Pedro Monzón Barata, Cônsul Geral de Cuba em São Paulo, apresenta a primeira sessão de “Eu Sou Cuba” na 9ª Mostra Mosfilm
Lucca Gidra, presidente da UMES, e Pedro Monzón Barata / Foto: Eduardo Ogata
No último sábado (07), tivemos a honra de receber Pedro Monzón Barata, Cônsul Geral de Cuba em São Paulo, para apresentar a primeira sessão do filme “Eu Sou Cuba”, de Mikhail Kalatozov, na 9ª Mostra Mosfilm de Cinema Soviético e Russo.
Desde que recebeu nosso convite para estar conosco, o Cônsul ficou bastante animado, e preparou um belíssimo discurso, que certamente tornou a sessão e o momento únicos na história da Mostra Mosfilm.
Destacamos alguns trechos marcantes da fala do Cônsul, e ao final desta postagem reproduzimos o discurso na íntegra.
Agradecemos mais uma vez a participação do Cônsul, e o esperamos nas próximas edições da Mostra.
A seguir, os destaques:
“O cinema foi um objetivo central do desenvolvimento cultural de Cuba, e por isso foi uma das primeiras instituições criadas no mesmo ano do triunfo da Revolução Cubana, em 1959, com o nome de Instituto del Arte y la Industria Cinematográfica (ICAIC).”
“Eu Sou Cuba”, o filme que apreciaremos hoje, foi precisamente uma expressão, na área do cinema, desse propósito cultural de Cuba, e das magníficas relações que estavam começando entre o nosso país e a União Soviética, em todas as esferas.
Filmado em preto e branco, foi lançado em 1964 em ambos os países. Levou mais de um ano para ser produzido e foi o resultado de uma coprodução entre o MOSFILM e a ICAIC, da qual participaram milhares de pessoas.
Seu diretor é Mikhail Kalatozov, que já era um cineasta muito famoso, tendo dirigido anteriormente o renomado filme soviético “Quando Voam as Cegonhas”.
“Além do fato de eu ser cubano, minha conexão com esse filme se deve à minha amizade com o infelizmente falecido Sergio Corrieri, o protagonista principal.”
“Sergio Corrieri se destacou como homem de teatro, televisão e cinema. Participou de vários filmes cubanos, entre os quais os mais famosos são “Hombre de Maisinicú” e “Memorias del Subdesarrollo”, também considerado uma joia da filmografia latino-americana.”
“Foi por isso que tomei conhecimento dos detalhes e da importância desse filme anos atrás, quando fui Embaixador de Cuba na Malásia, entre 2004 e 2008.”
“Corrieri me contou sobre as peculiaridades desse filme e como poderia ser interessante apresentá-lo ao público da Malásia.
Então, no início do ano 2000, comecei a procurar o filme, o que foi particularmente difícil. No final, obtive a licença de projeção e conseguimos levá-lo para a Malásia, exatamente na época em que Corrieri estava nos visitando como Presidente do ICAP.
O filme foi exibido para o público da Malásia e apresentado pelo próprio Sergio Corrieri. O resultado foi muito positivo.”
“O filme se desdobra em quatro histórias que retratam a tragédia cubana durante a terrível ditadura de Fulgencio Batista, que precedeu o triunfo da Revolução. O ingrediente constante e comum, que conecta todas as histórias, é a extrema polarização da riqueza em Cuba, liderada por uma elite corrupta que desfrutava de uma vida suntuosa, enquanto a maioria do povo vivia em condições de miséria, ignorância e insalubridade. O filme reflete também a extrema repressão contra a população e a massa estudantil insatisfeita.”
“A humilhante subordinação aos Estados Unidos, em torno da qual floresceram cassinos, drogas e crimes, que envergonharam os cubanos, é um protagonista muito importante em ‘Eu Sou Cuba’.”
