Getúlio lança a Petrobrás: “no petróleo, o controle nacional é imprescindível”


Em dezembro de 1951, quando enviou ao Congresso o projeto de criação da Petrobrás, na mensagem que o acompanhou, considerava o presidente Getúlio Vargas:

“É fora de dúvida, como o demonstra a experiência internacional, que, em matéria de petróleo, o controle nacional é imprescindível. O Governo e o povo brasileiros desejam a cooperação da iniciativa estrangeira no desenvolvimento econômico do País, mas preferem reservar à iniciativa nacional o campo do petróleo, sabido que a tendência monopolística internacional dessa indústria é de molde a criar focos de atritos entre povos e entre governos. (…) será essa empresa genuinamente brasileira, com capital e administração nacionais”.

Os motivos desta opção, além do que já foi dito, são demonstrados nesse mesmo documento – uma obra para ser não apenas lida, mas estudada – com fundamentação perfeitamente atual. Nele, também, Getúlio descreve a situação do Brasil, diante do problema do petróleo, naquela época. Trata-se de algo que seria angustiante, se não soubéssemos, até pela mera experiência cotidiana, que conseguimos superar àquela situação dificílima, exatamente devido à Petrobrás. Ao invés de se intimidar perante as dificuldades, Getúlio colocou o país no caminho de sua superação.

No entanto, hoje, quando a situação, com a descoberta do pré-sal, nunca foi tão fácil, reaparecem aqueles que não conseguem apreender as lições de mais de 60 anos atrás, colocadas em evidência – mais ainda – pelo contraste que foi o desastre tucano-entreguista na área do petróleo.

Por essa razão, achamos de bom alvitre seguir a sugestão de uma leitora – a ex-vereadora paulistana Lídia Correa – e publicar a mensagem em que Getúlio expôs a necessidade da Petrobrás. É um texto longo, mas, com exceção de alguns parágrafos referentes à relação da empresa com o Conselho Nacional do Petróleo, preferimos reproduzi-la na íntegra. O leitor perceberá por quê.

 

C.L.

 

GETÚLIO VARGAS

 

Senhores Membros do Congresso Nacional:

Tenho a honra de submeter à consideração de Vossas Excelências o anexo projeto de lei destinado a criar a sociedade por ações Petróleo Brasileiro S. A., para levar a efeito a pesquisa, a extração, o refino, o transporte de petróleo e seus derivados, bem como quaisquer atividades correlatas ou afins, através de empreendimentos à altura das necessidades nacionais de combustíveis líquidos.

Em complemento a esse projeto, submeto separadamente um outro, relativo aos recursos tributários essenciais ao programa nacional de combustíveis líquidos e lubrificantes, no qual se asseguram também recursos para a ampliação do Fundo Rodoviário Nacional. Constituem os dois uma unidade, mas ao Governo pareceu de bom aviso separá-los, para facilitar o trabalho legislativo, possibilitando, sem risco de dilações na discussão de questões novas, a aprovação, no menor prazo possível, do projeto que reajusta tributos já existentes e constantes do orçamento.

A análise da situação internacional e de todo o problema do suprimento regular de derivados do petróleo, de que dependem o desenvolvimento econômico e a segurança da Nação, levou o Governo a concluir que se impõe um grande esforço no sentido de acelerar e ampliar os empreendimentos nacionais, nesse setor de atividade. A base da experiência já adquirida no trato dessa questão e mantendo as linhas mestras da legislação cm vigor, cumpre empreender e levar a termo as tarefas que a política nacional de combustíveis líquidos reclama e as próprias circunstâncias internacionais tornam inadiáveis.

Ao Poder Executivo afigurou-se imperioso, em face dos interesses nacionais, apelar para os recursos financeiros e humanos da Nação, com o fim de reduzir, em prazo relativamente curto, o grau de dependência em que se encontra o País, quanto ao seu suprimento de derivados do petróleo. Esse o objetivo a alcançar com a execução das leis que ora solicito ao Congresso.

 

O PROBLEMA

O consumo nacional de derivados do petróleo acusa uma ascensão regular, que traduz o desenvolvimento das atividades do País, não só quanto ao transporte mas também quanto à indústria.

No entanto, como é ainda incipiente a produção nacional de petróleo, essa ascensão constante do consumo implica necessariamente num aumento das importações, com dispêndios crescentes de divisas, que poderão ser empregadas na compra de outras utilidades estrangeiras, quando o permitir a produção brasileira de óleo mineral. O crescimento das importações de derivados de petróleo processa-se, aliás, quanto a volume e valor, em ritmo mais acelerado do que o das outras mercadorias que adquirimos no exterior. A percentagem das divisas despendidas com a sua cobertura tende a aumentar, no tempo, de forma a causar apreensões em relação à regularidade futura de suprimento, ao País, de tais produtos.

