Karen Shakhnazarov: “o cinema forma o homem”
Elizabeta Boyarskaya e Maxim Matveev em “Anna Karenina”, do diretor Karen Shakhnazarov
Há alguns anos, propuseram a Karen Shakhnazarov filmar “Anna Karenina” para a televisão. O diretor não queria fazer mais uma produção tradicional, e decidiu explorar o romance por um ângulo diferente, colocando o acento principal sobre o personagem de Vronsky. Shakhnazarov escreveu o roteiro com o jovem Alexey Buzin. Os papeis principais ficaram com Elizabeta Boyarskaya (Anna Karenina), Maxim Matveev (Vronsky), Vitaly Kishchenko (Karenin), Viktoria Isakova (Dolly), Ivan Kolesnikov (Stiva Oblonsky).
Este é um projeto conjunto do canal de televisão Russia e do estúdio Mosfilm, sendo que a versão em longa metragem do filme e a versão em série para televisão foram realizadas sem o apoio financeiro do governo. No inicio do mês de julho terminou o período de filmagem, que durou sete meses. A repórter do site “Lenta.ru”, Natalya Oss, no dia 5 de julho reuniu-se com Karen Shakhnazarov, e perguntou-lhe como tinha filmado sua versão do romance de Tolstoi, por que Hollywood determina a influência dos EUA no mundo e se a Rússia precisa de seu próprio cinema.
Lenta.ru: Por que um clássico resultou para você num material contemporâneo interessante?
Shakhnazarov: Nunca escondi o fato de que me convenceram. Anton Zlatopolsky me propôs fazer um seriado com “Anna Karenina”. Eu balancei, queria – há muito já – fazer “Anne Karenina”. Surgiu a ideia sobre a forma que seria interessante para mim, e concordamos que também faria um filme separado. Tenho 15 filmes, mas nunca havia feito um filme especificamente sobre o amor. Se você quiser fazê-lo, melhor que “Karenina” não dá para imaginar. Esse romance é o máximo, nada melhor foi escrito sobre o tema, e nunca será. As relações entre homens e mulheres, e o mais importante, a essência da existência humana em geral.
Lenta.ru: Você teve dificuldades trabalhando com jovens atores?
Shakhnazarov: Estou muito satisfeito com os jovens, eles trabalham bem, atuam de um jeito muito contemporâneo. Eu gosto disso. Talvez, então, aqui a minha ideia fosse correta – a idade dos atores deve coincidir com a idade dos heróis da novela.
Lenta.ru: Você é o diretor geral do Mosfilm. Como o Estúdio está trabalhando hoje?
Shakhnazarov: Como uma fábrica de cinema capitalista. Nos criticam: “Mosfilm faz poucos filmes”. Bem, ouçam: o sistema mudou! Nós participamos de muitos filmes, alugamos nossas instalações, fazemos alguns filmes – às vezes até 10 por ano -, mas fazer uma quantidade como nos tempos soviéticos, quando o estúdio produzia 40, simplesmente não podemos. Por isso eu respondo a todas as reclamações: pessoal, então mudem o sistema! Voltem à URSS, voltem ao GOSKINO, o Comitê do Estado de Cinematografia, voltem então ao Departamento de Cultura do Comitê Central do PCUS.
Lenta.ru: O sistema de financiamento do cinema, com o Estado como principal investidor, lhe satisfaz? É adequado às tarefas do cinema russo contemporâneo?
Shakhnazarov: Já disse muitas vezes que devemos ter um centro de cinema. Agora nós temos dois centros de controle. O financiamento vem do Ministério da Cultura e também do Fundo de Cinema. No sistema soviético, o cinema era tratado de modo mais eficaz. O GOSKINO da URSS tinha nível de ministério. Não importa como você o chame – Goskinofond (Fundo de Cinema do Estado), GOSKINO – mas deve haver um único centro, que lide com o apoio financeiro ao cinema e resolva os problemas, começando pelas contratações e distribuição e terminando na tecnologia. O paradoxo reside no fato de que o cinema soviético, em uma economia que não era de mercado, era rentável e o cinema russo atual não é rentável. Isso está errado.
