O neoliberalismo nos EUA: pobreza, racismo e campos de concentração

PARTE 1

 

A política social do neoliberalismo, tal como levada à prática nos Estados Unidos, é a cadeia para os pobres e/ou negros, como constatam os dados dos sociólogos franceses Pierre Bourdieu e Loïc Wacquant, que destacamos no artigo abaixo

 

CARLOS LOPES

 

Em meio a uma pesquisa sobre a situação e o movimento dos negros, um grande amigo, o maestro Marcus Vinícius de Andrade, fez uma sugestão – ao enviar-nos um texto dos sociólogos franceses Pierre Bourdieu e Loïc Wacquant – que resultou num caminho especialmente, ainda que inesperadamente, fértil.

O “inesperadamente” da frase anterior vai por conta do seguinte: não sou um admirador dos acadêmicos franceses, devido a tipos como Deleuze, Derrida – e, claro, Foucault, que já era alucinadamente reacionário muito antes de exibir, em 1979, seu deslumbramento com o neoliberalismo (por falar nisso, eis uma pérola dessa época: “Não se trata de deduzir todo esse conjunto de práticas do que seria a essência do Estado em si mesma e por si mesma. É preciso renunciar a tal análise, primeiro, simplesmente porque a história não é uma ciência dedutiva, segundo, por outra razão mais importante, sem dúvida, e mais grave: é que o Estado não tem essência. (…) O Estado nada mais é que o efeito, o perfil, o recorte móvel de uma perpétua estatização, ou de perpétuas estatizações (…). O Estado não é nada mais que o efeito móvel de um regime de governamentalidades múltiplas.” [M. Foucault, aula de 31/01/1979 no College de France, in “Nascimento da Biopolítica“, trad. Eduardo Brandão, Martins Fontes, S. Paulo, 2008, p. 105 e p. 106]).

No entanto, o texto de Bourdieu e Wacquant nada tem a ver com esse estéril rococó mental. O leitor poderá comprová-lo, pois iremos publicá-lo – talvez de forma condensada – em uma de nossas próximas edições.

Só não o fazemos hoje pela necessidade, a nosso ver, de propiciar aos nossos leitores um quadro mais amplo que permita um melhor entendimento das questões abordadas por Bourdieu e Wacquant.

Assim, recorremos ao livro de um deles, Loïc Wacquant, “Punir os Pobres: o governo neoliberal da insegurança social” (por sugestão do próprio autor em seu site, usamos a edição norte-americana – “Punishing the Poor: The Neoliberal Government of Social Insecurity“, Duke University Press Books, Durham and London, 2009 – porque Wacquant desautorizou a versão do livro publicada, “contra minha expressa vontade”, na França em 2004; existe uma tradução brasileira – aliás, existem duas, ambas publicadas pela Revan).

 

CHICAGO

Loïc Wacquant é um caso, talvez, raro. Em uma entrevista, conta ele como, depois de obter “uma bolsa de quatro anos para meu doutorado na Universidade de Chicago (…) ao chegar à cidade de Upton Sinclair (…) vi-me confrontado com o quotidiano da realidade do gueto de Chicago. Habitava nas imediações do bairro negro e pobre de Woodlawn e era um choque terrível ter sob a minha janela aquela paisagem urbana quase lunar, inverossímil de ruína, de miséria, de violência, com uma separação totalmente hermética entre o mundo branco, próspero e privilegiado da universidade e os bairros negros ao abandono em volta (o campus de Hyde Park está rodeado em três lados pelo gueto de South Side e, no quarto, pelo lago Michigan). Isso questionava-me profundamente no dia a dia” – v. Etnográfica vol. 12 (2) (2008), entrevista à Susana Durão.

Na procura por compreender o que acontecera na história dos negros norte-americanos após o movimento de direitos civis na década de 60, Wacquant, inevitavelmente, confrontou-se com “a expansão espantosa do Estado penal ao longo dos três últimos decênios do século. Entre 1975 e 2000, os Estados Unidos multiplicaram por cinco a sua população sob registro prisional para se tornarem o líder mundial da encarceração, com 2 milhões de detidos – coisa que eu ignorava então (…) como todos os sociólogos que trabalhavam com raça e classe na América.

Como se explica esta hiperinflação carcerária? A primeira resposta, a da ideologia dominante e da investigação oficial, é dizer que ela está ligada ao crime. Mas a curva da criminalidade estagnou, entre 1973 e 1993, antes de cair fortemente, no preciso momento em que o aprisionamento levantava voo.

Segundo mistério: enquanto a proporção de negros em cada ‘coorte’ de criminosos foi diminuindo durante vinte anos, a sua parte na população carcerária não cessou de aumentar. Para resolver estes dois enigmas, é necessário (…) repensar a prisão como uma instituição política, uma componente central do Estado. Descobre-se então que o surgimento do Estado penal é o resultado de uma política de penalização da miséria, que responde ao crescimento da insegurança salarial e ao afundamento do gueto como mecanismo de controle de uma população duplamente marginalizada, no duplo plano material e simbólico.

Nesse momento, aconteceu algo que foi crucial para ele, do ponto de vista político: “Clinton avalizava a ‘welfare reform’ de 1996, elaborada pela facção mais reacionária do Partido Republicano. A abolição do direito à assistência social para as mulheres sem recursos e a sua substituição pela obrigação ao assalariamento forçado (dito worfare) é um escândalo histórico, em todo o século XX, a medida mais regressiva tomada por um presidente que era suposto ser progressista. Por indignação política, escrevi um artigo no Le Monde Diplomatique, depois um artigo mais aprofundado para uma revista de geografia política, a revista Hérodote. (…) a atrofia organizada do setor social e a hipertrofia do setor penal do Estado americano eram não somente concomitantes e complementares, mas visavam a mesma população, estigmatizada à margem do salariato. Tornava-se claro que a ‘mão invisível’ do mercado desregulado apela para e necessita do reforço do ‘punho de ferro’ da Justiça criminal“.