De fato, a valor das importações de petróleo e derivados que, em 1939, correspondeu a 7% do valor da totalidade de nossas aquisições externas, em 1946 representou 7,6% e, em 1930, 11,3%.

No ano em curso, essa relação deverá ultrapassar 13%, apesar do aumento considerável das importações globais, aproximando-se de Cr$ 4,0 bilhões as compras externas do petróleo e derivados. Para todo o quinquênio 1951-1955, as previsões são de ordem de Cr$ 27 bilhões, à base dos preços atuais.

Em volume, o consumo nacional de derivados do petróleo, quase totalmente suprido através das importações, cresceu em média de 6,4% de ano para ano, no decênio de 1931 a 1940. No decênio seguinte, 1941-1950, o crescimento médio anual foi de 11,9%. Desde o término da II Grande Guerra, porém, o aumento do consumo entrou a acelerar-se, ainda mais, acusando a média de 19,5% de ano para ano, no quinquênio 1946-1950. De 1949 para 1950, esse aumento atingiu 22,3%, havendo indício, entretanto, de que se atenuará de forma a situar-se em menos de 20% nos próximos anos. Esse ritmo de aumento de consumo é, por um lado, alarmante, embora, por outro, altamente auspicioso.

O estudo do problema permite prever a duplicação do consumo nacional de derivados do petróleo de 1950 para 1955. O consumo, expresso na unidade comumente usada, atingiu no ano passado a cifra de 100 mil barris por dia, devendo alcançar ou ultrapassar 200 mil barris ao findar o quinquênio 1951-1955.

Esses algarismos mostram que as refinarias em construção ou concedidas, até agora, não bastarão para industrializar sequer 50% do petróleo necessário ao consumo do País em 1955. Quanto à frota de petroleiros, já adquirida, tem capacidade para suprir, nas distâncias médias em que os transportes deverão processar-se, somente cerca de 20% dos volumes a serem então consumidos. A produção atual do óleo bruto, na única província petrolífera em exploração, corresponde, apenas, a 2,5% do consumo interno, embora sua capacidade seja maior e considerável sua importância para o nosso suprimento, dada a qualidade do óleo bruto baiano.

É evidente, portanto, que o problema apresenta-se como de suma gravidade, em face das perspectivas de perturbação no comércio internacional de petróleo e da própria limitação da capacidade de pagamento do Brasil, mesmo que haja disponibilidade do produto no exterior. Não podemos desprezar os reflexos da crise anglo-iraniana e de toda a conjuntura internacional, sobre o suprimento de combustíveis do nosso País.

Na realidade, portanto, o problema não comporta solução à base exclusiva da importação da matéria-prima em bruto, para ser refinada no País. Já os preços do petróleo bruto, atualmente vigentes no mercado internacional, limitam os lucros da industrialização e, assim, reduzem em pouco o dispêndio de divisas com o refino da matéria-prima importada. Somente a produção interna, em volumes compatíveis com o consumo, permitirá assegurar o desenvolvimento da economia nacional naquilo que dependa dos combustíveis líquidos. Para esse fim torna-se indispensável adotar medidas econômicas de amplitude correspondente à extensão e à complexidade do problema.

Cabe acentuar que o problema nacional do petróleo não se limita ao atendimento da demanda atual ou da prevista, conforme as linhas acima, até 1955: a produção do petróleo, dentro das possibilidades que tivermos, está entre aquelas produções básicas que, voltadas para as necessidades nacionais, marcarão o compasso do nosso desenvolvimento geral.

Nossa indústria, ainda incipiente quanto às possibilidades a curto prazo, mas já com uma elevada taxa de crescimento, e as condições geográficas do País, que impõem a expansão do tráfego rodoviário e aéreo, além do emprego de combustíveis líquidos em navios e locomotivas, tendem a agravar cada vez mais a nossa dependência em relação ao petróleo.

Para podermos acelerar o progresso do País, desenvolvendo os transportes rodoviários, aeroviários, a dieselificação das ferrovias, a navegação, a mecanização da agricultura e as indústrias básicas e de consumo, numa taxa maior do que se verifica presentemente, o consumo de derivados do petróleo deverá aumentar ainda mais. As rodovias dependem do petróleo para a pavimentação de suas pistas e para os seus veículos. A solução do próprio problema da casa popular está intimamente relacionada com a produção de cimento e de outros materiais de construção, que implicam em alto consumo de combustíveis. Muitas indústrias de alimentação também dependem em alta escala do petróleo. Poderíamos multiplicar exemplos.

