Daniel Cara: O que está em jogo no PNE?
Ficou para a próxima semana a votação do novo PNE (Plano Nacional de Educação) na Câmara dos Deputados, ainda no âmbito da Comissão Especial dedicada a analisar a matéria. Após a deliberação deste colegiado, formado por 52 parlamentares (26 titulares e 26 suplentes), o texto seguirá para o plenário da Casa, composto por 513 deputados e deputadas federais.
A votação do PNE é urgente. Há anos o Brasil não possui uma lei capaz de orientar a gestão educacional, fazendo com que os governos federal, distrital, estaduais e municipais reúnam esforços para o cumprimento das mesmas metas, todas necessárias para a consagração do direito à educação no Brasil.
Contudo, da mesma maneira que se faz urgente a aprovação do novo plano, é preciso aperfeiçoar o último relatório apresentado pelo Deputado Angelo Vanhoni (PT-PR), relator da matéria. Caso contrário, o PNE não será capaz de cumprir integralmente com sua missão constitucional.
Em 31 de março, mais de 60 entidades, faculdades de educação e movimentos educacionais solicitaram – por meio de uma Carta Aberta – três alterações ao texto. A primeira é não contabilizar como investimento público em educação pública programas emergenciais como Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego), Prouni (Programa Universidade para Todos), Ciências Sem Fronteiras e Fies (Fundo de Financiamento Estudantil), além de matrículas em creches e pré-escolas conveniadas.
Distantes de uma posição “estadocêntrica”, os signatários da Carta Aberta tampouco desconsideram a importância desses programas. A preocupação central recai sobre um provável rompimento da distinção entre o que é público e o que é privado – trazendo graves consequências à gestão educacional e à prioridade orçamentária da educação pública. Em outras palavras, são programas importantes; porém devem ter prazo e limites orçamentários.
O segundo ponto levantado pelo grupo de entidades e movimentos educacionais trata do mecanismo mais decisivo para a universalização do direito à educação básica pública de qualidade. Por pressão da área econômica do Governo Federal, o relator Angelo Vanhoni (PT-PR) mudou sua posição original e incorporou o entendimento do Senado Federal. Com isso, extraiu a Estratégia 20.10 de seu último relatório. Ela dizia:
“Estratégia 20.10) Caberá à União, na forma da Lei, a complementação de recursos financeiros a todos os Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios que não conseguirem atingir o valor do CAQi [Custo Aluno-Qualidade Inicial, correspondente ao padrão mínimo de qualidade] e, posteriormente, do CAQ [Custo Aluno-Qualidade, expressão do padrão de qualidade]”.
A supressão deste texto fragiliza gravemente o PNE. Em primeiro lugar, trata-se de uma demanda Constitucional. Conforme o primeiro parágrafo do Art. 211 da Constituição Federal, é obrigação da União (Governo Federal) exercer “função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios”. Ou seja, é preciso que o Governo Federal complemente recursos para o atingimento do CAQi.
Dois estudos recentes mostram a importância desse dispositivo: a Nota Técnica da Fineduca (Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação) e a tese de doutorado do Prof. Luiz Araújo (Universidade de Brasília).
Conforme os dados da Fineduca, em 2012, eram necessários cerca 1% do PIB a mais para o Brasil atingir os valores do CAQi. Já o Prof. Luiz Araújo estimou, em 2011, a necessidade de R$ 54 bilhões para todas as escolas brasileiras serem dignas.
Segundo dados oficiais do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) divulgados este ano, desde 2009 a União não amenta sua participação no investimento direto em educação, colaborando com apenas 1% do PIB (Produto Interno Bruto). Muito diferente do que ocorre com Estados e Municípios, que colaboram mais, mesmo arrecadando menos. Os governos estaduais investiam 2% do PIB diretamente em educação pública em 2009. O percentual mais recente é de 2,2%. No caso das prefeituras, a taxa subiu de 1,9% para 2,3% do PIB.
Consequentemente, caso a Estratégia 20.10 seja reinserida no PNE, o Governo Federal alcançará o mesmo patamar de investimento realizado por Estados e Municípios: cerca de 2% do PIB.
Os leitores dessa coluna sempre defendem, com razão, que não basta transferir recursos para Estados e Municípios, é preciso que esse dinheiro chegue às escolas, sem quaisquer desvios. O CAQi é a melhor garantia para isso. Com ele todas as salas de aula terão um número máximo de alunos por turma, nenhum profissional da educação – de qualquer lugar do país – receberá menos do que o piso nacional salarial, todos terão uma referência nacional de política de carreira, com formação continuada. Além disso, todas as escolas contarão com bibliotecas, laboratórios de ciências, laboratórios de informática e quadra poliesportiva coberta. A disponibilização de recursos para viabilizar esses insumos é a melhor maneira de simplificar e empoderar o controle social. E a maior parte da complementação da União ao CAQi irá para os Estados e Municípios do Norte e Nordeste do país.
Obviamente, isso não poderá ser feito de um dia para o outro. A Estratégia 20.10 prevê a elaboração de uma Lei específica, que precisará tramitar no Congresso Nacional. E é preciso uma lei dura e criteriosa. Segundo o trabalho do Prof. Luiz Araújo, a complementação da União ao CAQi reduzirá em 12% a desigualdade de renda dos municípios brasileiros, segundo o Coeficiente de Gini.
Mesmo sem ter sido votado o PNE, a semana não foi em vão. O relator Angelo Vanhoni suprimiu a Estratégia 7.36, advinda do texto do Senado Federal. O convencimento veio por meio da Carta Aberta supracitada, assinada pelos setores mais representativos da sociedade civil. Ou seja, a terceira reivindicação foi atendida, porém as duas outras são tão ou mais importantes.
A antiga estratégia 7.36 estimulava a formulação de políticas de remuneração por resultados dos professores. É uma medida que conta com expressivo apoio de movimentos e fundações empresariais atuantes no Brasil, mas que vem sendo revogada nos países mais desenvolvidos do mundo. O motivo é simples: é uma política inoperante e até mesmo contraproducente à qualidade da educação. Em outras palavras, não aumenta a aprendizagem. E pior: desconstrói a carreira docente, tornando-a desinteressante.
DANIEL CARA
Coordenador Geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, bacharel em ciências sociais e mestre em ciência política pela USP
Fonte: UOL Educação
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