 

INSEGURANÇA

Não precisamos aceitar todas as teorias de Wacquant ou de Bourdieu – conceitos ou expressões como “capital jurídico”, “campo burocrático”, “masculinização (ou feminilização) do Estado”, etc., são bastante problemáticos, porque desnecessários – para aprender alguma coisa com eles.

O que importa, principalmente, é o conjunto de dados sobre as relações raciais e de classe sob o neoliberalismo, especialmente nos EUA – embora a polêmica teórica não seja uma contribuição sem proveito (v. o último capítulo de “Punir os Pobres”).

Wacquant – além de sociólogo e professor em Berkeley, um boxeur que lutava nos ringues dos bairros negros de Chicago – frisa fortemente a sua conclusão: o colossal aumento da população penitenciária dos EUA (+689,14% entre 1970 e 2012, de acordo com os dados do Bureau of Justice Statistics, órgão do Departamento de Justiça do governo dos EUA) “não corresponde ao aumento do crime – que primeiro estagnou e depois declinou durante três décadas cruciais – mas aos deslocamentos sociais causados pela dessocialização do trabalho assalariado e pelos cortes de gastos do Estado caritativo“. Ou, sob outra forma: “a rápida e furiosa inclinação para a penalização observada no fim do século passado não é uma resposta à insegurança criminal, mas à insegurança social. Para ser mais preciso, as correntes de ansiedade social que invadem a sociedade avançada têm raízes na insegurança socialobjetiva da classe trabalhadora pós-industrial, cujas condições materiais se deterioraram com a difusão do trabalho instável e mal remunerado, podado de seus ‘benefícios’ sociais habituais, e na insegurançasubjetiva entre as classes médias, cujas perspectivas de reprodução sem sobressaltos ou de subir na vida foram ofuscadas pela intensificação da competição por posições sociais de valor e pela redução da provisão de bens públicos pelo Estado” (op. cit., p. 68 e p. 299-300).

Se podemos resumir ainda mais a conclusão de Wacquant, esta consiste em que a política social do neoliberalismo, tal como levada à prática nos EUA, é a cadeia para os pobres. Mais detalhadamente: o “neoliberalismo implica na ampliação e exaltação do setor penal (…). O remake neoliberal do Estado também explica o tenaz viés de classe, etnorracial, e a polarização espacial que sela a simultânea retração de seu seio social e a expansão de seu punho penal: as populações mais direta e adversamente impactadas pela mudança convergente do mercado de trabalho e da assistência pública são também os privilegiados ‘beneficiários’ da amplitude penal das autoridades. (…) embora [o neoliberalismo] propugne o laisser-faire nos estratos superiores, aliviando assim as restrições ao capital (…), não faz nada parecido nos estratos inferiores”.

 

AS GALÉS

Atualizando os números para 2012 (na edição do livro de Wacquant que citamos, eles vão até 1995; ainda não foram divulgadas as estatísticas de 2013): de acordo com o Bureau of Justice Statistics do governo dos EUA, em 31 de dezembro de 2012, o número de pessoas “sob controle das autoridades penais” nos EUA estava em 7.037.304 (sete milhões, 37 mil e 304 pessoas). Essas pessoas eram assim distribuídas:

Na prisão: 2.256.004 pessoas;

Em liberdade vigiada: 3.942.800 pessoas;

Em liberdade condicional: 851.200 pessoas.

[Fonte: BJS, Bulletin, December 2013 – Lauren E. Glaze and Erinn J. Herberman, “Correctional Populations in the United States, 2012”; números conferidos com o banco de dados do BJS; o item “na prisão” inclui tanto as prisões federais e estaduais (prisons) quanto as municipais (jails).]

Em suma, quase 2,5% da população dos EUA estava (e está) na cadeia ou sob alguma restrição penal, algo que não existe em nenhum país do mundo.

A China, em 2012, tinha mais de quatro vezes a população dos EUA. No entanto, tinha 1.565.771 presos – portanto, 690 mil presos a menos.

A Índia tem 3,9 vezes a população dos EUA – mas tem 358.368 presos, ou seja, sete vezes menos.

Loïc Wacquant frisa a desproporção racial (ou étnica, se o leitor quiser) dessa população penal. Outra vez, atualizando os seus números: em 2012, os negros eram 36,46% dos presos, 30% dos condenados em liberdade vigiada (probation) e 40% dos réus em liberdade condicional (parole) quando, na população, eles são, segundo o último Censo norte-americano, apenas 12,8%.

Enquanto isso, os brancos (não latinos) que são 63,7% da população total dos EUA, eram 33,12% dos presos, 54% daqueles em liberdade vigiada e 40% dos que estavam em liberdade condicional.

Wacquant faz a constatação de que esse foi não apenas o resultado de uma política deliberada de cortes no atendimento ao povo, como também que essa é a própria política pela qual a anterior foi substituída, tanto no plano federal quanto nos Estados. Não se tratava apenas de colocar na prisão os delinquentes pobres e/ou negros, mas de inventar novos crimes e penas. Por exemplo:

“só na década de 80, adicionalmente a reduzir a assistência pública, a Califórnia aprovou quase mil leis para expandir o uso de condenações à prisão; e, na instância federal, a reforma de 1996 (…) era complementar ao extenso Crime Omnibus Act de 1993, reforçado pela Lei de encarceramento direto [No Frills Prison Act] de 1995”.

 

ESTADO

Nos EUA, nota Wacquant, jamais houve – ao contrário de vários países da Europa após a II Guerra – um “Estado do bem estar social” (welfare state), mas havia o que o autor chama de “Estado caritativo”, com dois ramos: um dedicado à assistência dos mais pobres, agrupando alguns programas sob o nome genérico de “welfare” – que pouco tem a ver com o sentido da mesma palavra na Europa – e outro destinado aos trabalhadores de maior renda e à classe média, designado, em geral, como “social insurance“.

“Os programas dirigidos aos pobres foram as primeiras vítimas do movimento de reação sociopolítica que levou Reagan ao poder em 1980, o que logo fez sucesso entre os “Novos Democratas” de Clinton. Embora o custo do programa AFDC [Aid to Families with Dependent Children] nunca tenha chegado a 1% do orçamento federal, todos os governos depois de Carter promoveram à prioridade máxima a sua redução. E foram amplamente bem sucedidos”.