Cabe ainda não esquecer a polimorfa contribuição do petróleo e seus derivados para o desenvolvimento da indústria química e as novas perspectivas abertas pela produção de sintéticos, estreitamente vinculada à técnica da industrialização do óleo mineral.

Os índices do consumo nacional de petróleo são ainda muito baixos, em comparação com os de outros países. Esse consumo em 1950 foi, per capita, de 0,6 de barril por ano, enquanto, com base nos dados de 1947-1948, esse índice foi na Argentina de 2,9, no Uruguai de 1,5, na média da América do Sul de 1,6 e nos Estados Unidos de 14 barris. No balanço energético do País, a contribuição do petróleo está em cerca de 100/0, enquanto que a lenha ainda contribui com 80%. Nos Estados Unidos, aquela percentagem é de 42%, ficando 46% para o carvão mineral.

Dessa forma, é o petróleo um fator básico para a emancipação econômica e o bem-estar social do nosso povo.

Não podemos, portanto, mostrar fraqueza ou retardo na verificação e aproveitamento das nossas jazidas de óleo mineral, em escala compatível com os recursos financeiros e técnicos que pudermos mobilizar, sob perfeito controle, e devidamente considerada a expansão dos outros ramos da economia do País. E devemos pensar até na produção de excedentes para exportação, melhorando assim nossa capacidade de importar outros bens essenciais à produção e ao consumo. Nessas condições, a produção do petróleo influirá decisivamente na posição internacional do Brasil.

 

EMPREENDIMENTOS

Tendo em vista as necessidades mais urgentes e as possibilidades de captação de recursos financeiros para inversão em empreendimentos relativos ao petróleo, determinei a elaboração de um programa para a atuação do poder público, de 1952 a 1956, com o fim de lançar essa indústria, através da empresa cuja criação ora é proposta, em bases tais que lhe assegurem condições para se consolidar e desenvolver, em curto prazo e na escala suficiente.

Visa-se, essencialmente, intensificar a pesquisa nas áreas potencialmente petrolíferas, avaliar as jazidas já descobertas na Bahia, desenvolver a produção nessas jazidas e nas que forem identificadas noutras regiões, como resultado dos trabalhos de pesquisa; enfim, realizar os empreendimentos necessários à extração do petróleo bruto nas áreas reconhecidas como potencialmente produtoras. Os depósitos já identificados na Bahia avaliam-se em cerca de 50 milhões de barris de óleo bruto, ou seja, o equivalente a pouco mais de um ano de consumo atual do País. Há necessidade urgente de delimitar e avaliar toda a província petrolífera, para fundamentação da política de refino a ser seguida, à base do óleo parafínico baiano. No Maranhão, na Amazônia e na bacia do Paraná, os trabalhos de pesquisa mal se iniciaram e precisam adquirir um ritmo capaz de possibilitar a revelação pronta da existência, ou não, de óleo mineral em quantidades comerciais.

Ao lado desse programa de pesquisa e exploração dos recursos petrolíferos da Nação, é desejável, com o fim de poupar divisas, ampliar a rede de refinarias em construção ou concedidas, para que disponhamos, até fins de 1956, de uma capacidade aproximada de refino superior, em cerca de 100 mil barris diários, à prevista atualmente. Dessa forma, as diversas regiões consumidoras irão sendo dotadas de instalações de desdobro do óleo bruto importado ou produzido no País, encaminhando-se o problema para a solução adequada, à base da exploração das jazidas nacionais.

A ampliação da frota petroleira, para que se tenha assegurado o transporte de uma parte substancial do óleo bruto e dos derivados consumidos no País, é um terceiro ponto do programa elaborado. Caso se inicie e se desenvolva a produção nacional, reduzir-se-á a expansão necessária na tonelagem marítima em confronto com a que seria reclamada pelo carreamento dos produtos importados do exterior. É de presumir que a própria operação dessa frota proporcione recursos para a sua manutenção e ampliação.

Além dos três pontos assinalados, a programação dos empreendimentos relativos a petróleo abrange a intensificação das pesquisas e a industrialização do xisto betuminoso.

Para a progressiva execução do conjunto do programa exposto, irá sendo preparado pessoal técnico de nível superior, mediante estágios nos países em que a indústria do petróleo se acha mais desenvolvida, bem como operariado qualificado nacional.