Lenta.ru: A Rússia é capaz de alcançar o sucesso de antes no cinema? Ou, pelo menos, chegar perto dele?
Shakhnazarov: A União Soviética em muitas áreas, em um período muito curto, alcançou resultados fantásticos, criou setores inteiros. Entre eles, criou a partir do zero a indústria cinematográfica, que se tornou parte da mundial. Ela não era mais poderosa do que a dos EUA durante a época soviética, mas impunha respeito no mundo; na Europa e na Ásia era conhecida. Agora estamos recomeçando do zero. Ouça, nós apenas estamos nos recuperando do choque! Se você chegasse em 1994 no Mosfilm ficaria com uma impressão terrível. Na verdade, era como se fosse depois da guerra. Corredores vazios destruídos, tudo estava em um estado lamentável. Muitos saíram do cinema para sempre, alguns morreram. Foi um grande drama. Eu digo que 80 filmes é pouco, mas, por outro lado, o fato de que existem já é bom, quer dizer que estamos vivos e recuperamos muito, nos mexemos.
Lenta.ru: E podemos recuperar a posição perdida no cinema?
Shakhnazarov: Vejo o futuro com otimismo. Aliás, acho que com as sanções Deus nos ajuda. Nós não nos atrapalhamos com elas. Hoje nosso objetivo não é alcançar a indústria cinematográfica norte-americana. A tarefa é criar um cinema nacional suficientemente forte.
Lenta.ru: O que é que vai ajudar? A união dos cineastas, a vontade administrativa?
Shakhnazarov: Os cineastas não podem resolver o problema, em nenhum lugar do mundo acontece isso. Eu acho que é a vontade política. O Estado hoje não tem o entendimento de que o cinema é necessário. Na URSS, o cinema era parte da ideologia, os governantes estavam envolvidos. Talvez este seja um exemplo bobo, mas caracteriza a situação: todos os membros do Secretariado Político do PCUS, incluindo o Secretário-Geral, nas suas casas sempre assistiam o cinema soviético. As primeiras cópias de todos os filmes do Mosfilm sempre eram levadas para as datchas. Duvido muito que nossas elites políticas assistam agora o cinema russo. O cinema forma o homem. Especialmente nestes tempos, quando as pessoas não lêem quase nada. Converse com qualquer jovem – ele não conhece livros, mas conhece filmes. E, geralmente, filmes americanos. Esse é o poder de persuasão americano. É claro. Através do cinema os americanos têm uma tremenda influência na formação do ambiente em que operam como força política.
Lenta.ru: Você acha que Obama, McCain e Kerry assistem o cinema deles?
Shakhnazarov: Acho que sim. Os americanos em geral gostam muito de cinema. Eles criaram o próprio conceito de indústria cinematográfica. E se referem a ela como a seu patrimônio nacional. O cinema é um dos pilares sobre os quais a América se sustenta. Até agora, a antiga cultura russa continua a ser uma importante fonte de nosso poder de persuasão – Tolstói, Dostoiévski. Infelizmente, o moderno cinema russo e a cultura não exercem mais essa influência. Tenho a sensação de que o nosso governo não entende a importância do cinema como um poder de persuasão.
Lenta.ru: Se você fosse atualmente um jovem cineasta, seria bem sucedido?
Shakhnazarov: Eu duvido. Essas oportunidades, que havia na União Soviética, agora não as temos. Nós éramos uma superpotência. Nossos filmes saiam ao mesmo tempo em Moscou, Varsóvia e Berlim. O público – mais de um bilhão de pessoas – assistia de forma normal. Agora, um jovem diretor faz um filme com recursos modestos e se chega a um festival já está bom. É totalmente outra sensação interna. Por isso, ninguém conhece os jovens diretores. Na URSS, o diretor era a estrela. Sim, eu amo meu trabalho, mas nunca pensei que o cinema fosse a única coisa que poderia fazer. Cinema é bom se é possível realizar-se nele, se não for possível, é terrível.
Fonte: jornal Hora do Povo
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