Em termos reais, a subvenção do AFDC para uma família de quatro pessoas sem nenhuma outra fonte de renda sofreu um corte de 46,15% entre 1970 e 1995 (cf. op. cit., p. 49; fonte: Committee on Ways and Means, US House of Representatives, 1996 Green Book, 443-45, 449). Porém, isso está muito longe de ser tudo:

“A segunda técnica para encolher o Estado caritativo não é orçamentária, mas administrativa: ela consiste em acumular os obstáculos burocráticos e pré-requisitos impostos aos postulantes (…). Sob o pretexto de identificar abusos e dificultar a vida dos ‘fraudadores do welfare’, as agências de assistência pública multiplicaram os formulários a preencher, o número de documentos a fornecer, a frequência dos controles e os critérios de reavaliação periódica do cadastro. Entre 1972 e 1984 o número de ‘recusas administrativas’ por ‘questões processuais’ aumentou em quase um milhão, dois terços delas diretamente contra famílias que estavam plenamente dentro de seus direitos. Assim, enquanto, em 1973, 81% das crianças pobres estavam cobertas pelo AFDC, quinze anos depois mais de 40% delas não recebiam a assistência financeira a que tinham direito”.

Se a situação era assim no governo federal, ela se estendeu rapidamente aos Estados: “no começo dos anos 90, diversos Estados ex-industriais com alto desemprego e altas taxas de pobreza urbana, tais como Pennsylvania, Ohio, Illinois e Michigan, acabaram unilateralmente com o General Assistance (…), jogando um milhão de pessoas na mais absoluta miséria em todo o país”.

Wacquant sublinha o quanto essa política de apartheid, ou de campo de concentração nacional, nada tinha a ver com a pregação de Estado mínimo ou de eficiência econômica dos neoliberais. Mas, nada havia ou há de contraditório nisso: “o Estado penal invasivo, expansivo e caro – que implica uma grande drenagem dos cofres públicos e um tremendo freio à economia – não é um desvio do neoliberalismo, mas um de seus ingredientes”.

Um dos conselheiros de Clinton na “reforma” de 1996 – que, como veremos, vitimou crianças e mulheres, sobretudo negras e latinas – foi o republicano John Engler, que, em 1991, como governador do Michigan, promoveu um dos mais irracionais barbarismos da história dos EUA, cortando programas sociais supostamente para “equilibrar o orçamento”. A verba do General Assistance, que atendia principalmente pobres e indigentes negros de Detroit, foi reduzida de US$ 342 milhões para zero em 1993, quando foi extinto. Esse programa atendia 82 mil pessoas. No mesmo ano, Engler destinou U$ 1,32 bilhão para encarcerar 44 mil pessoas – com um custo por prisioneiro que era 11 vezes a média do que recebiam os beneficiários do programa extinto. E, certamente, acrescentamos nós, não porque as prisões de Michigan fossem – ou sejam – algum Ritz ou Copacabana Palace.

“Enquanto a parcela de despesas nacionais alocadas para a assistência pública diminuía abruptamente em relação às necessidades, os fundos federais para a Justiça criminal foram multiplicados por 5,4 entre 1972 e 1990, saltando de menos de US$ 2 bilhões para mais de UA$ 10 bilhões, enquanto as verbas para encarceramento eram multiplicadas por 11. A voracidade financeira do Estado penal é ainda mais desenfreada no nível dos Estados. Somados, os 50 Estados e o Distrito de Columbia, em 1990, gastaram U$ 28 bilhões na rubrica Justiça criminal, 8,4 vezes mais que em 1972; durante esse intervalo, seus orçamentos para encarceramento aumentaram 12 vezes, enquanto o custo da defesa criminal dos indigentes (que são uma parte crescente dos acusados em tribunal) crescia 24 vezes”.

Além de uma epidemia de construções de penitenciárias (só o Estado da Califórnia gastou US$ 15 bilhões em 16 novas prisões – sem contar as despesas de custeio -, enquanto a previsão federal é de despesas de US$ 351 bilhões em 10 anos apenas para a edificação de outras casas de detenção), proliferaram as penitenciárias privadas.

Essas penitenciárias privadas, já em 1995, “acumulavam uma população de presos igual à da França inteira (49.154). As empresas que abrigam esses detentos recebem verbas públicas contra a promessa de míseras economias da ordem de uns poucos centavos por dia; multiplicados por milhares de cabeças, essas economias são a justificativa para a parcial privatização de uma das funções mais básicas do Estado. No final dos anos 90, um comércio de importação e exportação de presos estava florescendo entre diferentes membros da União: a cada ano o Texas trazia vários milhares de condenados dos Estados vizinhos – mas também de jurisdições mais longínquas, como o Distrito de Columbia, Indiana e Havaí -, em desrespeito ao direito de visita das famílias, mais tarde enviando-os de volta ao seu município de origem, onde serão mantidos em liberdade condicional até o fim de suas sentenças”.

 

PARTE 2

Pretendíamos reduzir bastante o nosso resumo das observações de Loïc Wacquant, para encerrar sua publicação neste número. Infelizmente, um apagão acometeu a região onde se localiza a nossa redação. Devido a isso, ficamos sem tempo de reduzir o texto (como dizia o padre Antônio Vieira em carta a um amigo, “desculpe-me, pois não tive tempo para ser breve”). Sua última parte será publicada na próxima edição. Em sua palestra na sede do Goldman Sachs, em Nova Iorque, a presidente Dilma afirmou que “a gestão privada é mais eficiente, mais ágil e de menor custo” – referia-se, evidentemente, à gestão privada estrangeira em relação à gestão pública nacional, estatal, pois estava falando para especuladores norte-americanos, oferecendo a eles a infraestrutura do nosso país. Aqui no Brasil, nós já temos grandes exemplos dessa eficiência, agilidade e modicidade da gestão privada estrangeira: a AES Eletropaulo e a Telefónica, por exemplo.

