Fernando Siqueira: O favorecimento explícito e ilegal às multinacionais no leilão do pré-sal

No último dia 15, a Comissão de Assuntos Sociais do Senado, sob a presidência do senador Paulo Paim, realizou audiência sobre o leilão do pré-sal. Os debatedores foram o vice-presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET), Fernando Siqueira, o coordenador-geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP), João Antônio de Moraes, o representante da CGTB, Jorge Alves de Almeida Venâncio, e da CUT, Aparecido Donizetti da Silva e a diretora-geral da ANP, Magda Chambriard. Hoje, iniciamos a publicação das principais intervenções

 

FERNANDO SIQUEIRA

 

Gostaria de dizer para todos os senhores que não tem sentido algum a realização de leilões do petróleo.

Em primeiro lugar, porque nós já descobrimos mais de 60 bilhões de barris de petróleo. Temos Tupi (9 bilhões), Iara (4 bilhões), Franco (9 bilhões), Libra (15 bilhões), Carioca (10 bilhões), Sapinhoá (2 bilhões), área das Baleias (5 bilhões). No total, com outros, são 60 bilhões, que, com os 14 bilhões que tínhamos antes do pré-sal, nos dão autossuficiência para mais de 50 anos.

Portanto, não tem sentido nós entregarmos petróleo para empresas estrangeiras, em vez de deixar a Petrobrás produzir o que já encontrou e, gradativamente, ir desenvolvendo os demais campos.

O que nós precisamos, hoje, é construir refinarias para exportar petróleo com valor agregado, derivados de petróleo e não petróleo bruto – porque, logo de saída, a União perde 30% em impostos (Cide, PIS-Cofins, ICMS). Então, não tem sentido algum exportarmos petróleo bruto – e, muito menos, entregarmos o pré-sal para empresas estrangeiras.

O petróleo é extremamente estratégico, porque, energeticamente, tem uma relação de 100 para 1 no Oriente Médio – você gasta uma unidade para obter 100. Em águas profundas, a relação é 23 para 1, mas, ainda assim, está muito à frente do segundo colocado, o carvão. Na biomassa, a média é de 1 para 1.

Além disso, há outra função estratégica na petroquímica. Nós temos hoje 3 mil produtos que têm a participação da indústria petroquímica, que vêm do petróleo – são computadores, fertilizantes, componentes eletrônicos, etc. Para substituir esses derivados do petróleo, seriam necessários aproximadamente 25 a 30 anos com altos investimentos.

Os países desenvolvidos, irresponsavelmente, se tornaram reféns desse produto e, a partir dos anos 80, o consumo passou a superar as descobertas. Hoje nós temos esta alarmante proporção: para cada barril que se descobre, quatro são consumidos. Para mostrar essa irresponsabilidade: nós temos hoje uma matriz energética mundial que tem 87% em combustíveis fósseis, não renováveis, petróleo, gás e carvão.

Aí está o pré-sal, a província do pré-sal. É a picanha azul, segundo os gaúchos, e a baleia azul, segundo os baianos.

Uma das leis do grupo de trabalho do presidente Lula, que foi a lei de capitalização da Petrobrás, estabeleceu que a Petrobrás teria uma cessão onerosa de algo em torno de 6 blocos – e que esses blocos deveriam conter 5 bilhões de barris.

A Petrobrás perfurou o primeiro bloco, o campo de Franco, e achou 9 bilhões de barris – com isso, já ultrapassara os 5 bilhões. Depois, furou o campo de Libra: deu 15 bilhões de barris. Os dois são integrados. A ANP não aceita isso, mas a geologia diz que esses campos são uma estrutura única, o que dificultaria o leilão para outras empresas (a questão da produção unitizada). Então, esse bloco de Libra, de 15 bilhões, com o de Franco – são contíguos –, têm uma reserva em torno de 24 bilhões de barris.

O 12º leilão é específico para o campo de Libra. A estimativa inicial é que fossem encontrados 5 bilhões de barris. A Petrobrás pagou pelos campos com títulos do governo e, com esses títulos, o governo recomprou ações da Petrobrás, passando a participação governamental, no capital social, de 38% para 48%. Essa foi uma ótima engenharia financeira.

