Leilão de Libra tirou do Brasil R$ 347 bilhões
O desastre de entregar parte de Libra para o cartel das 5
Disse a presidente Dilma que “nos próximos 35 anos Libra pagará os seguintes valores ao Estado brasileiro: primeiro, R$ 270 bilhões em royalties; segundo, R$ 736 bilhões a título de excedente em óleo sob o regime de partilha; terceiro, R$ 15 bilhões, pagos como bônus de assinatura do contrato. Isso alcança um fabuloso montante de mais de R$ 1 trilhão. Repito: mais de R$ 1 trilhão”.
Essa forma mercantiflera de lidar com os bens públicos, sobretudo com os bens estratégicos, acaba, necessariamente, por ser enganosa. Ou, talvez, a forma seja mercantiflera por ser enganosa: qualquer cidadão que dividir R$ 1 trilhão por 35 anos descobrirá que tal quantia significa, em média, R$ 28,6 bilhões por ano – ou seja, 1,16% da receita federal prevista para 2014 (cf. MPOG, SOF, Exercício Financeiro 2014, Volume I, página I).
Portanto, de acordo com o approach (?!) da presidente Dilma, o governo leiloou o maior campo petrolífero do mundo, colocou dentro dele duas aves de rapina (a Shell e a Total) do cartel multinacional do petróleo, com a mesma participação da Petrobrás – e, ainda por cima, deu uma trava na Petrobrás para impedi-la de obter a maioria no consórcio – para obter algo que não chega a 2% da receita federal do próximo ano. Bastava acabar com 16,8% das desonerações concedidas a empresas – sobretudo filiais de multinacionais – para ter o mesmo resultado anual.
INDIGÊNCIA
O engenheiro Fernando Siqueira, um dos maiores especialistas em petróleo do país, chamou isso de “estratégia medíocre”. Sem dúvida: medíocre e estúpida – se é que existe alguma estratégia.
Evidentemente que não é nessa indigência que reside a importância do campo de Libra. Parece excessivamente grande, para a mente de algumas pessoas, que existam coisas além do preço especulativo do petróleo bruto. A propósito, muito menos é lícito a presidente, para tentar legitimar esse esbulho, dizer uma mentira como “por força da lei que aprovamos no Congresso Nacional (…) todo o dinheiro dos royalties e metade do excedente em óleo que integra o Fundo Social (…) serão investidos, exclusivamente, 75% em educação e 25% em saúde”. Dilma sabe que foi contra essa lei até o fim, sabe que, derrotada pela primeira vez na Câmara, tentou – e conseguiu – derrubar o projeto no Senado, sabe que recusou-se a negociar com as lideranças estudantis e do professorado, e sabe que teve de ceder quando o projeto voltou à Câmara, porque já fora, inapelavelmente, derrotada. Portanto, capitalizar essa lei como se fosse sua, não fala bem aos princípios éticos que devem reger a atividade política…
Mas, voltemos ao leilão de Libra. Alguns sujeitos sem personalidade começaram a discutir quem fez melhor negócio em dinheiro, se Dilma em Libra ou Fernando Henrique ao privatizar a Vale. Com essa discussão sobre quem vendeu o país pelo melhor preço (cáspite!), acabaram por reconhecer o que não queriam – e muito menos a presidente Dilma: que o leilão de Libra foi uma privatização.
Essa conversa que não distingue petróleo de carambolas, como se qualquer mercadoria tivesse a mesma importância, é boa para o cartel petroleiro – que não age assim, mas quer convencer-nos de que é assim, para mais facilmente nos roubar. Petróleo tem uma importância estratégica – como insumo energético, para a fabricação de materiais, como dínamo do desenvolvimento – que vai muito além de seu preço em determinado momento.
O problema, portanto, não é o que ganhamos com o leilão de Libra, porque não ganhamos nada ao entregar uma parte do que ficaria conosco, se fosse a Petrobrás a explorar todo o campo de Libra. Portanto, a questão é o que nós perdemos, não o que ganhamos, porque nada ganhamos.
Do ponto de vista mais simplório, já que a presidente somou royalties com partilha e com bônus de assinatura e falou que “85% de toda a renda (…) vão pertencer ao Estado brasileiro e à Petrobras”, façamos uma conta, que, aliás, é apenas lógica.