Continuemos, pois, com um exemplo do tratamento que a ditadura neoliberal dos EUA reserva ao povo de seu próprio país:

“O estabelecimento de toques de recolher, visando manter os menores fora das ruas depois do anoitecer, aplicados essencialmente nos hiperguetos e bairros pobres, é emblemático do aumento da propensão do Estado americano para atirar seu arrastão de polícia e punição mais amplo somente naquelas muitas regiões onde está retraindo a sua rede de segurança [social]. Apontando para o aumento de crimes violentos atribuíveis (ou reflexamente atribuídos) a gangs, 59 das 77 maiores cidades do país instituíram tais proibições, metade delas entre 1990 e 1994. Em Chicago, uma portaria municipal proíbe pessoas com menos de 16 anos de ficar na rua sem autorização entre as 22:30h (nos fins de semana, 23:30h) e 6:00. Desde a metade dos anos 90, numerosos estudos constataram que os toques de recolher não têm qualquer efeito supressivo sobre o crime nas ruas ou sobre os delitos juvenis, e, mesmo, tem sérias consequências criminogênicas. O certo é que esses toques de recolher aumentam de modo significativo as chances de encarceramento de jovens residentes nos bairros urbanos pobres. De acordo com dados do FBI, perto de 75.000 jovens foram presos com essa base em 1992, duas vezes mais do que por roubo (excluindo o roubo de carros) nesse ano. A taxa de prisões por atrasos e violações do toque de recolher mais do que dobrou entre 1992 e 1997, quando atingiu o pico de 700 por 100.000 jovens” (v. “Punishing the Poor: The Neoliberal Government of Social Insecurity“, Duke University Press Books, Durham and London, 2009, p.68).

 

CAPITULAÇÃO

Agora, vejamos como o governo Clinton aderiu covardemente – abrindo o caminho, inclusive, para a gravíssima crise econômica que explodiu depois – a essa política de apartheid ou campo de concentração, fazendo o Partido Democrata arrastar na lama (Obama não é um acidente) todo o ideário desenvolvido a partir do governo Franklin Delano Roosevelt (1933–1945):

“A ‘reforma’ do welfare aprovada pelo Congresso dos EUA e sancionada como lei, no meio de fanfarras, por William Jefferson Clinton em agosto de 1996, causou uma grande comoção nos dois lados do Atlântico. Nos Estados Unidos, a decisão do presidente de endossar uma série de medidas preparadas pelo setor mais reacionário do Partido Republicano, jogando na beira da estrada alguns dos avanços sociais mais preciosos doNew Deal e da guerra à pobreza dos anos 60não poderia deixar de perturbar o establishment democrata e abalar os seus tradicionais aliados. Numerosas vozes se levantaram, mesmo dentro do governo, para denunciar essa inversão política e a renegação que ela implicava” (v. L. Wacquant, “Punishing the Poor: The Neoliberal Government of Social Insecurity“, Duke University Press Books, Durham and London, 2009, p. 77).

 

FALSA REFORMA

“Vários altos funcionários do Departamento de Saúde e Serviços Sociais, entre eles o diretor de seu ramo de pesquisas, pediram demissão em protesto ao que, segundo as projeções de sua equipe, a dita ‘reforma’ causaria: um crescimento significante das dificuldades para a maior parte dos pobres dos EUA, especialmente as crianças (Clinton recusou-se, aliás, a transmitir ao Congresso os resultados de tais estudos, temendo publicidade negativa).

“A presidente do Children’s Defense Fund, uma íntima amiga pessoal dos Clinton, rompeu publicamente com o casal presidencial, chamando a decisão do líder dos ‘Novos Democratas’ de ‘um ultraje’ (v. “Edelman Decries President’s Betrayal of Promise ‘Not to Hurt Children’“, New York Times, 31/07/1996).

“Organizações religiosas, sindicatos, políticos, acadêmicos e ativistas dos direitos sociais, condenaram unanimemente a ‘reforma’. Mesmo o senador centrista Daniel Patrick Moynihan, ponta-de-lança da onda anterior de alteração do welfare, que resultou na aprovação do Family Support Act de 1988, denunciou-a como uma segura fórmula para ‘aumentar a pobreza e o descaso’. E seu colega Paul Simon, de longa data um apoiador de Clinton, tocou o sino de alarme de que a assinatura do pacote do welfaremancharia para sempre o legado do presidente.

“Hugh Price, presidente da Urban League, embora conhecido por sua moderação, resumia o ponto de vista das organizações progressistas nos seguintes termos: “Esta lei é uma execração para as mães e as crianças mais vulneráveis da América. Parece que o Congresso cansou-se da guerra contra a pobreza e decidiu fazer em seu lugar uma guerra contra os pobres” (“Welfare hysteria”, The New York Times, 5/08/1996, p. A 11).

 

ASFIXIA

“Mas o debate foi rapidamente abafado por imperativos eleitorais: tinha-se que tomar cuidado para não interferir com a campanha de reeleição do presidente. Clinton não hesitou em usar esta lei como último recurso para chantagear a ala esquerda de seu próprio partido, argumentando essencialmente o seguinte: “calem-se e reconduzam-me à Casa Branca, pois eu sou o único capaz de suavizar os efeitos mais nefastos desta ‘reforma’”. Quanto às forças conservadoras do país, elas só podiam comemorar, ao ver o presidente aderir às suas posições e ratificar um texto de lei em todos os pontos similar àquele que ele mesmo havia vetado duas vezes alguns meses antes (antes da abertura da temporada eleitoral). Assim, a United States Chamber of Commerce, principal organização patronal do país, regozijou-se com o fato de o presidente ter reafirmado ‘a ética do trabalho da América’, enquanto Newt Gingrich, líder dos republicanos no Congresso, evocava com lirismo um ‘momento histórico em que trabalhamos juntos para fazer algo de muito bom para a América’.

