Na próxima sexta-feira, dia 29, o vibrafonista Ricardo Valverde faz show de lançamento do CD “Teclas no Choro” (gravadora CPC-UMES), no Cine-Teatro Denoy de Oliveira.
O disco, que reúne músicas dos grandes mestres do choro, junta o vibrafone de Ricardo a um trio formado por Silvia Goes (teclados), Pepa D’Lia (bateria) e Ivan Sabino (baixo), além das participações especiais de Heraldo do Monte (guitarra), Cesar Roversi (saxofones soprano e barítono), Izaias Bueno de Almeida (bandolim) e Oswaldinho do Acordeom.
Ricardo Valverde estudou música com nomes renomados e atuou ao lado de grandes artistas brasileiros como Dominguinhos, Nelson Sargento, Anastácia, Riachão, Arismar do Espirito Santo, Paulinho Boca de Cantor e Galvão (Novos Baianos), Maestro Branco, Cristina Buarque, Paulo Padilha, Dona Inah, Silvia Goes, Moacyr Luz, Monarco da Portela, Diogo Nogueira entre outros.
Em entrevista ao HP, Ricardo Valverde fala sobre sua trajetória musical, seu encontro com o vibrafone e sobre o disco “Teclas no Choro” que, segundo palavras do maestro e diretor artístico da Gravadora CPC-UMES, Marcus Vinicius de Andrade, “mostra que a imorredoura alma brasileira ganha uma vibração nova e especial quando envolvida nos sons do vibrafone”.
HP – Qual é a sua história com a música, com o seu instrumento – o vibrafone-, e a sua formação?
Ricardo Valverde – Comecei estudando música popular e depois música erudita. A música, na verdade, sempre esteve presente na família. O meu pai toca, minha tataravó tocava piano em cinema mudo. Em casa sempre se ouviu muita música, a sonoridade do vibrafone também era muito comum porque meu pai ouvia bastante jazz americano e tinha o quarteto dele.
A minha formação se deu no conservatório de Osasco. Eu nasci em Salvador, mas meus pais vieram muito cedo para São Paulo, estudei no conservatório de Tatuí, um conservatório maravilhoso, o maior da América Latina, na antiga Universidade Livre de Música (ULM), atual EMESP, e fiz faculdade em Osasco também, eu era bolsista na FITO, tocava na orquestra do Maestro Branco, em troca ganhei a bolsa e estudei musica erudita.
HP – Como você decidiu se tornar um vibrafonista?
R. V. – Na década de 90 fui a um encontro de percussionistas em Campinas, já tocava, mas estava começando a estudar música. Eu sempre toquei em casa, tocava violão autodidata, meu pai é autodidata, era assim que funcionava, pegava o instrumento e saía tocando, ia tentando até conseguir. Na época de adolescente tocava rock no violão, guitarra, música brasileira, coisa de jovens. E depois comecei a estudar.
É engraçado, a gente fala de coisas de 20 anos atrás, era tudo muito diferente de hoje, nós não tínhamos informação, tínhamos que correr atrás. Até as coisas mais simples, básicas, os instrumentos mais comuns. O pandeiro, por exemplo, eu ia atrás de quem tocava para me dar uns toques.
Por isso a semana de percussão em Campinas foi um grande momento. Tinha gente do mundo inteiro, as oficinas ali super acessíveis.
Foi então que vi o Ney Rosauro tocar o vibrafone. Quando sentei na primeira fila e vi – já estudava um pouco de teclados de percussão -, aquilo mexeu comigo. Logo pensei ‘é esse instrumento que eu quero para minha vida’.
O Ney é muito conceituado lá fora, as músicas dele são tocadas no mundo inteiro.
HP – Qual é a história do vibrafone e a sua inserção na música brasileira?
R. V. – A história do vibrafone é recente, ele é um instrumento de 1920, muito presente no jazz. E como o cinema americano é muito forte no mundo e nele tinham grandes orquestras que tinham jazz com a presença do vibrafone, ele foi um instrumento que então veio muito forte para o Brasil. Como naquela época as gravadoras tinham dinheiro, a Rádio Nacional, o maior expoente da música brasileira na época, era muito rica, tinha uma orquestra e ali o vibrafone era presente, tanto que na chamada da rádio era um vibrafone tocando.
O Izaias conta que ia gravar no Rio e havia vibrafone em todo lugar. Inclusive em discos famosíssimos de 1958, onde o vibrafonista Chuca-Chuca era quem tocava. O vibrafone fazia solos, tinha destaque, mas não era o principal. Depois de 20 anos, em 1978, o instrumento apareceu com destaque de novo na música brasileira. O Orlando Silveira gravou um disco com o vibrafone ainda não como protagonista, mas com destaque.
