A Cultura em tempos de Bozo
Vivemos em um momento crítico de nossa história. O ano de 2019 marca a chegada ao Governo Federal de um grupo de extrema direita. Todos os valores mais caros a uma sociedade democrática são colocados em risco. O primeiro escalão do governo – a começar pelo supremo mandatário – é ocupado por uma plêiade de desajustados, interesseiros, boçais.
Temos um Ministro da Educação que não sabe escrever. Um dos principais responsáveis pela ciência no país, o Presidente da CAPES, é criacionista. O Ministro do Meio Ambiente é réu por crime ambiental. A Ministra da Mulher acha que a mulher deve submissão ao homem porque foi criada depois. O Ministro das Relações Exteriores acredita que o Presidente dos EUA foi escolhido por Deus para salvar o Ocidente. Abundam no governo terraplanistas, monarquistas e outros malucos do mesmo quilate. A palavra chave para definir o atual governo é obscurantismo.
E a Cultura, como ficou? Perdemos a condição de Ministério e fomos rebaixados a “Secretaria Especial”, subordinados a um ministro denunciado por desvio de verbas do Fundo Eleitoral. Depois de três Secretários em um ano – o último demitido por papagaiar um dos mais odiosos líderes nazistas –, a atriz Regina Duarte acaba de assumir o posto. Apesar do respeito devido à sua carreira, não devemos nos enganar: este continua sendo o governo que mais odeia a Cultura em toda a nossa história. Regina pode estar cheia de boas intenções e, pelo menos, não xingará a Fernanda Montenegro. Mas a tônica de Bolsonaro continuará sendo a censura, a perseguição aos artistas, o cerceamento das liberdades, o enfrentamento a tudo o que lembre humanismo, criatividade, arte e cultura. Ao lado da Educação, a Cultura foi escolhida por Bolsonaro como inimiga central.
Em um momento como esse o trabalho desenvolvido pelo CPC-UMES reveste-se de importância fundamental. Nosso foco sempre foi produzir, defender e divulgar a Cultura Brasileira. Aqui pensamos como Plínio Marcos: “Um povo que não ama e não preserva suas formas de expressão mais autênticas jamais será um povo livre.” Radicalizando: procuramos defender o caráter Nacional e Popular de nossas manifestações culturais.
Nacional, porque somos um país que surge como colônia e que, ao longo dos últimos cinco séculos, luta para livrar-se da exploração das potências estrangeiras. Desde a metrópole original, passando pela Inglaterra até chegar aos EUA, os dominadores sempre tentaram sepultar os desejos, os interesses, as manifestações e os sentimentos nacionais, impondo seus gostos, suas formas de viver e de pensar, sua cultura.
Isso, é claro, não quer dizer aderir ao falso nacionalismo de Bolsonaro e sua turma, que na verdade idolatram seus patrões norte-americanos. Falam em ensinar o patriotismo, mas batem continência para a bandeira estadunidense e falam “I love you” para Trump. Tampouco significa adotar uma postura chovinista, que desconsidere toda a cultura universal da qual somos de alguma maneira caudatários. Significa, apenas, dar-se conta de que, em todos os aspectos, a verdadeira independência nacional ainda não foi conquistada.
E popular, pois somente o povo consegue realizar a síntese necessária entre todas as nossas origens e gerar uma cultura rica, original, única. O Brasil de 1500 era habitado por seis milhões de índios, de diversas etnias. Aqui chegaram os Portugueses, sonhando em retornar ricos para sua terra, mas que acabaram deitando raízes. Vieram também judeus, fugindo da inquisição. Chegaram depois os negros, sequestrados e escravizados. Ao longo do tempo vieram mais europeus, escapando da fome e da perseguição política, vieram árabes, vieram orientais, mais africanos, desta vez exilados ou refugiados, assim como irmãos latino-americanos. A Cultura Brasileira não é a soma de todas estas. Tampouco é fusão, como querem alguns moderninhos. Menos ainda é o resultado da submissão de uma a outra. A Cultura Brasileira é a síntese de todos os elementos que aqui aportaram, temperada com a nossa terra, nosso sol, nossa habilidade ímpar de receber e conviver. Foram – e ainda são – processos complexos de integração, com episódios de dominação e de resistência, amalgamados por muita solidariedade, luta e heroísmo de nosso povo.