“Na Europa, e singularmente na França, não faltaram comentaristas, tão apressados quanto mal informados (a coroa ficaria, sem dúvida, com Claude Imbert, por seus editoriais asininos no Le Point), para apresentar tal medida como um avanço corajoso de um presidente ‘de esquerda’, visando a ‘adaptação’ necessária dos sistemas de proteção às novas realidades econômicas. Segundo esta visão, na qual a ignorância das realidades americanas concorre com a má-fé ideológica, Clinton traçaria o caminho a ser seguido pelas sociedades esclerosadas do Velho Mundo. Este seria o preço da eficiência e do sucesso na impiedosa competição econômica mundial” (v. “Punishing the Poor: The Neoliberal Government of Social Insecurity“, Duke University Press Books, Durham and London, 2009).

 

CONTEÚDO

A dita “reforma” dos serviços sociais de Clinton consistia “em abolir o direito à assistência para as crianças mais desfavorecidas e substituí-lo pela obrigatoriedade do salariado desqualificado e subpago para seus pais. Ela afeta apenas um setor menor dos gastos sociais do Estado americano – aqueles voltados para as famílias pobres, os enfermos e os indigentes -, excluindo os programas que beneficiam as classes médias, habitualmente reagrupados sob a denominaçãosocial insurance, por oposição ao termo maldito welfare(N.A: Temos aí um caso particular de “allodoxia” [tomar um conceito por outro] favorecido pela reinterpretação descontrolada – pois, na maior parte dos casos, inconsciente – que um termo do debate sociopolítico sofre ao passar de um quadro nacional a outro. Assim, os observadores europeus traduzem welfare por Estado do bem estar social, o que remete ao conjunto de sistemas de proteção e de transferência social universalista, enquanto os americanos abrigam sob esta denominação apenas os programas categoriais reservados às populações dependentes da caridade de Estado).

“Longe de inovar, essa ‘reforma’ só fez reciclar remédios vindos diretamente da era colonial e que, no passado, já deram provas de sua ineficácia (v. Michael Katz, ‘In the Shadow of the Poorhouse: A Social History of Welfare in America“’ Basic Books, NY, 1996): estabelecer uma demarcação categórica entre pobres ‘merecedores’ e pobres indolentes, empurrar estes últimos, através da coação, para os segmentos inferiores do mercado de trabalho e ‘corrigir’ os comportamentos supostamente desviantes e desviados que seriam a causa da miséria de uns e outros.

“Sob o manto da ‘reforma’, a ‘lei sobre a responsabilidade individual e o trabalho’, de 1996, instaura o dispositivo social mais retrógrado promulgado por um governo democrático no século XX. Sua aprovação confirma e acelera a substituição progressiva de um (semi) Estado do bem estar para um Estado carcerário e policial, no seio do qual a criminalização da marginalidade e a contenção punitiva das categorias deserdadas fazem as vezes de política social” (op. cit.).

 

CONTA

“O objetivo declarado dessa lei é combater não a pobreza, mas a pretensa dependência das famílias assistidas em relação aos programas sociais, ou seja enxugar os efetivos e os orçamentos dos programas consagrados aos membros mais vulneráveis da sociedade americana: as mulheres e as crianças do proletariado e do subproletariado e secundariamente os velhos sem recursos e os imigrantes recentes.

“De fato, a reforma de 1996 não toca no Medicare, a assistência médica dos assalariados aposentados, nem nas caixas de aposentadoria Social Security, que, no entanto, são as principais fontes de gastos sociais do Estado americano, com 143 e 419 bilhões de dólares respectivamente, em 1994 [N. HP: O Medicare e aSocial Security são, precisamente, o objetivo dos cortes – isto é, da infame “reforma” – de Obama].

“[A “reforma” de Clinton] atingiu exclusivamente os programas reservados aos mais pobres, o Aid to Families with Dependent Children (AFDC), oSupplemental Security Income (SSI, que atende idosos indigentes e enfermos) e os tíquetes de alimentação (food stamps). Estes programas cobriam apenas uma fração da população oficialmente classificada como pobre: 39 milhões de americanos viviam abaixo do “limiar federal de pobreza”, mas menos de 14 milhões (dos quais 9 milhões são crianças) recebiam a verba AFDC (US$ 15 mil por ano – ou US$ 1.250 por mês – para uma família de quatro pessoas). Em 1992, 43% das famílias pobres recebiam alguma ajuda pecuniária, 51% cupons alimentares e apenas 18% se beneficiavam de um auxílio-moradia.

“São os beneficiários da AFDC e dos food stampsque pagaram a conta da “reforma”, embora estes programas sejam dez vezes menos custosos que aqueles reservados às classes médias, com 22 bilhões anuais para a AFDC (contabilizando gastos federais e locais juntos) e 23 bilhões para a assistência alimentar. Pois a “lei sobre a responsabilidade individual e o trabalho” prevê a economia de 56 bilhões de dólares em cinco anos, reduzindo o montante das verbas, colocando um teto para sua distribuição e excluindo de seu campo milhões de pessoas com direito a elas – das quais uma maioria de crianças e de pessoas idosas sem recursos.

“Estas medidas draconianas são populares junto ao eleitorado – das classes médias brancas – porque o setor do welfare é percebido essencialmente como beneficiador dos negros. Não importa se a maioria desses beneficiários AFDC são de origem europeia (39% dos beneficiários AFDC são brancos, 37% são afro-americanos e 18% latinos), a ideia fixa continua a ser que a assistência aos pobres só serve para manter na ociosidade e no vício os habitantes do gueto, nos quais encorajaria os “comportamentos antissociais” que o termo meio erudito, meio jornalístico underclass denota ou denuncia. A associação estreita entre assistência social e cor da pele torna os programas particularmente vulneráveis no plano político. Ela permite mobilizar contra este setor do Estado caritativo a força dos estereótipos raciais e dos preconceitos de classe que, ao se combinarem, fazem do pobre do gueto um parasita social, quiçá um verdadeiro “inimigo” da sociedade americana (N.A.: A dimensão racial da “reforma” dos auxílios sociais, fortemente eufemizada, mas onipresente no debate político americano, passou completamente despercebida dos comentaristas europeus).