O trabalhador brasileiro tem revelado, nos trabalhos de campo e de refinação de petróleo, confirmando aliás o que se tem verificado em outras indústrias, capacidade de apreender rapidamente as técnicas modernas. Promover-se-á ainda a pronta ampliação dos quadros, mediante contrato e fixação de elementos técnicos, o que permitirá intensificar a preparação do pessoal nacional.

O conjunto desses empreendimentos, para ser levado a efeito, exige recursos financeiros de vulto, que se torna indispensável captar e aplicar, de forma adequada e em tempo hábil.

 

INVESTIMENTOS

Numa estimativa preliminar das inversões a serem realizadas, durante os próximos anos, chegou o Governo à conclusão de que são necessários, pelo menos, Cr$ 8 bilhões de novos recursos líquidos, para os empreendimentos programados e com perfeita possibilidade de execução. Essa estimativa compreende inversões em refino num montante aproximado de Cr$ 2 bilhões, de cerca de Cr$ 1 bilhão em equipamentos de transporte e de cerca de Cr$ 5 bilhões em pesquisas e produção, ou seja, para este último setor de atividades, Cr$ 1 bilhão, em média anual, de 1952 a 1956.

O programa básico é moderado, face à magnitude e importância do problema, conquanto as cifras globais se afigurem de grande vulto; é que os dispêndios se estenderão por todo um quinquênio, compreendendo mesmo o primeiro ano do próximo período governamental, de forma a assegurar o pleno desenvolvimento dos planos iniciais e possibilitar a formulação, pelo novo Governo, com tempo suficiente, do programa ulterior. O Governo, porém, se empenhará em ampliar e antecipar a realização do programa, contando com os recursos extraordinários possíveis e previstos no projeto de lei, inclusive os resultantes das aplicações imediatamente rentáveis.

Evidentemente, a aplicação dos recursos deverá processar-se de maneira flexível, conforme a marcha da execução do programa, que poderá reclamar a concentração de esforços numa nova província petrolífera descoberta. Nesse caso, os recursos financeiros mobilizados poderão apresentar-se até mesmo insuficientes; mas tal será o significado econômico da descoberta, que a captação de recursos financeiros adicionais poderá ser levada a efeito em bases diferentes daquelas agora propostas.

 

RECURSOS

Na busca de fontes onde obter os recursos de que o Brasil necessita, para empreender e levar a cabo o programa de trabalhos acima expostos, o Governo teve em vista ligar aos empreendimentos estatais referentes a petróleo aquelas atividades econômicas ou parcelas da população que não podem prescindir dos derivados do óleo mineral, e, do mesmo passo, recorrer a fontes de financiamento que não impliquem em desviar capitais necessários a outros empreendimentos públicos e privados de importância para a economia nacional.

A tarefa da conquista do petróleo pelo nosso povo, sob a direção do Governo nacional, torna indispensável não só um considerável esforço técnico, mas um vigoroso esforço financeiro do País.

Os cidadãos são convocados a participar da solução do problema dos combustíveis líquidos minerais, mediante captação tributária e subscrição de títulos da Petróleo Brasileiro S. A. – que será o eficaz instrumento para enfrentar decisivamente o problema.

Os recursos próprios da Sociedade terão a seguinte origem:

1 – bens da União pertinentes a petróleo e incorporados ao capital;

2 – receita federal sobre parte do imposto de combustíveis líquidos e sobre a importação e o consumo de automóveis, cujas taxas deverão ser elevadas, bem como sobre a parte não vinculada ao Fundo Naval do imposto vigente sobre remessa de valores para o estrangeiro, destinado ao pagamento de automóveis e acessórios;

3 – indiretamente, do produto de uma taxação sobre artigos de luxo;

4 – parte da receita estadual e municipal do imposto sobre combustíveis líquidos, com opção, por essas entidades, de seu emprego em empresas petrolíferas subsidiárias;

5 – tomada compulsória de títulos pelos proprietários de automóveis e afins;

6 – subscrição voluntária pelos particulares e entidades públicas.

Pretendeu o Governo, na medida do possível, que a participação dos cidadãos se fizesse através de uma tributação suave e da subscrição voluntária de títulos.

Não faltaria para isso a consciência pública da magnitude e urgência do problema. Mas as possibilidades de tributação são limitadas, num país de economia ainda incipiente, com enormes encargos de desenvolvimento e com um aparelhamento tributário que muito deixa a desejar. Ao lado disso, a insipiência do mercado de títulos e as dificuldades práticas desse meio limitariam muito as possibilidades de a subscrição voluntária aglutinar os recursos necessários.

