Temer: Alô, Calero, façamo-lo uma manobrinha por Geddel
Servidor tem que ser “leal, mas não cúmplice”, afirmou o ex-ministro da Cultura, Marcelo Calero, demitido por não aceitar pressão do amigo de Temer em favor de obra irregular
Há um trecho da entrevista do ex-ministro da Cultura, Marcelo Calero, no “Fantástico”, que torna o seu relato acima de qualquer dúvida: “Eles [Geddel, Temer, Padilha] acharam que eu faria qualquer negócio pra preservar o cargo”.
Quem tem dúvida que essa descrição é o retrato perfeito do caráter de Temer & sequazes? Todos eles sempre agiram assim, durante toda a sua vida política: qualquer negócio, sem qualquer princípio, desde que se conserve o cargo para conservar o acesso ao dinheiro dos outros – isto é, o nosso, do povo.
Calero frisa que ser “leal” não é ser “cúmplice”, algo que Temer, Geddel, etc. – assim como Lula, Dilma ou Aécio – não conseguem nem compreender, quanto mais concordar.
Todos eles, no fundo – e não apenas “no fundo” – acham que o “topa tudo por dinheiro” do neoliberalismo é um princípio biológico, aliás, fisiológico. Por isso, o neoliberalismo somente consegue reunir ladrões, puxa-sacos, traíras, psicopatas, imbecis e outras personalidades de semelhante lustro.
“… o presidente estava sozinho”, disse Calero, na entrevista. “Entrei rápido, e ele falou: ‘Marcelo, a decisão do Iphan nos causou bastante estranheza. Não foi uma decisão correta e me causou dificuldades operacionais’. Me chamou muito a atenção o termo ‘dificuldades operacionais’. Temer disse que as ‘dificuldades operacionais’ decorriam do Geddel ter ficado muito irritado.
“Falou da ministra Grace Mendonça [Advogada-Geral da União], ‘que tem conhecimento jurídico muito bom e poderia resolver a questão de um modo bom pra todos’. Ele usou esse termo! Queria que eu criasse uma chicana para que o caso fosse enviado à AGU.
“No final, na despedida, me chamou a atenção a declaração que ele, Temer, fez: ‘Marcelo, a política tem dessas coisas, dessa pressão’.”
Quem, aqui, não reconhece o estilo (?) Temer, sempre gelatinoso, sempre atribuindo à “política”, como um decreto divino, a elasticidade excessiva de sua coluna vertebral?
Se isso não é crime de responsabilidade, seria melhor rasgar definitivamente a Constituição.
Só para lembrar: é crime de responsabilidade (portanto, causa de impeachment), “não tornar efetiva a responsabilidade dos seus subordinados, quando manifesta em delitos funcionais ou na prática de atos contrários à Constituição” e “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo” (cf. Lei nº 1079/1950, artigo 9º).
No domingo, Temer fez uma descoberta: “o poder é do povo”.
Para quem acabara de enfiar o pé na cova para acoitar as escroquerias do Geddel – esse gênio político – tratava-se de uma grande descoberta, ainda que com centenas de anos de atraso.
Mas, do ponto de vista prático, real, no Brasil de hoje, é uma mentira despudorada e deslavada. Com o apodrecimento da oligarquia política, que se ceva no roubo ao povo e no capachismo aos monopólios financeiros, nunca houve tão pouca democracia no país, desde o final da ditadura.
Mas isso não quer dizer que o povo não tenha qualquer poder – como se viu na rejeição da “anistia ao caixa 2” – ou não possa varrer essa estrebaria em que se tornou a vida política em nosso país.
Três dias antes, na quinta pela manhã, Temer, Renan e Maia estavam achando fácil “anistiar” propinas, evasão de divisas, roubo e lavagem no PMDB, PT, PSDB, Dem e o escambau, assim como manter o Geddel – e ainda agasalhar para ele, ilegalmente, um edifício espetado numa área onde nem o conde dos Arcos, último vice-rei do Brasil e governador da Bahia sob D. João VI, se atrevera a tocar.
No Congresso era voz corrente, e não somente no Congresso, que Geddel recebera uma propina em forma de apartamento, assim como Lula e outros heróis da bocarra (Geddel foi chamado, por um cúmplice na Lava Jato, de “boca de jacaré” – o que não tem relação com seus atributos físicos, assim como o apelido de “suíno”, pespegado nele por um colega de turma, no Colégio Marista, Renato Russo).
Que Geddel tem esses problemas, não é novidade. O velho ACM até dizia que era genético.
A novidade é que toda a cúpula do governo, desde o próprio Geddel, o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, a Advogada-geral da União, até o presidente da República, Michel Temer, estavam empenhados em garantir o apartamento de Geddel.
Em suma, o Presidente da República e seu entorno estavam ocupados em passar por cima da lei para que Geddel levasse o apartamento.
Como é possível um negócio desses?
Exatamente porque era (e ainda é) um “negócio”. O poder público, para Temer, Renan, Maia, Geddel, Padilha, é apenas um instrumento privado para coisas ainda mais privadas.
Por isso, o filósofo da turma, Padilha, disse que “não existe dinheiro público”. Realmente, para os ladrões não existe dinheiro de outras pessoas, muito menos dinheiro de todas as pessoas (isto é, público). Existe apenas o dinheiro passível de ser roubado.
Logo, não existe a vida pública, só a privada (e não vamos dizer que não existe o duplo sentido).
Tanto isso é, rigorosamente, verdade, que a nota de Temer acabou por constituir uma confissão. Eis um trecho:
“O presidente Michel Temer conversou duas vezes com o então titular da Cultura para solucionar impasse na sua equipe e evitar conflitos entre seus ministros de Estado”.
Que impasse? Havia os interesses privados – e escusos – de Geddel e a decisão do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), reafirmando que é proibido construir o espigão naquela área. O que isso tem a ver com “impasse na equipe” do governo ou “conflitos entre seus ministros de Estado”? Evidentemente, o apartamento do Geddel não era um problema do governo, mas do Geddel.
Ou será que Geddel era proprietário de um bem público? Talvez, nesse caso, o Padilha chegue à conclusão de que não existe propriedade privada… Mas, se for assim, os baianos farão bem em exigir a sua parte no apartamento do Geddel – e nas fazendas, também.
Temer, portanto, confunde o que é privado com o que é público – mas só confunde porque lhe interessa tratar o que é público como se fosse privado.
O que é ainda mais evidente no seguinte trecho da nota da Presidência: “O presidente buscou arbitrar conflitos entre os ministros e orgãos da Cultura sugerindo a avaliação jurídica da Advocacia Geral da União, que tem competência legal para solucionar eventuais dúvidas entre órgãos da administração pública”.
“Dúvidas entre órgãos da administração pública”? Geddel era um “órgão da administração pública”? Nem mesmo “conflitos entre ministros” havia, pois o apartamento não pertencia à Secretaria de Governo, da qual Geddel era o titular, mas ao cidadão (?) Geddel Vieira Lima.
Mais clara que essa nota, só a declaração de Temer de que, para substituir Geddel, vai escolher, dessa vez, “alguém que não esteja metido em nada”.
Fonte: Carlos Lopes da Hora do Povo
Deixe uma resposta
Want to join the discussion?Feel free to contribute!