 

ABERRAÇÕES

“A justificativa para os cortes brutais é que a assistência social é excessivamente generosa, que ela solapava a vontade de trabalhar de seus beneficiários e que ela sustenta uma ‘cultura de dependência’ tão nociva para os interessados quanto para o país e que essa cultura, por sua vez, explica o aumento dos nascimentos fora do casamento e a sequência de caracteres patológicos que supostamente vêm com eles.

“No debate da ‘reforma’ de 1996, quatro figuras racializadas foram juntadas para oferecer encarnações vivas da dependência e de suas consequências corrosivas: 1) a “rainha do welfare“, uma astuta e fecunda matriarca negra que foge do emprego, trapaceia a burocracia da assistência pública e gasta seu alto cheque da assistência em drogas e bebidas, deixando seus muitos filhos em terrível negligência; 2)a mãe adolescente afro-americana, um “bebê tendo bebês”, cuja imaturidade só é igualada por sua depravação moral e sexualidade devassa; 3) o “pai ausente” de classe baixa, geralmente negro e desempregado, que engravida mulheres a torto e a direito para levianamente abandoná-las, e a seus filhos, aos cuidados dos contribuintes; 4) e o idoso imigrante do Terceiro Mundo que se esgueira para dentro dos EUA com o objetivo de manipular o welfare e obter, gratuitamente, uma aposentadoria de alta classe.

“Esse quarteto caricatural, orquestrado por um fluxo interminável de informes jornalísticos, políticos e acadêmicos, foi apresentado como a prova viva da natureza fundamentalmente corruptora da assistência pública. O obsessivo foco sobre essas quatro figuras, lideradas pela escandalosa ‘rainha do welfare’, era tão manipulatório que ofuscava o fato de que os beneficiários do AFDC eram, na maioria esmagadora,crianças e não adultos (8,8 milhões contra 3,9 milhões em 1996). Isto significava que as consequências negativas da reforma do welfare seriam suportadas, não por estroinas que esquivavam-se de seus deveres morais, mas principalmente por menores que não podiam ser responsáveis diante das normas de trabalho, sexualidade e matrimônio (ou pagar pelo suposto erro de conduta dos seus pais)”.

 

PARTE 3

A razão principal nossa para apresentar este resumo algo alentado de alguns livros e artigos do sociólogo francês Loïc Wacquant está em que, em geral, a visão que as pessoas – mesmo aquelas que já conquistaram uma consciência decididamente anti-imperialista – têm da sociedade dos EUA, frequentemente é contaminada pela propaganda imperialista, ou seja, pela mídia.

Há um aspecto, já frisado em outros termos, que é evidente: uma sociedade totalmente privatizada é uma sociedade hostil para a maioria da população – pois esta não tem, em geral, nada além do que é público. Aliás, uma sociedade assim é hostil até para os setores empresariais privados que não são monopolistas. Não há melhor demonstração prática dessa verdade do que os EUA, quando as conquistas do New Deal – e posteriores – foram (e estão sendo) quase totalmente aniquiladas.

“Um único exemplo é suficiente para indicar os efeitos devastadores desse retrocesso: enquanto os custos e lucros da medicina ‘de mercado’ decolavam, em Chicago o número de hospitais comunitários (isto é, aqueles acessíveis às pessoas sem cobertura médica privada) diminuíam de 90 em 1972, para 67 em 1981, e 42 em 1991. Nesse ano, exceto o sucateado e superlotado Cook County Hospital, nenhum centro de saúde, na cidade inteira, fazia exame pré-natal em mães sem seguro-saúde privado”.

Chicago é a terceira maior cidade dos EUA – logo após Nova Iorque e Los Angeles.

 

DESEMPREGO

Clinton apresentou o corte de investimentos sociais como a substituição da assistência social (welfare) pelo trabalho (literalmente: “welfare to work“). Mas não havia qualquer política de emprego. Assim, empurrou boa parte dos que antes recebiam alguma assistência estatal para atividades ilegais.

As contas sobre gastos citadas durante a tramitação no Congresso dessa lei – um calhamaço de “mais de 251 páginas, composto por 913 seções (…), baseado em colocar fora da lei a pobreza persistente” – eram manifestamente falsas.

“… o valor real das subvenções do programa AFDC baixara para metade em 25 anos, passando da média de 676 dólares por mês, em 1970, para 342 dólares em 1995 (em dólares constantes de 1995), o que é menos da metade da linha de pobreza (House of Representatives, 1994, p. 324).

“Isto significa que as famílias que conseguiam recebê-la não podiam, de modo algum, ‘depender’ dessa verba e tinham, obrigatoriamente, de encontrar outras rendas para garantir a própria sobrevivência. Além disso, metade dos beneficiários deixava o programa no ano seguinte à inscrição; dois anos depois, esse contingente subia para dois terços. Em outras palavras, a verba AFDC estava longe de ter se tornado um way of life transmitido através de gerações, ao modo de uma doença genética, como alegavam os ideólogos neoconservadores e seus epígonos entre os Novos Democratas.

“No papel, a ‘reforma’ preconizada por Clinton visava ‘fazer as pessoas passarem da assistência ao emprego’. Mas, por um lado, a maioria das mães assistidas já exerciam uma atividade remunerada, embora nas margens da força de trabalho. Além disso – o que é revelador das intenções dos legisladores – a lei não tinha componente algum de emprego no seu texto. Não havia uma única medida na lei que tivesse como objetivo a melhora das opções e condições de emprego enfrentadas pelos beneficiários do welfare. (…) As ‘oportunidades de emprego’ às quais os legisladores fizeram copiosas referências, consagradas no nome da lei, foram deixadas inteiramente à benevolência dos empregadores. Na fase final da campanha presidencial de 1996, Clinton fez um retumbante apelo à consciência cívica das corporações, igrejas e organizações filantrópicas para que elas criassem ‘os empregos necessários para que a reforma tenha sucesso’, argumentando que os patrões que se queixam incessantemente do welfare têm a obrigação moral de empregar os (ex)beneficiários das verbas públicas. Era uma maneira de se desobrigar com antecedência do previsível fracasso sobre o emprego da dita ‘reforma’.