Mas, quando a Petrobrás perfurou o primeiro campo, o de Franco, achou cerca de 9 bilhões de barris; já ultrapassou os 5 bilhões. Quando perfurou Libra, com 15 bilhões, já deu 24. O que teria de acontecer pela nova lei? Uma negociação, um contrato de partilha. A Petrobrás contrataria com a União o excedente, cerca de 19 bilhões de barris.

Então, o que a ANP fez? Retirou o campo da Petrobrás, retomou o campo, e vai leiloar um petróleo descoberto com risco zero, o maior campo do mundo hoje.

Uma coisa desse tipo só acontece em país militarmente ocupado; não pode acontecer em um país democrático.

 

PRESSÃO

Mais de 60% das reservas mundiais estão no Oriente Médio. Os EUA têm uma reserva, hoje, de 30 bilhões de barris.

Isso, se nós computarmos o “shale gas” [gás de xisto], que está se mostrando um fracasso retumbante, não só por ter uma depressão de mais de 40% ao ano, mas porque a água é injetada com produtos químicos para fraturar o reservatório e contamina violentamente o meio ambiente.

Mas, mesmo assim, os Estados Unidos, que têm uma reserva de 30 bilhões, consomem 10 bilhões por ano. Portanto, estão numa situação de insegurança energética brutal, assim como toda a Europa, assim como a Ásia, regiões onde estão os países mais desenvolvidos.

Então, quando aparece o pré-sal, se reativa a quarta frota americana para “proteger o Brasil”, mas, na realidade, no Atlântico Sul estão o Brasil e a Argentina – e a Argentina havia desnacionalizado o seu petróleo. Portanto, Bush reativou a quarta frota para “proteger o Brasil”, ou seja, para pressionar o governo e as instituições brasileiras a entregar essa riqueza para os americanos.

O outro conjunto de pressionadores é o cartel internacional do petróleo, que está alojado no Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP). Lá na audiência da ANP, eu o chamei de Instituto Beneficente das Petroleiras Estrangeiras, porque, além de pressionar para abrir leilões para entregar uma área que eles tiveram em mãos durante 13 anos e não investiram nada, querem agora que o governo brasileiro a entregue de bandeja.

Nós tínhamos a Lei do Monopólio Estatal do Petróleo, que foi quebrada em 1995 com a Emenda nº 9 e, aí, para regulamentá-la foi feita uma lei ordinária – em todos os aspectos, porque é uma lei incoerente, com artigos conflitantes. O art. 3º diz que as jazidas de petróleo pertencem à União, os direitos de exploração pertencem a União, mas o artigo 26, que é o artigo feito pelo lobby aqui no Congresso, diz que quem produz o petróleo é dono dele, gerando uma obrigação de pagar apenas 10% de royalties em dinheiro.

Para se ter uma ideia do absurdo disso: os países exportadores ficam com 80% do petróleo contra 20% das empresas exploradoras.

 

WIKILEAKS

Durante a discussão da lei do presidente Lula aqui no Congresso, por que a reação contra a operadora única ser a Petrobrás? Porque as duas fontes de corrupção na produção mundial são o superdimensionamento dos custos de produção e o subdimensionamento do óleo produzido, e, com a Petrobrás como operadora, essa corrupção não aconteceria. Então, eles tentaram derrubar [a Petrobrás como operadora única], mas, como não conseguiram, colocaram uma emenda dizendo que os royalties pagos em dinheiro serão devolvidos em petróleo. Essa emenda está vigorando hoje no contrato da ANP com as petroleiras: o royalty pago em dinheiro é devolvido ao produtor em petróleo.

O Wikileaks publicou o telegrama – saiu na grande mídia, que é favorável ao capital estrangeiro, portanto, é insuspeita. Diz assim Patricia Pradal, diretora da Chevron : “A estratégia das petroleiras para barrar o novo marco regulatório do pré-sal é fazer um forte lobby no Senado por meio do IBP, da Onip e da FIESP”. Fizeram oito audiências públicas, sendo 6 no Senado e 2 na Câmara, só em 2010.

