19-11-16 elio-petri

O cinema e as contradições de Elio Petri

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CAIO PLESSMANN*

O cineasta italiano Elio Petri (1929-1982) parece levar às últimas conseqüências sua visão crítica da sociedade e ainda que destaque temas agudamente pertinentes na dinâmica contemporânea – o que o situa dentre os mais corajosos de sua geração -, em suas obras não se vê saídas para os impasses que constrói com rara habilidade. Ao contrário, ele desenha a dinâmica interna dos seus filmes de tal modo que torna-se quase impossível superar os aspectos doentios e até mesmo terminais da sociedade que retrata.

O autor era ligado ao partido comunista mas rompeu com o mesmo após as denúncias contra Stalin. Poucos cineastas talvez tenham sentido tanto a falta de perspectivas quanto ele. Resultado do cruzamento de marxismo, psicanálise, iconoclastia religiosa, cinema e artes plásticas, o autor alcança notável rigor estilístico os quais surpreendentemente deságuam em uma visão niilista do homem, da sociedade e da história, deixando transparecer a sua incapacidade de produzir sentido que se contraponha às versões de encomenda do homem médio que continuamente critica.

Em A Classe Operária Vai Ao Paraíso, 1971, ironiza a tentativa do movimento sindical colocando-o em paralelo à metáfora do engano que seria o Paraíso. Estende sua análise situado-a na lógica de crenças subalternas que reduz o funcionário padrão ao tipo puxa-saco. Depois, na virada do personagem, lhe aplica um nocaute quando o lança alienado no seio do movimento operário, batendo de frente com a estrutura industrial que o atropela avassaladoramente. A narrativa é ágil, nervosa, realista.

Movimento semelhante, mas inverso, opera em Todo Modo, 1976, lançado aqui como Juízo Final. Nessa obra intrigante de recorte expressionista Petri coloca a cúpula da Democracia Crista dentro de um regime de trabalhos espirituais jesuíticos, tratando de contemporizar através de suas práticas a corrupção endêmica a que estavam entregues. Surpreende justificando o extermínio a que se dedica a extrema esquerda (no filme personagem oculto), em termos de uma metafísica fatalista operada nos moldes de um juízo final irremediável.

Parece oferecer assim permanente ajuste de contas com os sistemas falidos que critica, sem oferecer rota de fuga aos seus personagens. Em Investigação Sobre Um Homem Acima de Qualquer Suspeita, 1972, responde com força à renovação do movimento fascista dentro do governo italiano dos anos 60/70. Nessa obra sui generes o protagonista expõe seu crime para provar, pela impunidade, a própria autoridade. Trabalho indigesto para o status quo que àquele tempo tratava de disfarçar cada vez mais as duas ou três décadas de cinismo que disseminara.

Seu impressionante rigor estilístico ligado às conquistas formais do neo-realismo e dos cinemas novos, seu tratamento dramatúrgico funcional e expressivo o situa como expoente da crítica social. Sua construção da verdade fora do homem e dentro da estrutura de interpretação histórica submetida aos sabores do tempo exige que o espectador se situe, ele mesmo, em si próprio para escapar ao destino terrível que seus personagens parecem adentrar, uma espécie de peste medieval congênita e contraditória. Talvez a dificuldade do desafio lançado seja a causa de Petri estar entre os menos prestigiados de sua geração. Morto precocemente aos 53 anos, deve ser assistido de forma mais generosa do que a que utilizou em suas analises, para que a manipulação do espírito se torne álibi e não sentença. Sua obra convida desse modo o espectador a observar simultaneamente personagens e espaço-tempo, a vivenciar na prática a percepção simultânea e distinta da tela e de si mesmo.

*É cineasta

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