“Mas é difícil ver como e por que as empresas começariam subitamente a empregar em massa uma população cruelmente subqualificada (a metade dos beneficiários AFDC não terminou o secundário e apenas 1% possui diploma universitário) e fortemente estigmatizada, num momento em que o mercado já estava inundado de mão de obra barata” (grifo nosso).

 

POBREZA

“A nova lei foi cuidadosa para evitar o confronto com as causas econômicas da pobreza: a estagnação na mediana renda familiar e o declínio ininterrupto do valor real do salário mínimo nas duas décadas anteriores (de US$ 6,50 em 1978 para US$ 4,25 em 1996, em dólares constantes de 1996); o crescimento explosivo dos chamados postos de trabalho precários, que compõem mais de um quarto da força de trabalho do país no fim do século passado; a erosão da cobertura social e médica para trabalhadores menos qualificados; a persistência de taxas de desemprego astronômicas nos bairros da periferia das grandes cidades, bem como em remotos condados rurais; e a relutância pronunciada dos empregadores em contratar moradores do gueto e beneficiários desqualificados do welfare. É mais conveniente, e mais rentável eleitoralmente, lançar um injurioso retrato dos pobres, ou, ao invés, alimentar o ressentimento do eleitorado para com aqueles que recebem ‘esmolas’ do Estado”.

 

CÁRCERES

Porém, “enquanto Bill Clinton proclamava aos quatro cantos do país seu orgulho por ter posto fim à era do ‘big government’, sob o comando de seu sucessor esperado, Albert Gore Junior, a Comissão de Reforma do Estado Federal dedicou-se a suprimir programas e empregos públicos, 213 novas prisões foram construídas – número que exclui os estabelecimentos privados que proliferaram com a abertura de um lucrativo mercado privado de carceragem. Ao mesmo tempo, o número de empregados apenas nas prisões federais e estaduais passava de 264.000 para 347.000, dos quais 221.000 guardas carcerários. No total, a ‘penitenciária’ contava mais de 600.000 empregados em 1993, o que fazia dela o terceiro empregador do país, atrás apenas da General Motors, primeira firma no mundo por sua magnitude de negócios, e a cadeia de supermercados internacional Wal-Mart. De fato, segundo o Bureau do Censo, a formação e contratação de guardas de prisão é, de todas as atividades do governo, a que cresceu mais rápido durante aquela década.

“O orçamento da administração penitenciária da Califórnia subiu de menos de 200 milhões de dólares em 1975 para mais de 4,3 bilhões em 1999 (isso não é um erro de imprensa, é efetivamente 22 vezes mais) e supera desde 1994 aquele destinado às universidades públicas, por muito tempo tidas como a joia do estado. Os guardas californianos eram menos de seis mil quando Ronald Reagan entrou na Casa Branca; hoje são mais de 40 mil a trabalhar nas penitenciárias doGolden State. Efetivos aos quais se acrescentam 2.700parole officers encarregados de supervisionar os 107.000 em liberdade condicional, contratados por 131 escritórios em 71 localidades. Seu salário médio era de 14.400 dólares por ano em 1980; eleva-se atualmente a 55.000 dólares, ou seja, 30% a mais que um professor assistente na Universidade da Califórnia. Em uma década, a Califórnia engoliu 5,3 bilhões de dólares construindo e renovando celas, e contratou mais de 10 bilhões de dólares de dívidas obrigatórias para fazê-lo. Cada novo estabelecimento custa em média a bagatela de 200 milhões de dólares para 4.000 detentos e requer a contratação de mil guardas. Nesse período, as autoridades não conseguiram verbas necessárias para inaugurar um novo campus universitário, promessa de longa data, a fim de dar vazão ao aumento contínuo da quantidade de estudantes” (v. Wacquant, “As Prisões da Miséria“, trad. André Telles, 2004 – este livro, publicado pela primeira vez em 1999, contém um conjunto impressionante de informações sobre o Estado policial norte-americano antes dos dois “atos patrióticos” que suspenderam as garantias constitucionais. Infelizmente, só é possível reproduzi-las numa pequena e pálida medida).

 

SÍNTESE

É quase impossível resumir a regressão racista e a guerra civil contínua contra os pobres, sobretudo quando negros, que o neoliberalismo desencadeou nos EUA – e, como nota Wacquant, a partir dos EUA, especialmente de Manhattan, exportou para outros países.

“Em 1950, 70% dos que entravam na prisão eram brancos (anglo-saxões). (…) Contrariamente à percepção comum, a predominância de negros atrás das grades não é um padrão de longa data, mas um novo e recente fenômeno, com o ano de 1988 como ponto de virada: o ano em que o então vice-presidente George Bush (o pai) fez, durante a campanha presidencial, o seu infame anúncio [eleitoral] sobre Willie Horton, com a inclusão de sinistras imagens do estuprador negro de uma mulher branca como emblemáticas do ‘problema do crime’ contemporâneo”.

[N.HP: Willie Horton era um detento negro de Massachussets que, incluído em um programa de licenças da prisão, cometeu roubo de armas, assalto a mão armada e estupro. O objetivo de Bush com esse anúncio era atingir seu adversário democrata na campanha eleitoral, o governador de Massachussets, Michael Dukakis – o que, aliás, conseguiu. Talvez seja uma questão de justiça acrescentar que o primeiro a usar o caso Horton contra Dukakis foi seu colega de partido Al Gore, quando disputava a indicação democrata, nas eleições primárias de Nova Iorque.]

Em “Prisões da Miséria” (1999), Wacquant sintetiza o problema geral do seguinte modo:

“A penalidade neoliberal apresenta o seguinte paradoxo: pretende remediar com um ‘mais Estado’ policial e penitenciário o ‘menos Estado’ econômico e social que é a própria causa da escalada generalizada da insegurança objetiva e subjetiva em todos os países, tanto do Primeiro como do Segundo Mundo. (…) à atrofia deliberada do Estado social corresponde a hipertrofia distópica do Estado penal: a miséria e a extinção de um têm como contrapartida direta e necessária a grandeza e a prosperidade insolente do outro” (grifo do autor).

