacional de Educação e ex-secretário municipal de Educação de São Paulo
César Callegari iniciou sua fala relatando o “verdadeiro tsunami” que a sociedade brasileira enfrenta. A crise que é provocada por uma questão específica de saúde, mas que atinge todos os setores e especialmente os setores sociais.
Essa crise escancara problemas que já vínhamos acumulando há muito tempo. O principal deles é a questão da desigualdade. Vemos isso quando verificamos a maneira desigual que o isolamento social, a crise econômica, o desemprego, as mortes atingem a setores diferentes da sociedade. Assim é também no campo da Educação.
Callegari destacou que a crise na Educação é anterior a março deste ano, quando se iniciou a pandemia. “A Educação brasileira está sob ataque. E com um ataque mais agudo que se iniciou com a posse de um governo federal que é inimigo da Educação. E os profissionais de educação, assim como os estudantes, tem se mobilizado no sentido de enfrentar um governo que nos é hostil”.
O sociólogo celebrou a vitória obtida com a aprovação do Fundeb no Congresso Nacional e relembrou que o governo Bolsonaro se posicionou contra a vinculação das receitas. “É um governo que corta dinheiro da Educação, que quer perseguir professores e estudantes com a lei da mordaça da maneira mais torpe com ameaças concretas à Educação”.
Sobre a questão da volta às aulas, Callegari ressaltou que a “primeira preocupação é com os estudantes, as crianças, os jovens e adultos. Principalmente aqueles que dependem da escola pública para ter acesso à educação, para ter acesso ao desenvolvimento”.
Ele destacou que a discussão sobre o retorno às aulas deve se dar de forma integrada com diversos setores. Tendo como prioridade o direito ao saber dos estudantes. “Inclusive quando tratamos dos protocolos de volta às aulas, eles não podem ser vistos somente do ponto de vista sanitário. São os professores que sabem as diferentes realidades das suas comunidades educacionais. São as merendeiras que deverão higienizar os alimentos que serão servidos quando as escolas reabrirem. São os diretores e coordenadores pedagógicos que deverão liderar este novo planejamento para o ensino. É preciso respeitar essas peculiaridades”.
Callegari destacou ainda a necessidade do convívio entre os estudantes para a aprendizagem e colocou que os meios virtuais devem ser complementares ao ensino presencial. Ele denunciou o interesse de setores privados de educação que querem fazer uso da pandemia para avançar com o ensino à distância na Educação Básica.
O sociólogo se manifestou contrário à proposta “precipitada” do governo de São Paulo de retorno às aulas no mês de outubro e criticou o oferecimento de um “prêmio”, aos professores que decidam ministrar aulas neste período.
Eduardo Costa, epidemiologista da Fundação Oswaldo Cruz – FioCruz
O epidemiologista saudou a iniciativa da realização do debate do ponto de vista dos estudantes.
Eduardo defendeu que o assunto do retorno às aulas não é um assunto “estritamente técnico ou científico”. “É um assunto que se dá no seio de uma sociedade concreta. Então, neste momento não queremos ser somente técnicos, queremos também ser cidadãos e participar deste debate mais amplamente”.
“O Lucas falou que só a ciência acaba com o medo. Talvez não seja 100% isso, mas ele tem razão. Uma das coisas mais incríveis desse momento é como a informação científica é manipulada e trocada de uma maneira que não corresponde ao conhecimento. Muitas das coisas que vocês disseram refletem coisas que são anteriores aos conhecimentos novos que essa pandemia trouxe.
Por exemplo, o começo da pandemia era diferente do que temos agora, mas não é porque temos muitos casos. Não, no começo da pandemia não conhecíamos nada sobre o coronavírus. E hoje a gente conhece muito. Sobre o comportamento, sobre o que ajudou ou não.
Muitos países tomaram caminhos diferentes do Brasil. Tiveram outro tipo de opção de controle. E a gente fixa em alguns pontos que vem pela mídia sem uma sedimentação de como é aqui.
Nós começamos a projetar de fora para dentro e diz que é igual. Não é igual.
O Brasil tem uma das piores situações de controle desta pandemia. E não é só porque tem muitas mortes. Foi porque a sociedade não se organizou para poder combater. A sociedade não foi capaz de fazer um projeto para viver durante este período. Ela se debateu.
Tornou todas as coisas políticas, não no sentido da verdadeira política, mas do contencioso político que a gente está vivendo. E não tinha meios de trabalhar em cima disso até por uma questão do governo que a gente tem.
Temos uma sociedade dividida, que está partida em pedaços. Isso é uma coisa que vem ao longo dos anos, um esfacelamento da unidade nacional.
Como disse o professor Callegari, temos uma desigualdade abismal. Somos o segundo maior país concentrador de renda. Somos um país em que não dá para generalizar as coisas.
São vários países dentro do Brasil e não podemos ter uma solução única.
Nossos problemas com a pandemia começaram quando começamos a importar um modelo de distanciamento social indiscriminado. Na palavra. Por que a palavra vai escondendo um pedaço grande da realidade.
Quanto nós fomos coniventes com não ter havido um distanciamento social indiscriminado no inicio da pandemia? Quando talvez ela fosse mais sensível, pelo que se viu em outros países.
Não houve distanciamento porque uma parte da população foi obrigada a trabalhar, foi obrigada a nos alimentar.