 

PARTICIPAÇÃO

Assim, embora o Governo apele para a subscrição voluntária de títulos da empresa mista, e apoie financeiramente o programa nacional do petróleo, sobretudo no esquema tributário, que é o objeto do programa complementar, em bases equilibradas, justas e suaves insuscetíveis de causar dano à economia nacional – não pode fugir de convocar ainda, à subscrição compulsória de ações ou obrigações, os proprietários de veículos automóveis e outros dotados de motores, que têm interesse direto no problema, assegurando assim a participação, na grande empresa nacional, de uma massa que poderá atingir a centenas de milhares. Realiza-se sua participação através da tomada de títulos, embora sob a forma de poupança e investimento compulsórios, como o impõe a urgência do problema, tão clara na consciência de todos.

Dessa maneira, apesar de alguns inconvenientes práticos imediatos, que seriam afastados pela simples tributação, o Governo associa, como acionista, ao êxito dessa empresa um grande número de cidadãos. Dá-se assim autêntico caráter nacional a esse empreendimento, que não se confunde, pelo seu cunho e envergadura, nem mesmo com os mais audaciosos projetos industriais do Estado noutros setores.

A subscrição de ações da Sociedade não é somente um ato de patriotismo. Para maior garantia dos demais subscritores do capital, o Governo Federal abre mão da participação nos dividendos, enquanto aqueles não auferirem 8% sobre o capital que integralizarem. Dessa maneira, o risco da pesquisa recairá praticamente sobre o capital integralizado pela União.

A própria pesquisa, num amplo programa distribuído por várias zonas com probabilidades de produzir óleo, e utilizando os métodos mais modernos, terá o seu risco específico bastante diminuído. As demais aplicações deverão produzir lucros consideráveis aos preços atuais.

Dada a expectativa do êxito financeiro da empresa, os títulos constituirão fonte de renda para os seus tomadores. Estes poderão, ademais, negociá-los, dentro das limitações estabelecidas no projeto de lei.

A integralização do capital da empresa, pelos particulares, além da subscrição voluntária, deverá processar-se mediante pagamentos parcelados feitos pelos proprietários de veículos a motor, segundo uma tabela progressiva, baseada na capacidade de contribuir.

Estabelece-se, entretanto, limite para a subscrição de ações ordinárias, com voto. Acima desse limite, os subscritores voluntários, as entidades de direito público e os proprietários de automóveis participarão da formação dos recursos da Sociedade mediante a tomada de ações preferenciais sem voto ou de obrigações, estas a juros fixos e com prazo certo de resgate. Trata-se, ademais, de títulos negociáveis, nos casos previstos no projeto de lei.

Houve o cuidado de conceder o máximo de opção, entre três títulos diferentes, aos subscritores, voluntários ou não.

Uma participação adequada na Diretoria e no Conselho Fiscal constitui também um dos traços da nova empresa industrial mista, na qual, embora sob o controle oficial, o Governo deseja imprimir o estilo das organizações privadas.

Dessa forma, dentro do sistema elaborado no projeto de lei, fica assegurada a participação do público no grande empreendimento nacional, possibilitada a obtenção de um complemento importante aos recursos de fonte tributária, e preservado, o quanto conveniente, o caráter de empresa privada na organização mista, sem que, de um lado, sejam necessárias as restrições extremas que são essenciais em empresas comuns concessionárias ou autorizadas a operar na produção petroleira, e, de outro, possa prevalecer sequer o receio quanto a controle ou influência nociva ou estranha ao interesse nacional.

 

PODER PÚBLICO

O Governo Federal deverá deter um mínimo de 51 % das ações com direito a voto.

Os bens pertencentes ao Governo Federal e peculiares à atividade da empresa, como refinarias, petroleiros, oleodutos, material de pesquisa e produção, jazidas de petróleo e de gases naturais já descobertas, etc, são estimados preliminarmente em cerca de Cr$ 2,5 bilhões, mas sua avaliação para incorporação ao capital social estará sujeita às normas legais.

Das fontes tributárias previstas, estarão assegurados os recursos necessários não só para a imediata integralização, pela União, do capital inicial de Cr$ 4,0 bilhões, mas para a elevação deste, até 1956, ao nível mínimo de Cr$ 10,0 bilhões, como requer o programa do petróleo. Fica assegurada, assim, desde já, a realização do programa básico.

Além das fontes indicadas expressamente, uma vez acrescida a receita prevista para o plano nacional de reaparelhamento econômico com a contribuição de 3% sobre os lucros retidos, o Governo poderá destinar a parte respectiva à subscrição de capital da Petróleo Brasileiro S. A.

Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão no capital da Sociedade, como é de esperar, a quota do imposto sobre combustíveis líquidos, que o projeto de meios destina a petróleo. Espera-se que a subscrição dessa fonte ultrapasse Cr$ 2,0 bilhões, embora sejam também acrescidas as respectivas quotas do Fundo Rodoviário. Dessa maneira, ficará consideravelmente ampliado o patrimônio dos Governos locais.

É de prever ainda a tomada de títulos da Sociedade pelas autarquias federais e estaduais.

 

GESTÃO

Para que a captação e a aplicação desses recursos se façam com a flexibilidade indispensável à realização dos empreendimentos programados é que o Governo propõe a organização de uma empresa, nos moldes do projeto, e que agirá diretamente, ou através de subsidiárias, como o impõem a gestão de grandes recursos e a complexidade da indústria.

Com os parcos recursos com que tem contado, o Conselho Nacional do Petróleo realizou uma obra considerável, não obstante as dificuldades que lhe antepõe o regime de gestão das verbas orçamentárias, mesmo dentro das normas fixadas pelo Decreto-Lei nº 538, de 1938. Empreendimentos como a Refinaria de Mataripe, em operação, e a de Cubatão, que está sendo construída, ou como a Frota Nacional de Petroleiros, para proporcionarem pleno rendimento, necessitam ser administrados como entidades industriais. A medida que novos empreendimentos forem sendo lançados e concluídos, a direção harmônica do conjunto das entidades e a administração de cada uma delas em particular terão de ser conduzidas necessariamente dentro de normas e com objetivos de natureza econômica que reclamam maior utilidade de ação do que é possível aos serviços públicos comuns.

A Sociedade por ações preconizadas no projeto de lei atenderá, por certo, a essa necessidade, haja vista a experiência da Companhia Siderúrgica Nacional, criada em 1940, e cujos benefícios para a economia do País e sucesso financeiro são incontestáveis.

Depende o êxito da empresa, obviamente, não só dos responsáveis pela sua direção, mas também da própria natureza da atividade a que ela se dedicará. O empreendimento visa principalmente à pesquisa e à produção de óleo mineral no território brasileiro. É, portanto, uma empresa de risco; mas o risco decorrente da própria pesquisa de jazidas minerais perde de significado, em parte, diante da envergadura do empreendimento, que possibilita levar a sua atividade a grandes e variadas áreas potencialmente petrolíferas, como as formações sedimentares do Nordeste, do Meio-Norte, da Amazônia e da bacia do Paraná.

Na Bahia, a existência do petróleo já é comprovada; na Amazônia há sedimentos de espessuras consideráveis, em que se encontraram amostras de óleo e gás; no Sul, a ocorrência de arenitos betuminosos prova a presença de petróleo, que a pesquisa e a perfuração trarão provavelmente para o âmbito comercial.

Incorporados à Sociedade, deverão organizar-se, ademais, empreendimentos imediatamente rentáveis, como os destinados à exploração das indústrias do transporte e do refino. Convenientemente orientados, esses empreendimentos assegurarão lucro às empresas associadas à Sociedade, ainda que demorem, acaso, as descobertas de novos campos de petróleo.

Cabe, porém, conciliar o instrumento flexível de execução do programa nacional do petróleo com a plena segurança de sua operação, indene de perigos. É fora de dúvida, como o demonstra a experiência internacional, que, em matéria de petróleo, o controle nacional é imprescindível. O Governo e o povo brasileiros desejam a cooperação da iniciativa estrangeira no desenvolvimento econômico do País, mas preferem reservar à iniciativa nacional o campo do petróleo, sabido que a tendência monopolística internacional dessa indústria é de molde a criar focos de atritos entre povos e entre governos. Fiel, pois, ao espírito nacionalista da vigente legislação do petróleo, será essa empresa genuinamente brasileira, com capital e administração nacionais.

O real perigo a evitar seria o de que, através da participação do capital privado, agissem grupos monopólicos de fonte estrangeira ou mesmo nacional. Tal possibilidade foi, no entanto, tecnicamente anulada no projeto, seja pelo sistema de limitação na subscrição de ações com voto, seja pela limitação de diretores eleitos pelo capital privado, bem como através da escolha, pelo Presidente da República, do presidente da Sociedade, com direito a veto, e dos demais diretores-executivos, e ainda pela necessidade de decreto para homologar qualquer reforma de estatutos; sem mencionar a esmagadora maioria dos poderes públicos no capital social, o próprio controle inicial da sua totalidade, e, finalmente, enorme difusão da parcela do capital, percentualmente limitada, em poder do público.