No pré-sal, o modelo é de partilha; a União é a dona. Para Carla Lacerda, diretora da Exxon-Mobil, o controle da Petrobrás sobre as compras de equipamentos, tecnologia e serviços poderá prejudicar os fornecedores americanos…

Eles não queriam que a Petrobrás fosse operadora única. Os telegramas revelam a insatisfação das petroleiras com a nova lei, em especial com a Petrobrás sendo operadora única, e como elas atuaram no Senado para tentar mudar a nova lei, inclusive o contrato de partilha. Recomendaram – é importante frisarmos isto: “É preciso atuar com muito cuidado, para não despertar o nacionalismo dos brasileiros”. Isso mostra bem a estratégia.

O 11º leilão foi regido pela lei do Fernando Henrique, a Lei nº 9.478, pela qual o petróleo é todo do produtor, que paga apenas 10% de royalty em dinheiro, quando, no mundo, os países exportadores ficam com 80% do total do petróleo produzido.

Mas, no 11º leilão, foi incluída a margem equatorial, área que a Petrobrás ainda não explorou e que pode ter áreas estratégicas ou mesmo pré-sal. Nesse caso, teria que ser regido pela nova lei – não cabe mais a Lei nº 9.478, de 1997.

 

OPERADOR A

Fizemos alguns questionamentos na segunda audiência pública do 12º leilão.

Por que a ANP criou, no edital, a exigência do “Operador A” em todos os consórcios? Se, por lei, a Petrobrás é operadora única dos campos do pré-sal, existe a intenção de o governo estrangular ainda mais a empresa, inviabilizando a sua atuação?

Porque, ao mesmo tempo, ilegalmente, o governo manda a Petrobrás importar derivados e vender mais barato para as suas concorrentes, que não repassam [o subsídio] para a população. Qual é a ideia disso? É inviabilizar a Petrobrás como operadora.

Por que exigir um “Operador A” [em cada consórcio], se o “Operador A”, por lei, é a Petrobrás?

A lei estabelece um percentual fixo do excedente em óleo, quer dizer, do óleo-lucro. Ganha o leilão quem der um percentual maior do óleo-lucro. Mas a ANP estabeleceu uma tabela de variação desse óleo-lucro, desse percentual – e ainda estabeleceu um valor monetário para esse percentual.

Existe a ideia de pagar a Petrobrás em dinheiro – e não em petróleo, como manda a lei?

Por que estabelecer um valor do petróleo?

Por que estabelecer um valor variável do percentual do petróleo?

Nessa tabela, nas condições mais favoráveis – quando o poço produzir acima de 24 mil barris e o preço do petróleo for acima de US$ 170 – o consórcio abre mão de 3,9% do seu percentual para a União. Mas, quando as condições forem ruins para os dois, ou seja, produção abaixo de 4 mil barris por dia e o preço do barril a menos de US$ 60, a União abre mão de 26,9% para o consórcio.

Trata-se de um favorecimento explícito. Se as condições forem maravilhosas, o produtor abre mão de 3,9% ou 3,7%. Quando as condições forem péssimas, a União abre mão de 26,9% para o produtor.

Isso não está previsto em legislação nenhuma, não existe isso.

O bônus de assinatura, estabelecido em R$ 15 bilhões, vai eliminar as empresas brasileiras e dificultar muito a participação da Petrobrás num campo que já era dela.

A ideia é entregar esse campo para o cartel internacional do petróleo?

O que a Nação ganha com isso?

Quando perguntei por que o percentual mínimo para a União foi estabelecido em 41,65%, se, no exterior, esse percentual é acima de 80%, o diretor da ANP presente na audiência respondeu que, nas contas dele, a União vai ficar com 75% do petróleo (e o Ministro Lobão também falou essa bobagem).

Fizemos algumas contas elementares para ele, na hora.

O óleo-lucro é 100% menos o custo de produção [40%] e o royalty [15%].

Sobram 45% para dividir.

Se o vencedor der [para a União] 60% (o que já vai ser uma benesse, porque estabeleceram 41,5%), a União vai ficar com 27% e o consórcio vai ficar com 40% do custo de produção mais 15% do royalty que lhe será devolvido em petróleo, e mais 18%, que é a sua parte no óleo-lucro. Setenta e três por cento do petróleo vai para o consórcio, dos quais a Petrobrás fica com 30%. Portanto, [a Petrobrás ficará com] 21,9%.