Na bossa nova ele foi muito presente. Em todos os discos do Roberto Menescal o vibrafone estava lá. Mas depois disso ficou um buraco, não sei por quê. Conversando com músicos mais antigos, eles acham que foi a grana, porque desse período em diante começam a reduzir o tamanho das bandas e com isso o vibrafone foi sumindo das rodas na noite. Assim como o piano.
A Silvia Goes, que é pianista do disco, minha grande mestre, conta que todo teatro tinha piano, hoje a gente quase não vê um teatro com piano, toda casa de show, bar, tinha um piano. Depois dessa redução do dinheiro na cultura e a vinda do teclado e da guitarra, reduziu tudo. A chegada da televisão deve ter influenciado, porque as rádios tinham grandes orquestras. E então o vibrafone, os instrumentos maiores, os instrumentos acústicos talvez, sumiram um pouco.
Conversando com o Amilton Godóy, do Zimbo Trio, ele me disse “olha que legal, sabe que eu gravei com o vibrafone”. Isso acontecia muito, os vibrafonistas migravam de outros instrumentos. O cara começava a estudar e o primeiro instrumento nunca era o vibrafone. Normalmente o cara que tocava piano resolveu gravar com o vibrafone.
O Breno Sauer foi importantíssimo, gaúcho, mas fez muito sucesso aqui em SP, um dos maiores entre os vibrafonistas brasileiros e começou no piano e se aperfeiçoou no vibrafone.
HP – O que você quer dizer quando afirma querer legitimar o vibrafone no choro, na música brasileira?
R. V. – Eu faço um parâmetro com a pessoa que estuda o bandolim, estou falando de referências. Quando a pessoa vai estudar choro, só de Jacob do Bandolim ele tem uma vida inteira de material, e esse é um exemplo, têm muitos mais. O vibrafone no choro não é assim, tem lacunas muito grandes na história.
E com esse movimento dos percussionistas se prepararem, estudarem música, está surgindo uma leva boa de vibrafonistas, pessoas que têm o vibrafone como carro chefe na carreira.
Eu me legitimar como músico também. Foi estranho, é estranho. Os americanos têm mania de registrar tudo, formatar tudo, até mesmo para dominar, mas, enfim, têm escolas, têm metodologia. Alguns músicos foram para lá e trouxeram isso para o Brasil. Então mesmo a ULM usava essa metodologia vinda de fora, mas essa é uma metodologia de jazz, eu me sentia muito estranho, não que eu não goste, adoro jazz, mas para mim não é natural sabe, eu toco percussão, toco tambor, desde cedo toco choro, eu não vou tocar como um menino americano. Eu sou brasileiro. Então legitimar isso também, se apropriar, escrever métodos de música brasileira. Os métodos, tirando Ney Rosauro, que é música erudita, são todos americanos.
Outra coisa muito séria é vendo essa geração chegando, me lembra aquela frase do Noel “ninguém aprende samba no colégio” o samba se faz no morro, é a mesma coisa com o choro, choro se faz nas rodas.
E como se aprende isso? Com os mais velhos, com os mestres. Eu ficava ouvindo os discos do Jorginho do Pandeiro e pensava como é que ele consegue tirar uns sons de grave e ficava pensando como ele consegue mexer a mão, tocar com o dedão e tirar o grave. Eu não conseguia fazer, só descobri quando eu toquei com ele e vi que ele tirava o grave com o dedo de cima. Então entendi e todo esse processo levou dois, três anos.
Sabe aquela coisa, na música erudita é assim. Tem o Bach, ai Mozart sabe tudo do Bach, o Beethoven sabe tudo do Mozart e do Bach e assim por diante. Ali se tinha uma estrutura sólida, o que eu vejo hoje é que não tem solidez. Mesmo no meu disco, ele não tem uma formação de choro, mas você escuta e identifica. É choro, é a linguagem, não tem como fugir.
HP – Como funcionou? Você realizou as rodas para tocar, praticar ou as rodas eram realizadas como parte do processo de pesquisa para o Teclas no Choro?
R. V. – As duas coisas, eu queria praticar e pesquisar, aprender na roda. Aqui em São Paulo tem a tradição de nas feijoadas tocar choro, então eu tocava numa feijoada com o vibrafone ao invés da flauta e bandolim. Isso é muito legal porque são quatro horas de repertório. Você precisa ter um repertório enorme, tem que ter malícia, vai chegar um cara para dar canja e você nunca tocou com ele. E o Izaias sempre comigo, tem que colar neles, nos mestres, todo dia ele me surpreende. Isso eu acho que é uma sorte que eu tenho, de sempre conviver com as pessoas mais velhas e não ter esse deslumbre que a música dá.
