Pesadelo na educação
Para contribuir com a atual discussão acerca da “Base Nacional Comum Curricular”, publicamos o artigo do físico Marcelo Guzzo, que assim como a Sociedade Brasileira de Física, é contra a proposta do MEC
MARCELO M. GUZZO*
A Base Nacional Comum Curricular, proposta do Ministério da Educação para reformular os currículos do ensino fundamental e médio do país, poderá ser a mais perversa investida do governo federal contra a tão combalida educação brasileira.
Alguns historiadores denunciaram que a proposta exclui do currículo do ensino médio a obrigatoriedade do estudo sobre a civilização greco-romana, o nascimento do cristianismo, o Renascimento, a Revolução Francesa e a Industrial. Enfatiza no lugar dos temas citados a história da África negra e da América pré-colombiana.
É louvável que o povo brasileiro tenha conhecimento de sua formação, mas a base menospreza o alicerce europeu que, juntamente com as matrizes ameríndia e africana, embasa a civilização brasileira.
Como físico, a base despertou-me a seguinte curiosidade: qual é a proposta para minha área de atuação? Deparei-me com a mesma postura ideológica dos comissários do MEC. Seguem alguns exemplos.
No capítulo "Terra, Universo e Vida", sugere-se que se apresente o Big Bang, o mais arrojado e atual modelo científico sobre a origem e evolução do Universo, ao lado da "Cosmologia indígena brasileira e a cosmologia de povos pré-colombianos (maias, incas)".
Somente um forte viés ideológico pode justificar tal comparação. O conhecimento científico não se divide em territórios geográficos ou culturais. É patrimônio comum da humanidade.
A base confunde a necessidade de se passar aos alunos que o conhecimento científico é obra humana, passível de erros e reformulações constantes, com a apresentação de modelos imbuídos de crendices e lendas que cercam o conhecimento de culturas que não se apoiam no método científico.
A base sugere também a discussão de fontes de energia como "usinas hidrelétricas, termoelétricas e nucleares". Destaca fortemente os malefícios destas últimas, sugerindo a discussão das "bombas de Hiroshima e Nagasaki, de acidentes nucleares, do acidente radiológico de Goiânia, do lixo atômico e do problemas de descarte".
Por que então não mencionar também a existência de ambientalistas que apoiam a geração de energia nuclear como alternativa ao aquecimento global? Por que ignorar o impacto ambiental da exploração de outras fontes de energia?
Só Belo Monte inundará uma área de 516 km². As consequências do derramamento de cinco milhões de barris de petróleo durante 87 dias no golfo do México em 2010 são vistas ainda hoje.
Tal discussão é escamoteada porque o governo prioriza a nossa matriz energética baseada na geração de energia hidrelétrica e de derivados do petróleo? Porque a exploração do pré-sal, carro-chefe da propaganda do governo na questão energética, representa um enorme perigo ambiental na sua exploração?
A base é mais um pesadelo criado pelo atual governo para atormentar a sociedade brasileira. Não há como remendá-la por meio de correções pontuais.
O grupo de trabalho criado pela Sociedade Brasileira de Física para avaliar a proposta concluiu que "é evidente a necessidade de uma profunda reformulação". Acrescento que a base curricular é um crime contra o interesse público do Brasil.
*MARCELO M. GUZZO é professor titular do Instituto de Física Gleb Wataghin da Unicamp
Fonte: Folha de S. Paulo
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