Alguns exemplos do processo: o Candomblé e a Umbanda são religiões de matriz africana. Mas não existem na África. O Carnaval é uma festa de origem europeia. Mas o brasileiro é diferente de todos os realizados naquele continente. O Choro tem nítidas raízes em músicas de outros países, mas só existe no Brasil. Os tambores africanos espalharam-se por toda a América. Mas só no Brasil se faz samba. Festas populares trazidas da Península Ibérica aqui ganharam características e temáticas únicas.
Defender a Cultura Nacional e Popular significa defender nossa independência, nossa vida, nosso futuro. Defender o Brasil, que Mário de Andrade definiu como “(…) o ritmo do meu braço aventuroso, / O gosto dos meus descansos, / O balanço das minhas cantigas, amores e danças. / Brasil que eu sou porque é a minha expressão muito engraçada, / Porque é o meu sentimento pachorrento, /Porque é o meu jeito de ganhar dinheiro, de comer e de dormir.”
E o governo Bolsonaro odeia isso, tudo o que cheire a Brasil e a Povo. Na economia isso é facilmente verificável, olhando para as milhares de empresas brasileiras desnacionalizadas no último ano e para as crescentes remessas de lucro ao exterior. Ou, ainda, para a reforma da previdência, que escandalosamente roubou direitos do povo para financiar os banqueiros, nas filas do INSS e do Bolsa Família. Na educação também é evidente pela invasão de capital externo, que compra instituições já não muito qualificadas e as transforma em máquinas de impressão de diplomas. Vê-se ainda pela tentativa de imposição de modelos educacionais completamente esvaziados de qualquer conteúdo humanista, voltados unicamente à formação de mão de obra barata e precarizada.
Na Cultura os ataques ao Brasil e à brasilidade também são notórios. Faz tempo que vivemos uma disputa feroz pelo imaginário de nosso povo. A indústria cultural, principalmente norte-americana, despeja em nosso país seus enlatados e usa práticas comerciais desleais para sufocar a produção nacional. Mas as coisas pioraram no atual governo: além dos ataques às estruturas estatais da Cultura, procura-se desqualificar os seus criadores. Os artistas são tratados pelas hordas bolsonaristas como bandidos, ladrões, perigosos subversivos defensores do “marxismo cultural”. Chegamos ao cúmulo de uma Secretaria Estadual de Educação, de um estado governado pelo mesmo partido do Bozo, mandar recolher livros de Machado de Assis e de Euclides da Cunha. Dois dos maiores nomes da Literatura Brasileira tratados como nocivos para os jovens.
Mas nós resistiremos. Nunca foi do feitio nem dos estudantes e nem dos artistas brasileiros assistirem calados às tentativas de destruição do nosso país. Muitos já tentaram e foram parar nos esgotos da história. Em 1978, em plena ditadura militar, Fernando Brant e Milton Nascimento já nos apontavam um caminho, em uma canção chamada “Credo”: “Vamos, caminhando de mãos dadas com a alma nova / Viver semeando a liberdade em cada coração / Tenha fé no nosso povo que ele acorda / Tenha fé em nosso povo que ele assusta”.
A educação já começou a dar a sua resposta. As primeiras e mais importantes manifestações contra o absurdo que tentava se estabelecer foram justamente dos estudantes: as manifestações de 15M e 30M. As entidades estudantis se levantaram e levaram junto os professores e trabalhadores da educação e demonstraram com firmeza que não irão aceitar o desmonte da Educação, o corte de verbas e a transformação das escolas em uma feira do Paraguai. O governo foi obrigado a recuar. Foi assustado pelo povo!
E a Cultura também está dando a sua. Basta ver o festival de bordoadas que foram distribuídas no governo no último carnaval. Produzir e divulgar a Cultura Brasileira: essa é a tarefa. Esse é o compromisso do CPC-UMES. Contra a censura, falaremos mais alto. Se queimam livros, escrevemos outros. Se fecham os teatros, ocupamos a praça. Por mais que os bolsonaristas reclamem, cantaremos mais canções, faremos mais peças, mais filmes, mais poesia, dançaremos mais.
Nos inspiram os versos de Paulo César Pinheiro na canção “Pesadelo”, escrita em parceria com Maurício Tapajós, em 1972, em plena vigência do AI5:
“Você corta um verso, eu escrevo outro
Você me prende vivo, eu escapo morto
De repente olha eu de novo
Perturbando a paz, exigindo troco”
UMES, 07/03/20
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