Valério Bemfica, presidente do CPC-UMES, Pedro Monzón Barata, Bernardo Torres e Susana Lischinsky, do CPC-UMES Filmes
Foto: Eduardo Ogata
A seguir, a íntegra do discurso:
Discurso integral de Pedro Monzón Barata, Cônsul Geral de Cuba em São Paulo, por ocasião da exibição do filme “Eu Sou Cuba” na 9ª Mostra Mosfilm de Cinema Soviético e Russo, em 07/10/23.
Queridos amigos, boa noite.
Hoje assistiremos a um filme excepcionalmente interessante sobre Cuba.
Deixem-me dar algumas informações básicas.
O cinema foi um objetivo central do desenvolvimento cultural de Cuba, e por isso foi uma das primeiras instituições criadas no mesmo ano do triunfo da Revolução Cubana, em 1959, com o nome de Instituto del Arte y la Industria Cinematográfica (ICAIC).
Eu Sou Cuba”, o filme que apreciaremos hoje, foi precisamente uma expressão, na área do cinema, desse propósito cultural de Cuba, e das magníficas relações que estavam começando entre o nosso país e a União Soviética, em todas as esferas.
Filmado em preto e branco, foi lançado em 1964 em ambos os países. Levou mais de um ano para ser produzido e foi o resultado de uma coprodução entre o MOSFILM e a ICAIC, da qual participaram milhares de pessoas.
Seu diretor é Mikhail Kalatozov, que já era um cineasta muito famoso, tendo dirigido anteriormente o renomado filme soviético “Quando Voam as Cegonhas”.
O roteiro foi compartilhado entre um famoso poeta soviético, Evgeny Evtushenko, e o também famoso escritor cubano Enrique Pineda Barnet, que tem em seu currículo vários filmes cubanos importantes, como “La Bella del Alhambra”.
O elenco é eminentemente cubano, com destaque para os atores Sergio Corrieri e Salvador Wood. Muitos dos outros participantes não eram realmente artistas, mas agiram naturalmente, espontaneamente, como Kalatozov pretendia.
Além do fato de eu ser cubano, minha conexão com esse filme se deve à minha amizade com o infelizmente falecido Sergio Corrieri, o protagonista principal.
Foi por isso que tomei conhecimento dos detalhes e da importância desse filme anos atrás, quando fui Embaixador de Cuba na Malásia, entre 2004 e 2008.
Sergio Corrieri se destacou como homem de teatro, televisão e cinema. Participou de vários filmes cubanos, entre os quais os mais famosos são “Hombre de Maisinicú” e “Memorias del Subdesarrollo”, também considerado uma joia da filmografia latino-americana.
Correiri era muito conhecido em Cuba, tanto por esses filmes quanto por ter fundado o importante grupo Teatro Estudio e o Teatro Escambray, um fenômeno peculiar que levou o teatro às montanhas cubanas para se apresentar para as humildes comunidades camponesas de Cuba, no contexto da vida intensa gerada por uma revolução popular.
Sua existência também é famosa porque ele foi um dos presidentes do Instituto de Amistad con los Pueblos de Cuba (ICAP) uma instituição muito importante nas relações de Cuba com grupos de solidariedade em todo o mundo, incluindo o Brasil.
Corrieri me contou sobre as peculiaridades desse filme e como poderia ser interessante apresentá-lo ao público da Malásia.
Então, no início do ano 2000, comecei a procurar o filme, o que foi particularmente difícil. No final, obtive a licença de projeção e conseguimos levá-lo para a Malásia, exatamente na época em que Corrieri estava nos visitando como Presidente do ICAP.
O filme foi exibido para o público da Malásia e apresentado pelo próprio Sergio Corrieri. O resultado foi muito positivo.
Corrieri já havia me dito que a peculiaridade mais importante do filme foi que, após a filmagem, que durou mais de um ano, sua exibição, tanto em Cuba quanto na União Soviética, acabou sendo uma catástrofe.
Para o público soviético, era algo estranho, completamente alheio à sua cultura e aos seus costumes.