Com essas medidas, parece ao Governo que a gestão dos recursos financeiros a serem captados, conforme os projetos de lei, poderá processar-se da forma mais adequada à consecução dos objetivos em vista, através da Petróleo Brasileiro S. A., como projetada.

 

COORDENAÇÃO

Para enfrentar, em todos os aspectos e fases essenciais, problema tão vasto e complexo como o do petróleo, não há fugir à mobilização de meios – em recursos financeiros e organização – em escala proporcional à amplitude e extensão do próprio problema. Qualquer alternativa mais restrita seria inócua ou contraproducente.

Consciente dessa necessidade está o Governo, no entanto, alertado para as dificuldades de ordem técnica que um empreendimento dessa magnitude apresentará, praticamente, como problema de administração. Mas essas dificuldades são superáveis – outros países e outras empresas as enfrentaram com sucesso -, e embora não tenhamos ainda, realmente, experiência administrativa de direção e gerência de organizações congêneres desse porte não há por que duvidar da nossa capacidade de dirigir grandes empreendimentos industriais ou comerciais, sem deixá-los cair, fatalmente, nos males do gigantismo burocrático. Ainda que para evitar esses males, muito dependa o empreendimento dos homens que o dirigirem, as suas próprias bases, estrutura e diretrizes já foram concebidas com esse propósito. Para impor flexibilidade de atuação, foram previstas entidades subsidiárias e a possível articulação com empresas privadas, de modo a impedir que a Sociedade se torne demasiado compacta ou rígida, desenvolvendo-se, antes, com o caráter de uma estrutura de coordenação.

O próprio poder da direção da empresa, e, em particular, de seu presidente, está sujeito a um sistema de freios e contrapesos que, sem tornar sua autoridade menor que a responsabilidade, limita-a e equilibra-a, harmonicamente, com a do Conselho Nacional do Petróleo. A estrutura da empresa preconizada imprime unidade ao conjunto dos empreendimentos em marcha ou a serem por ela iniciados, de forma a assegurar a integração das atividades econômicas peculiares aos vários setores da indústria. Todas as grandes empresas de petróleo, privadas ou estatais, existentes nos outros países, mantêm sob direção unificada os serviços de pesquisa, produção, refino e transporte.

Dessa forma, a gestão coordenada das empresas industriais pertinentes ao petróleo, em que o poder público tenha participação preponderante, ficará assegurada com a execução da lei ora submetida, em projeto, à consideração do Congresso. Restará regular, porém, de modo geral, a gestão coordenada de outras empresas industriais do Estado ou paraestatais, instituindo normas condizentes com a sua finalidade econômica e dispondo sobre o seu funcionamento harmônico, inclusive em relação aos empreendimentos privados.

Com efeito, a indústria do petróleo, lançada em bases amplas, como o preconiza o projeto de lei, deve articular-se não só dentro de seu campo específico, mas também com outros setores da economia nacional. Ao Governo não escapou a necessidade dessa articulação e medidas já vêm sendo tomadas no sentido de estimular as atividades industriais relacionadas com as do petróleo, como as de produção de aço laminado, de tubos, de cimento, etc. O programa pertinente aos combustíveis líquidos minerais não se chocará, portanto, com os planos de inversões públicas em outros empreendimentos de natureza econômica; ao contrário, os completará, como urgia.

Por outro lado, de modo algum o programa contrariará a vigente política de estabilização do valor da moeda. Este ponto é de excepcional importância em face do vulto do empreendimento planejado, que se lançará justamente no momento em que o Governo está considerando planos para o reequipamento econômico do País, planos esses que exigirão esforços e sacrifícios, a fim de serem executados dentro de um regime de relativa estabilidade monetária.

O presente projeto consistirá essencialmente no aproveitamento de recursos de receita ordinária e na transferência, para investimentos de fundamental interesse nacional, de fundos relativamente improdutivos, em termos de benefícios para a Nação. Esse deslocamento da aplicação de fundos seria inevitável, pois é irrealístico supor que um empreendimento com as características do proposto possa realizar-se somente com a utilização de recursos ociosos. Para a existência de grande massa de fundos inativos seria necessária uma renda per capita mais alta, que exigisse menores oportunidades para investimentos especulativos e maiores incentivos para poupar do que existem atualmente. Por outro lado, dadas as características e tendências das classes que serão chamadas a prestar o seu concurso ao empreendimento, esses fundos, se permanecessem em seu poder, seriam, na sua quase totalidade, provavelmente utilizados na compra de artigos de consumo suntuário ou em atividades virtualmente improdutivas para o bem-estar coletivo. Assim, uma vez canalizadas essas disponibilidades para investimentos de alta produtividade potencial, seu efeito inflacionário a curto prazo ficará muito reduzido, enquanto, ao contrário, deverão constituir-se, no período subsequente, num fator de estabilização monetária, mediante o aumento direto e indireto da produção.

