“Tendo a concluir que é cláusula pétrea, e, portanto, insuscetível de emenda constitucional”, considerou o ex-presidente do Supremo, Sepúlveda Pertence
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou, nesta terça-feira (31), a Proposta de Emenda Constitucional 171/93, sobre a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos de idade com 42 votos a favor e 17 contrários. A proposta apadrinhada pelos deputados da chamada “bancada da bala” contou com uma forte campanha da mídia e dos setores mais reacionários do país pela sua aprovação.
Desde 1993, o texto leproso perambulava pelos corredores da Câmara sem contar com o apoio de qualquer deputado sério. Mas, somente agora, numa situação onde o ataque aos os direitos do povo, patrocinado pelo conluio Dilma, Renan Calheiros e Eduardo Cunha, se torna o principal objetivo dos poderes Executivo e Legislativo, o coro em defesa de tal proposta ganha força.
Na CCJ, membros da velha e da nova direita se fizeram presentes para defender este princípio neoliberal.
De acordo com o artigo 60 da Constituição Federal, inciso 4º: “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir […] IV – os direitos e garantias individuais” dos cidadãos.
Ao reduzir a idade penal o Congresso está abolindo direitos de adolescentes entre 16 e 18 anos previstos nos artigos 227 e 228 da Constituição, que reconhecem as crianças e os adolescentes como pessoas em condição peculiar de desenvolvimento, inimputabilidade penal (incapacidade do sujeito em responder por sua conduta delituosa, não ser capaz de entender que o fato é ilícito e de agir conforme esse entendimento, fundamentando em sua maturidade psíquica), e estabelece que as medidas de responsabilização por atos infracionais devem ser específicas, não integradas ao código penal.
A partir dos 12 anos, qualquer adolescente é responsabilizado pelo ato cometido contra a lei. Essa responsabilização, executada por meio de medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), tem o objetivo de ajudá-lo a recomeçar e a prepará-lo para uma vida adulta de acordo com o socialmente estabelecido. É parte do seu processo de aprendizagem que ele não volte a repetir o atoinfracional. Inimputabilidade nada tem a ver com impunidade.
De acordo com a PEC aprovada na CCJ, os adolescentes continuarão sendo julgados nas Varas Especializadas Criminais da Infância e Juventude, mas, se o Ministério Público quiser, poderá pedir para “desconsiderar inimputabilidade”, o juiz que decidirá se o adolescente deverá responder como adulto por seus delitos.
O ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Sepúlveda Pertence, considera inconstitucional a redução. “Tendo a concluir que é cláusula pétrea, e, portanto, insuscetível de emenda constitucional. Creio que essa discussão vai chegar ao Supremo”, afirmou.
O secretário-geral do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cláudio Pereira de Souza Neto também considera inconstitucional a possibilidade de redução da maioridade penal e é contrário à medida. “A sociedade não está fazendo o seu trabalho, é negligente com a sua educação, e depois quer resolver os problemas sociais com punição. Não é caminho”, destacou.
DIREITOS
Além disso, a Constituição brasileira assegura nos artigos 5º e 6º os direitos fundamentais como educação, saúde, moradia, etc. Com muitos desses direitos negados, a probabilidade do envolvimento com o crime aumenta, sobretudo entre os jovens. O adolescente marginalizado não surge ao acaso. Ele é fruto de um estado de injustiça social que gera e agrava a pobreza em que sobrevive grande parte da população. A marginalidade torna-se uma prática incentivada pelas condições sociais e históricas em que os adolescentes vivem no Brasil. O adolescente em conflito com a lei é considerado um ‘sintoma’ social, utilizado como uma forma de eximir a responsabilidade que a sociedade tem nessa construção. Reduzir a maioridade é transferir o problema, como se para o Estado fosse mais fácil prender do que educar.
Para o advogado Ariel de Castro Alves, do Movimento Nacional de Direitos Humanos, em entrevista para a Revista Fórum, “quem nunca teve sua vida valorizada não vai valorizar a vida do próximo. O que esperar de crianças e adolescentes que nunca tiveram acesso à saúde, educação, assistência social, entre outros direitos?”, indagou.
Segundo Ariel de Castro “os sistemas e programas educacionais e sociais bastante frágeis e precários, além da falta da oportunidades e a desagregação familiar. A evasão escolar e a dependência de drogas também contribuem significativamente para o envolvimento de jovens com crimes. Se verificarmos o perfil dos jovens que estão em unidades de internação para adolescentes ou inseridos em outras medidas socioeducativas, concluiremos que praticamente todos eles são originários de bairros com uma grande concentração de população juvenil, mas com pouca oferta de serviços públicos de educação, cultura, esportes, lazer, entre outros”.
CRIMINALIDADE
Para a subprocuradora-geral da República, Raquel Elias Ferreira Dodge, há uma má interpretação dos índices de violência cometidos por jovens. “Há uma sensação social de descontrole que é irreal. Os menores que cometem crimes violentos estão ou nas grandes periferias ou na rota do tráfico de drogas e são vítimas dessa realidade”, diz.
Atualmente, roubos e atividades relacionadas ao tráfico de drogas representam 38% e 27% dos atos infracionais, respectivamente, de acordo com o levantamento da Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Crianças e do Adolescentes. Já os homicídios não chegam a 1% dos crimes cometidos por jovens de 16 a 18 anos. Segundo a Unicef, o Fundo das Nações Unidas para a Infância da ONU, dos 21 milhões de adolescentes brasileiros, apenas 0,013% cometeu atos contra a vida.
Ao mesmo tempo, não há comprovação de que a redução da maioridade penal contribua para a redução da criminalidade. Do total de homicídios cometidos no Brasil nos últimos 20 anos, apenas 3% foram realizados por adolescentes. O número é ainda menor em 2013, quando apenas 0,5% dos homicídios foram causados por menores. Por outro lado, são os jovens (de 15 a 29 anos) as maiores vítimas da violência. Em 2012, entre os 56 mil homicídios em solo brasileiro, 30 mil eram jovens, em sua maioria (mais de 70%) negros e pobres.
São minoria os países que definem o adulto como pessoa menor de 18 anos. Das 57 legislações analisadas pela ONU, 17% adotam idade menor do que 18 anos como critério para a definição legal de adulto.
Alemanha e Espanha elevaram recentemente para 18 a idade penal e a primeira criou ainda um sistema especial para julgar os jovens na faixa de 18 a 21 anos. Tomando 55 países de pesquisa da ONU, na média os jovens representam 11,6% do total de infratores, enquanto no Brasil está em torno de 10%. Portanto, o país está dentro dos padrões internacionais e abaixo mesmo do que se deveria esperar. No Japão, eles representam 42,6% e ainda assim a idade penal no país é de 20 anos. Se o Brasil chama a atenção por algum motivo é pela enorme proporção de jovens vítimas de crimes e não pela de infratores.
A comissão especial terá o prazo de 40 sessões do Plenário para dar seu parecer. Depois, a PEC deverá ser votada pelo Plenário da Câmara em dois turnos. Para ser aprovada, precisa de pelo menos 308 votos (3/5 dos deputados) em cada uma das votações. Se aprovada na Câmara, a PEC seguirá para o Senado, onde será analisada pela CCJ e depois pelo Plenário, onde precisa ser votada novamente em dois turnos.
Se o texto for alterado, volta para a Câmara, para ser votado novamente. Não cabe veto da Presidência da República, pois se trata de emenda à Constituição. A redução, se aprovada, pode ser questionada no Supremo Tribunal Federal, responsável último pela análise da constitucionalidade das leis.
Fonte: Jornal Hora do Povo, por MAÍRA CAMPOS