As rodas aconteciam terças e sábados. Nas terças, às vezes, tinham 20 pessoas na plateia e dentre eles 18 eram músicos, brinco que nessas ocasiões tinham mais músicos que gente. E era uma farra porque a gente podia experimentar. Nos sábados, que lotava mais, era num restaurante e tinha aquela coisa, tocar o de sempre, o que as pessoas pedem. “Toca o Brasileirinho, toca o Tico-Tico”, parece que é só isso, e não é. As pessoas querem se identificar, é normal, mas não é só isso, tem mais coisa. Como acontece nas rodas de samba, “Ah, toca Madalena”…
É engraçada também essa história do choro e do samba porque é a mesma raiz. Lá no início, enquanto na sala da Tia Ciata se tocava choro, no quintal era samba, são estilos irmãos, que andam juntos na história da música brasileira.
Todos os grandes chorões gravaram os grandes sambistas. Por exemplo, o Luizinho Sete Cordas, grande chorão, sempre grava com a Beth. O choro é muito rico, quem toca, toca qualquer estilo, se estudar e se for atrás da linguagem.
HP – Então com as rodas você experimentou diversos repertórios, e como foi a escolha do repertório para o CD?
R. V. – A escolha do repertório se deu estudando, experimentando. Porque, por exemplo, o Pixinguinha, que tocava flauta, compunha repertórios para flautistas, então era a busca para achar músicas que ficassem boas no vibrafone como instrumento principal no choro. O K-Ximbinho produziu muitos choros assim e depois eu descobri que ele tocava vibrafone, parecia que ele escrevia para o vibrafone. Os mestres têm disso, tocam três notas e te arrepiam, eu penso nisso, em quando vou chegar lá.
Na escolha do repertório, primeiro fui tocar, ver o que ficava bom no vibrafone, as músicas que eu achava que tinha uma propriedade para tocar. Na hora de gravar, o momento é importante, eu não fiquei repetindo o improviso. O que rolou na hora foi o que saiu no CD.
Não são todas as músicas que têm improviso, porque ele é muito presente no choro, mas como as músicas têm muita melodia às vezes fica coisa demais, fica chato para o ouvinte.
O disco acabou ficando em seis compositores e foi um processo que rolou naturalmente.
O Pixinguinha e o Nazareth como começo do choro, a base, e aí na música do Pixinguinha e do Nazareth tem o Izaias que é a base do choro paulistano, depois o Jacob do Bandolim que é o grande chorão, depois o K-Ximbinho que tem essa pegada mais moderna, menos que o Esmeraldino, tem o Esmeraldino que é aqui de SP, e ai eu fiz questão porque apesar de ser baiano, moro aqui a vida inteira, sou paulistano também, sou corintiano. E por último o Altamiro Carrilho, que todo mundo conhece mais como instrumentista, e ele foi realmente incrível, o maior flautista da época dele, mas ele também foi um grande compositor e as músicas são boas no vibrafone.
Músico é um artesão, a gente tem que ter conceito nas coisas, eu não quero que todo mundo que escute meu disco goste, eu quero que quem pegue meu disco escute e veja que ali tem um conceito, tem trabalho. Não tem nada de devaneios, nada ali é por acaso, tem uma linguagem, uma história, uma unidade, o disco é todo amarrado.
HP – A gente consegue perceber que a escolha do trio que te acompanha no disco, bem como as participações, estão intrinsecamente relacionadas com a sua história, seu percurso como vibrafonista. Porque essas pessoas, qual é a importância delas para a construção desse trabalho?
R. V. – A escolha desse trio foi porque eu queria uma sonoridade mais contemporânea, só que ao mesmo tempo é difícil, porque tocar bateria, tocar piano e tocar baixo no choro é muito difícil, fica soando estranho, parece outra coisa.
Como a Silvia é minha grande amiga e eu achava que para a sonoridade dar certo ela era uma peça fundamental, pela harmonia dela e o jeito de tocar brasileiro, e como ela toca com o Toquinho há 20 anos, e os meninos que tocam com ela têm essa manha brasileira de tocar, então para deixar ela à vontade eu também os escolhi, o pilar do meu disco.
Foi muito natural, eu nunca tinha tocado com eles, e deu muito certo, nós gravamos as músicas em dois dias porque a simbiose foi muito grande. Quando se ouve é perceptível que é uma coisa só, não tem ninguém destoando. Até nas participações, todo mundo toca para a música, não tem essa coisa do pop e que alguém se sobressai, aqui a música é o conjunto.
O Izaias, mestre, tinha que estar no disco. O Heraldo, da guitarra brasileira, nem se fala. O Oswaldinho, que é um cara que eu toco junto, temos afinidade, o cara emociona. O César também, o que ele faz com o saxofone trouxe muito para o disco, o trabalho dele é incrível, tinha que estar aqui.