 

MAGNITUDE

Ao submeter à consideração do Congresso Nacional o projeto de lei assim fundamentado, cumpre-me reiterar a importância do problema de que ele se ocupa e cuja solução deve ser procurada com a mais enérgica diligência, para que não se comprometam a segurança e o desenvolvimento econômicos da Nação, em futuro próximo. Sem o firme propósito de levar a termo empreendimentos de vulto, mediante a aplicação de recursos financeiros consideráveis, o País poderá, dentro de um decênio, defrontar-se com sérios embaraços à defesa nacional e com a contingência de racionar o consumo de derivados do petróleo, em face da impossibilidade de adquirir no exterior os volumes de que necessita, cerceando, dessa maneira, seu desenvolvimento.

Como é sabido, a inelasticidade característica da procura internacional dos produtos primários e gêneros alimentícios, que constituem a massa das exportações brasileiras, conduz a um grave círculo vicioso. De um lado, em curto prazo, o simples aumento de volume das nossas exportações, a partir de certo ponto, poderá provocar uma queda dos seus preços proporcionalmente maior do que o aumento do volume, com uma redução total das receitas de exportação; por outro lado, se bem que a redução do volume deva, dentro de certos limites, produzir um aumento mais do que proporcional de preços, a partir desses limites, que são relativamente restritos, qualquer diminuição de volume reduzirá o valor total das exportações.

Essa característica da procura internacional de produtos primários em geral constitui, assim, empecilho de difícil transposição para o aumento de nosso poder de compra no exterior.

Considerando-se a elevada taxa de crescimento do consumo de produtos de petróleo no Brasil e a existência desse teto relativamente baixo para o aumento das exportações dos nossos produtos clássicos, somos obrigados a concluir que encontraremos brevemente grandes dificuldades em atender ao aumento das nossas importações daqueles produtos. Além dessas dificuldades, outras poderão sobrevir em virtude de déficits da produção estrangeira, quer resultantes do consumo mundial em ascensão, quer de perturbações de ordem política internacional.

No entanto, mesmo com otimismo e afastando estas duas últimas hipóteses, parece óbvio que estamos caminhando certamente para um impasse, devido à desproporção existente entre a possibilidade de aumento do nosso poder de compra no exterior e do aumento substancialmente maior do valor dos produtos de petróleo consumidos no Brasil. A não ser que tomemos agora as providências indispensáveis, nas dimensões adequadas, terá o País que considerar em futuro não muito afastado a necessidade do racionamento de combustíveis líquidos e do uso de substitutivos, voltando possivelmente a experiências penosas, como as que, numa menor escala de consumo, fomos compelidos a adotar durante a guerra passada. Em qualquer caso, para que o desenvolvimento econômico do País não se interrompa ou se reduza, a pesquisa e a extração do óleo mineral se afiguram como a medida lógica e mais promissora para a solução do problema.

Qualquer cooperação a ser pedida nos próximos anos ao público consumidor dos produtos do petróleo redundará, em última análise, em seu proveito, pois os pequenos sacrifícios agora exigidos não se poderão de forma alguma comparar com os que advirão se tivermos de voltar permanentemente ao sistema de racionamento.

O programa de trabalhos pertinentes ao petróleo constitui, portanto, um conjunto de medidas da maior importância para a solução dos problemas básicos do País. Surge depois do Plano do Carvão Nacional, ora em estudo no Congresso, e deverá completar-se com outros projetos de leis pertinentes aos demais setores do aproveitamento das fontes de energia de que dispõe o País. Nos termos da minha primeira Mensagem anual ao Congresso, o Governo promoverá as medidas legislativas necessárias não só ao aproveitamento desses recursos, mas também à coordenação da política oficial de energia, com o fim de assegurar o desenvolvimento harmônico das atividades dependentes do balanço energético nacional. Parece ao Governo indispensável a aprovação do projeto referente às fontes tributárias, bem como a do referente à criação da sociedade mista Petróleo Brasileiro S.A., no menor tempo possível, como é imperioso face à conjuntura internacional e às necessidades do País, naturalmente sem prejuízo do valioso concurso com que, para sua maior eficiência, contribuirão os debates no Congresso Nacional.

 

Texto publicado na Hora do Povo – Edições 3.189, 3.190, 3.191

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