Os royalties são 15% do petróleo total extraído.
Se usarmos os 30% de custo do ministro Lobão (ao invés dos 40% da Petrobrás), teremos que o “excedente em óleo” ou “lucro em óleo” é 55% (=100 menos 15 de royalties menos 30 de custo).
A parte da União na partilha é, por consequência, 41,65% (estabelecido pelo edital) de 55% (“excedente em óleo”), o que é igual a 22,9%.
Portanto, os royalties + parte da União na partilha do petróleo são 15 + 22,9 = 37,9%.
Resta somar a parte da Petrobrás.
O consórcio, segundo o edital, tem 58,35% (=100 menos 41,65, que é a parte da União) do “excedente em óleo” (55%). Logo, a parte do consórcio é no total é 58,35% de 55% = 32%.
Como a Petrobrás tem 40% do consórcio, sua parte será 40% de 32% = 12,8%.
Portanto, abstraindo os acionistas não brasileiros da Petrobrás, a parte do país será:
15% (royalties) + 22,9% (partilha) + 12,8% (Petrobrás) = 50,7%.
Como os custos de produção são 30%, a divisão será a seguinte:
50,7% (União e Petrobrás) + 30% (custo) + 19,3% (estrangeiras) = 100%.
Vejamos o que é isso em dinheiro. Pela conta da presidente Dilma, dos royalties, que são 15% do petróleo extraído total, o governo pretende, segundo ela, auferir R$ 270 bilhões. Logo, o preço do total extraído é R$ 1,8 trilhão. Apliquemos, então, a percentagem acima sobre R$ 1,8 trilhão:
912,6 bilhões (União e Petrobrás) + 540 bilhões (custo) + 347,4 (est.) = R$ 1,8 trilhão.
Portanto, só aí nós perdemos R$ 347,4 bilhões. Esse dinheiro seria do país se a Petrobrás fosse a exploradora do campo de Libra.
PESO
Evidentemente, não é a única perda e o cálculo, inteiramente verdadeiro – e próximo ao do ex-diretor da Petrobrás Ildo Sauer (R$ 330 bilhões), que deve até ser mais acurado que o nosso – não leva em conta o peso que as multinacionais passam a ter nas decisões estratégicas, inclusive quanto ao conteúdo local ou nacional dos equipamentos, algo que elas sempre foram contra e, agora, têm mais poder, a partir do nosso maior campo petrolífero, e da diretoria que indicaram para a PPSAL, para sabotar.
A conta da presidente, apesar de ser uma conta-fantasia – assim como Exxon e Chevron são nomes-fantasia da Standard Oil – também implica em perda para o Brasil.
Se for verdade que o governo vai ficar com R$ 1 trilhão, isso significa que vai ficar com 55% de R$ 1,8 trilhão (v. acima o preço total do petróleo extraído), e não com 85%, como disse a presidente – uma diferença de 30 pontos percentuais ou 54,5%, um erro que não é pouca pipoca, sobretudo quando é uma presidenta, de quem se espera algum rigor e verdade, falando aos cidadãos do país.
Porém, tenhamos boa vontade: a presidente pode estar falando em ficar com 85% do “excedente em óleo”. Mas não, não pode, pois o próprio governo definiu que sua parte é 41,65% do “excedente em óleo” (para facilitar o cálculo, estamos ignorando a escala móvel estabelecida ilegalmente pela ANP, segundo a qual essa parte pode cair até para 15%).
Já que a presidente está somando os royalties na parte do governo, não pode estar falando apenas da partilha do “excedente em óleo”. Como o custo de produção é R$ 540 bilhões (v. acima), a parcela a ser dividida seria R$ 1,26 trilhão. Se nossa parte for 85%, ficaríamos com R$ 1,071 trilhão e perdemos R$ 189 bilhões para as empresas estrangeiras.
Se a presidente acha que, para entregar, perder R$ 189 bilhões e nada ganhar é aceitável… Mas é exatamente isso o que acontece na sua conta.
CARLOS LOPES
Texto extraído da Hora do Povo- Edição 3.198
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