Para os cubanos, passou a ser visto como uma espécie de panfleto político, muito distante do cinema que estava sendo produzido em Cuba na época, e que agradava aos cubanos. Nosso cinema foi caracterizado por roteiros frescos, espirituosos, profundos, livres e muitas vezes simpáticos. Nada parecido com o realismo socialista, tendência artística que já esteve em voga na União Soviética.
Corrieri me disse, então, que depois da primeira exibição o filme foi guardado nos arquivos do Mosfilm e nunca mais foi exibido. Algo semelhante aconteceu em Cuba.
Ele também me informou que o filme havia ressurgido graças à descoberta de dois ilustres diretores de cinema, Martin Scorcese e Francis Ford Coppola. Ambos os cineastas, deslumbrados, afirmaram que, se esse filme tivesse sido amplamente exibido após sua produção, teria mudado toda a história do cinema.
O filme tem muitas características que o distinguem:
- Incontáveis proezas técnicas para a época: planos longos, aéreos e acrobáticos. Em alguns casos, a câmera mergulha na água, emerge e depois flutua no espaço.
- Há uma combinação impressionante de ações de câmera e tudo isso resulta em um fenômeno muito dinâmico com uma composição plástica fascinante.
- A filmagem com filme infravermelho produz uma imagem com um brilho e uma composição de luz e sombra muito especiais.
- O filme não se baseia em enredos ou narrativas convencionais. Ele descreve situações de vida e luta antes do triunfo da Revolução.
- É um poema em que momentos históricos, de impacto em Cuba, são expressos, liricamente, incluindo um número abundante de elementos descritivos e símbolos, para compor uma mensagem sintética, épica e exaustiva.
- O filme se desdobra em quatro histórias que retratam a tragédia cubana durante a terrível ditadura de Fulgencio Batista, que precedeu o triunfo da Revolução. O ingrediente constante e comum, que conecta todas as histórias, é a extrema polarização da riqueza em Cuba, liderada por uma elite corrupta que desfrutava de uma vida suntuosa, enquanto a maioria do povo vivia em condições de miséria, ignorância e insalubridade. O filme reflete também a extrema repressão contra a população e a massa estudantil insatisfeita.
- A humilhante subordinação aos Estados Unidos, em torno da qual floresceram cassinos, drogas e crimes, que envergonharam os cubanos, é um protagonista muito importante em “Eu Sou Cuba”.
- A prostituição, que floresceu nesse terreno, tristemente fértil, também foi estimulada pela presença de magnatas, gângsteres e arrogantes fuzileiros navais (marines) norte-americanos, que atropelavam a população.
- A exploração de nossos camponeses por poderosos proprietários de terras locais e empresas norte-americanas, como a infame United Fruits Company, era também uma parte dolorosa de nossa realidade.
- O filme termina com um retrato da difícil e arriscada luta contra a tirania nas cidades e nas montanhas de Cuba até o triunfo da Revolução em 1º de janeiro de 1959.
- O filme não trata dos problemas de Cuba após o triunfo revolucionário, que continuou a ser marcada pela presença perniciosa e agressiva dos Estados Unidos, que não se conformaram em perder seu domínio sobre nosso país.
- Rompemos o esquema hegemônico desta grande potência na América Latina e estabelecemos um sistema de justiça social e solidariedade diferente, alternativo. Os Estados Unidos não perdoaram essa atitude rebelde.
- Daí todas as tentativas de realizar o que eles chamaram de “mudança de regime” em Cuba, que não alcançou seu objetivo, apesar das poderosas ferramentas de poder utilizadas, incluindo um bloqueio econômico, comercial e financeiro que já dura mais de 6 décadas.
Queridos amigos,
Esperamos que um dia uma obra de arte com a qualidade de “Eu Sou Cuba” possa ser feita para registrar os mais de 60 anos que se seguiram à libertação definitiva de Cuba.
Por favor, agora desfrutem do filme “Eu Sou Cuba”
Obrigado
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