HP – E sobre a parceria com o CPC-UMES? E a capa do disco, o encarte? A capa é uma obra do Enio Squeff, com diagramação da Moema, como foi essa parceria?
R. V. – Eu já conhecia o Marcus Vinícius (diretor artístico da Gravadora CPC UMES), e sabia que não conseguiria fazer o disco independente, então eu pensei que gravadora tem a ver comigo? De cara pensei na CPC-UMES.
Tinha o contato do Marcus e logo escrevi para ele. Foi muito louco porque na hora ele disse, vamos fazer. Fomos jantar, batemos um papo, foi maravilhoso. Ele gostou, falou para fecharmos logo e eu querendo contar mais detalhes e ele dizendo que já viu quem estava junto. Ele conhece, já tem a manha, visualiza a coisa toda. E ele deu apoio total, já fechamos a parceria, e eu fiquei tranquilo porque ele disse: “Ricardo, talvez demore, mas vai sair do jeito que você quer”. E foi, saiu tudo como eu queria.
Sobre a capa, o Enio é meu amigo, amigo dos meus pais, um cara que eu admiro muito. Eu propus para ele, pedi para ele fazer a capa do disco. Ele me perguntou como eu queria que ele fizesse, o deixei livre, deixei o artista livre para criar, eu sabia que o que ele fizesse ia ficar bom, confiava. Ai um dia ele apareceu com seis telas e escolhemos o que virou o encarte. Talvez nem fosse o que ele mais gostasse, mas está fiel, é impressionante, sou eu.
Então fui falar com o Marcus que não poderia colocar meu nome na capa. O Marcus questionou, ‘mas como assim’, e eu disse que não ia mexer na obra do artista, não vou sujar o quadro do cara, por isso então o nome veio na contracapa.
E então veio o segundo problema, como colocar aquele quadro no formatinho de capa de CD com fidelidade. “Tem uma pessoa só que pode fazer isso” a Moema, disse o Marcus, e ela topou na hora. Essa coisa de novo da parceria.
E depois veio a minha Irmã, que é poetiza, e pedi para ela os textos de cada música, de forma poética, e o Marcus eu já sabia que ia fazer uma introdução mais detalhista.
HP – Além de músico você é professor…
R. V. – Eu sou arte-educador também. A realidade está muito feia e eu não posso ir contra ela, então o que eu faço? Tento mostrar para aqueles jovens o que é o funk, vamos ver o que é esta batida, de onde vem, porque na festa quando tem essa batida todo mundo fica louco. Mas vamos ver a forma dela, tem uma parte, tem dois acordes, olha a melodia como é pobre, não falo que é pobre, mas trabalho com eles, mostro e depois que eles vêm que é limitado, começam a querer mais coisas e eu vou com tudo.
E então eu vejo o processo de uma criança, de um adolescente que em seis meses está questionando coisas como “porque eu tenho que demorar duas horas para vir até aqui”, eu os levo na Sala São Paulo e depois os vejo questionando “por que não posso ir todo dia na Sala São Paulo”, talvez o sistema não queira isso, esse é o ponto.
É bom ver através da música essa mudança, a juventude esta muito acomodada, não é só uma questão da periferia, hoje em dia eles não ouvem essas músicas comerciais só na rua, ouvem em casa, no dia a dia.
O acesso é um problema, essa música comercial tem um interesse e os meios de divulgação estão comprometidos com esses interesses.
A situação está difícil, estamos em maio e eu ainda não assinei o contrato do projeto vocacional com a prefeitura, estou indo dar aula de graça porque os alunos querem isso, tem demanda, estou indo por conta.
O projeto vocacional inclui as quatro linguagens e nós levamos os alunos nos espaços da prefeitura e damos orientações artísticas, não é nem aula que a gente chama. O projeto é lindo na teoria, mas na prática ele cai em um monte de entraves. Todo ano tem edital, o projeto tem 15 anos e é uma pancadaria danada, porque as pessoas querem que vire lei, porque é aquela coisa, troca de governo é aquele medo de “vai acabar”. E agora com essa crise que estão cortando verba mesmo, muitos ainda não assinaram o contrato deste ano, então é complicado, quem depende disso está sem receber desde janeiro, e a expectativa é receber em junho, se tudo der certo, porque o governo está passando o facão geral.
E aí eu questiono, como é que um país vai para frente com 1% do orçamento para cultura, e no meio dos ajustes, logo de cara até esses míseros 1% entram na faca?
Show de lançamento, dia 29, sexta-feira, às 21h.
Cine-Teatro Denoy de Oliveira: Rua Rui Barbosa, 323. Tel. 3289 7477. Entrada franca.
Fonte: Jornal Hora do Povo, entrevista de Maíra Campos