Foi obrigada de forma completamente desprotegida.
E nós não olhamos para eles. Não teve um programa de saúde para acompanhar isso. Trabalhadores da alimentação, vários setores industriais, trabalhadores da saúde, transportes, entregas… Todo mundo começou a achar bom comer em casa, só que os motoqueiros não tiveram possibilidade de fazer isolamento social.
Se criou um processo semelhante ao da escravatura em que os setores mais altos ficaram comendo bem, estudando bem e os pobres tendo que trabalhar.
Aí veio o discurso de que o vírus não discrimina ninguém. Não é verdade. Está escolhendo agora quem vai morrer. Exatamente das classes mais pobres.
Escolas
Do ponto de vista das escolas, a primeira coisa que precisamos abordar é a questão da desigualdade. É verdade que o transporte coletivo, a mobilidade, ajuda a disseminar o vírus por conta da aglomeração. A transmissão que importa é a direta, prolongada e próxima. Quase toda transmissão se dá nesse tipo de situação.
A questão do transporte coletivo é séria no Brasil. Esses problemas estão em qualquer setor. Não somente o educacional.
Se formos pensar pelas crianças, é importante dizer. Primeiro, eles adoecem pouco e transmitem pouco, proporcionalmente.
Menores de dez anos, é insignificante a proporção que adoece e transmite.
Falo enquanto epidemiologista, com a noção de risco.
Sobre a ideia de que as crianças vão levar o vírus para dentro de casa. As crianças de classes mais baixas, de comunidades, já estão em contato há muito tempo. A escola é proteção para essas crianças. A escola é abrigo, é alimentação.
O que devemos pensar é como preparar para voltar às aulas. Uma coisa é um planejamento mais amplo, outra coisa é exatamente dar condições para que essas crianças possam comer melhor, dar condições para que essas crianças se protejam mais da criminalidade ao redor delas. Elas se aparelhem melhor para suportar a carga de ameaças cotidianas.
A tecnologia mais importante que devemos trabalhar nessa pandemia é a social. Algo que se ligue ao viver da escola, ou da comunidade que a escola está. As escolas foram tradicionalmente, inclusive aqui no Brasil – eu participei da criação do Sistema de Vigilância Epidemiológica do Brasil -, as escolas foram um local sentinela em que os professores entram em contato com o serviço de saúde, a assistência social e fazem isso funcionar. Este acolhimento inteiro. Esse papel está junto com a Educação formal.
Cruzar os braços? Eu acho que é um tanto problemático isso.
Pedagogia
Existem maneiras tão simples de fazer. Por que não estamos discutindo essas coisas com as crianças? A pandemia, do jeito que o mundo está, a próxima onda não será do mesmo vírus, será de outro vírus desconhecido. Desse a gente já vai saber algumas coisas.
Então devemos aprender com a experiência que temos agora. Precisamos aprender porque somos sobreviventes das pandemias anteriores e chegamos até aqui. E vamos ter que ter gente que vai fazer o mesmo, para a permanência da humanidade.
A volta às aulas é mais importante nas escolas públicas do que nas escolas privadas. Elas precisam se preparar. Não somente uma questão de dinheiro, mas também do processo de integração.
A probabilidade de uma criança entrar na escola com febre e doente por conta do coronavírus é ínfima. Pode passar três meses sem nenhuma entrar. Mas, se entrar, precisa saber o que fazer. Tem que estar articulada para poder encaminhar o caso.
Aprendizado
Ficamos meses parados com o isolamento social indiscriminado. Não foi assim que outros países saíram da crise. Foi com isolamento focado. É exatamente por bairro que tem que conter, mas por 10 dias, 15 dias, no máximo. Com tudo chegando lá.
Foi assim que a China controlou. O processo não foi parar tudo.
É um processo de caminhar junto. Você vai vendo para onde vai se deslocando. Isso é que se chama inteligência epidemiológica. É o uso de informações para dizer onde tem risco e onde não tem. Onde já passou, ou não. E o que você vai fazer imediatamente.
Os países que fizeram isso estão com uma transmissão baixíssima.
Se a gente não perceber como é que a gente está se entregando e dando credibilidade cada dia maior para este desgoverno que está aí é porque não conseguimos olhar esse segmento inteiro que está aí e que não é tão visível para a gente.
Mas existe um segmento importante da população extremamente carente de qualquer coisa e é por isso que ele se agarra em quem faz o discurso populista. Nós criamos essa dicotomia entre gente muito letrada e as pessoas com educação básica muito precária.
Para concluir, eu acho que hoje não é discutir para ver se volta ou não. É preparar para a volta às aulas. Mas para isso vamos ter que desmistificar algumas coisas. Porque a ciência se renova rapidamente. Ela não fica parada no que a gente aprendeu. Ela vai adiante. E aí, esse é o problema, a gente fica conservador porque não acompanhamos o que está se renovando.
Vamos ter que ter uma boa integração com a Secretaria de Saúde, para poder ligar para lá se uma criança ficar doente. E essa criança receber uma visitante sanitária na casa, para saber se ela possui condições de se isolar ou não. Porque até agora elas não sabem fazer isso.
Que é preciso sair de um barraco com muita gente e ir para um local com condição um pouco melhor, dentro da comunidade, para que ela fique isolada e não transmita para os outros. Só a escola vai ensinar isso.
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