Então, de onde o Ministro e a ANP tiraram esses 75%? Estou procurando até hoje.

 

REMESSA DE LUCROS

Estão entregando o pré-sal para cobrir o déficit nas transações correntes. No governo Fernando Henrique, começou um processo selvagem de desnacionalização das empresas brasileiras. Os novos proprietários dessas empresas começaram a remeter lucros para o exterior, o que gerou um déficit nas transações correntes. O governo brasileiro começou a incentivar a vinda de dólares, de qualquer maneira, para tapar o buraco. Veio dólar para especular na bolsa, o chamado capital motel – que fica uma noite, ganha dinheiro e vai embora; e veio dólar para comprar empresas brasileiras eficientes, lucrativas.

Mas, nesse último caso, as remessas de lucros vão aumentando cada vez mais. Quem especula, vem com um dólar e remete dois. Quem compra empresas nacionais remete, pelo menos, 30% ao ano de lucro. Em três anos ele já pagou o seu capital e começa a exportar ativos brasileiros, começa a exportar o patrimônio nacional.

Hoje, esse déficit em transações correntes já está em U$ 45 bilhões. Está projetado para chegar a U$ 75 bilhões ao fim do ano. Se forem colocar o pré-sal para financiar isso, ele vai todo embora e o Brasil não verá o resultado desse dinheiro. Então, não tem sentido. O pré-sal é para o bem do povo brasileiro. Não é para pagar o superávit primário, nem para cobrir o déficit de transações correntes, que são fruto de um modelo econômico absolutamente equivocado.

Como é que se faz, então?

Temos de entregar os campos para a Petrobrás, porque ela não remete lucros para o exterior. Temos de refazer a política industrial brasileira, que não existe.

Quando entrei para a Petrobrás, o presidente Geisel permitiu que ela comprasse equipamentos no Brasil por até o dobro do preço no exterior. Isso permitiu que, no Brasil, se formassem 5 mil fabricantes de equipamentos de petróleo e 2 mil prestadores de serviços, de projeto, inspeção e manutenção.

Veio o Collor e tirou a vantagem concedida pelo Geisel, veio o Fernando Henrique e jogou uma pá de cal, criando o Repetro, um decreto que isenta as empresas estrangeiras de impostos de importação e não isenta as nacionais. Resultado, 5 mil empresas foram desmontadas. As que restaram, hoje, foram compradas pela General Electric e outras empresas internacionais.

Quando se fala que o “conteúdo nacional” tem de ser de “X” por cento, hoje, isso não quer dizer nada. Hoje, “conteúdo nacional” é qualquer empresa que esteja situada no Brasil. Sob “conteúdo nacional”, hoje, estamos defendendo o interesse de empresas estrangeiras.

Então, temos de ter uma política industrial. A Petrobrás tem de produzir e aplicar no Brasil, gerando tecnologia, gerando desenvolvimento. Temos de recriar as condições para que o empresariado nacional refaça o parque de empresas genuinamente brasileiras. Assim se estancará a sangria da remessa de lucros, que virou uma bola de neve perniciosa. Se continuar nesse ritmo, não para nunca.

Há uma desinformação imensa no setor do petróleo. Quando a presidente Dilma viu que [enfrentaria o] 2º turno, pediu para a Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET) dar a ela um discurso. Nós mandamos: o pré-sal é a maior oportunidade que o Brasil já teve de deixar de ser o eterno país do futuro para ser uma potência financeira, econômica e tecnológica. A presidente traduziu: “o pré-sal é o nosso passaporte para o futuro e entregar o pré-sal é jogar dinheiro fora. O país precisa desse recurso”.

Acho que a Presidente tem de retomar o seu discurso nacionalista e continuar o avanço causado pelo Presidente Lula, quando derrogou essa maldita Lei nº 9.478 e fez um novo projeto para passar de concessão à partilha. A partilha de produção retoma a propriedade para a União.

 

Texto extraído da Hora do Povo – Edição 3.176

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