 

BOLSAS

Houve, inclusive antes da lei de Clinton, outros requintes de perversidade. Com uma população carcerária composta por uma maioria de condenados a penas desproporcionais aos seus delitos, e centenas de milhares de jovens entre eles, em 1994 todos os presos dos EUA, sem exceção, foram, por lei, proibidos de se candidatar às Bolsas Pell (Pell Grants) – o sistema federal de financiamento do ensino universitário, mais semelhante ao crédito educativo do que ao Prouni, porque os estudantes têm de pagar, depois de formados.

“Nos debates parlamentares e nos meios de comunicação, os opositores ao financiamento federal do ensino superior nos estabelecimentos prisionais exageraram desmesuradamente o seu alcance e peso financeiro, alegando que as bolsas atribuídas aos reclusos tinham sofrido um ‘aumento exponencial’ para US$ 200 milhões e que em breve ultrapassariam a marca de US$ 1 bilhão. (…) O senador Kay Bailey Hutchison, do Texas, caiu no ridículo de afirmar que condenados astutos estavam cometendo crimes com o objetivo expresso de conseguirem um curso superior grátis atrás das grades (v. Ata do Congresso, Senado dos EUA, 103º Congresso, vol. 139, nº 157, novembro 1993, sessão de terça-feira 02/11/1993).

“Na realidade, à época em que foram excluídos, os criminosos que recebiam bolsas federais para estudar não totalizavam 200 mil (como disseram seus detratores), mas apenas 27 mil, representando uma despesa total de US$ 35 milhões, isto é, apenas 0,5% do total do programa Pell, que tinha verbas de US$ 6,3 bilhões” (Loïc Wacquant, “La race comme crime civique“, Revue Internationale des Sciences Sociales , 2005/1, n° 183, p. 138-139).

 

SEGURO-DESEMPREGO

“A miséria dos programas assistenciais e o esplendor dos cárceres e penitenciárias dos Estados Unidos são os dois lados de uma mesma moeda política”, escreve Wacquant. “A potência social da denegada forma de etnicidade chamada raça e a ativação do estigma da negritude são chaves para explicar a atrofia inicial e a decadência acelerada do Estado social norte-americano na era posterior ao movimento dos direitos civis, por um lado, e, por outro, a surpreendente facilidade e celeridade com que o Estado penal surgiu sobre suas ruínas (…) no mesmo momento em que o Estado declara sua incapacidade para controlar os fluxos de capitais”.

Assim, se atiraram contra uma das principais conquistas do New Deal, do presidente Franklin Delano Roosevelt:

“Em 1975, o seguro-desemprego, instaurado pelo Social Security Act de 1935, cobria 76% dos assalariados que perdiam o emprego; em 1980, este número havia caído para um em cada dois, devido a restrições administrativas aprovadas pelos Estados e da multiplicação de empregos ditos ‘eventuais’; e, em 1995, se aproximava de um trabalhador em cada três. Enquanto a cobertura encolhia, a média do valor real dos benefícios estagnou por 20 anos em US$ 185 por semana (em dólares constantes de 1995), desembolsados por míseras 15 semanas, dando à maioria das pessoas sem emprego uma ‘esmola” que as colocava abaixo da linha da pobreza.

“O mesmo para a invalidez – cuja taxa de cobertura caiu de 7,1 assalariados em mil em 1975 para 4,5 mil em 1991 – e para a moradia. Em 1991, segundo as estatísticas oficiais, uma família americana em cada três era “housing poor“, isto é, incapaz de garantir ao mesmo tempo suas necessidades básicas e a própria moradia, enquanto contava-se entre 600 mil e 4 milhões o número dos sem-teto. Paralelamente, o orçamento federal destinado à moradia passava de 32 bilhões de dólares em 1978 a menos de 10, em dólares correntes, um decênio depois, acumulando um corte de 80% em termos reais (…). quando o programaComprehensive Education and Training Act (CETA) terminou em 1984, desapareceram mais de 400 mil empregos públicos acessíveis para as pessoas sem qualificação.

 

CENSO

“No fim de 1994, apesar de dois anos de crescimento econômico sólido, o US Census Bureau anunciou que o número oficial de pobres nos EUA tinha ultrapassado 40 milhões, ou 15% da população do país – a mais alta taxa em uma década. No total, uma família branca em 10 e um lar afro-americano em três vivia abaixo da ‘linha de pobreza’ federal. Este número escondia a profundidade e intensidade de sua negligência, na medida em que esse limite, calculado de acordo com uma fórmula arbitrária e burocrática que data de 1963 (baseada no consumo familiar de 1955), não leva em conta o verdadeiro custo de vida e a mudança na composição da cesta dos gêneros de primeira necessidade, e tem sido estabelecido cada vez mais baixo ao longo dos anos: em 1965 a linha de pobreza estava em cerca de metade da mediana da renda nacional familiar; trinta anos depois, ela estava em um terço.

“Em 1991, 14% das famílias americanas recebiam menos que 40% da mediana da renda nacional, contra 6% na França e 3% na Alemanha. Estas diferenças eram consideravelmente mais pronunciadas entre famílias com filhos (18% nos EUA versus 5% na França e 3% para seus vizinhos além do Reno), sem mencionar as famílias monoparentais (45% nos EUA, 11% na França, e 13% na Alemanha). Dificilmente isto seria surpreendente quando o salário mínimo por hora é estabelecido tão baixo que um empregado trabalhando em tempo integral todo o ano ganhava em torno de U$ 700 por mês em 1995, colocando-os 20% abaixo da linha de pobreza para uma família de três pessoas, e quando a assistência social é calculada para estar bem abaixo desse salário com o objetivo de evitar a criação de ‘desincentivos’ ao trabalho”.

E por aqui ficamos, leitores, temerosos de transcrever tantas coisas que, embora verdadeiras, não são agradáveis. Mas, no momento em que há sujeitos tão submissos que ficam maravilhados pela ditadura neoliberal dos EUA – tão maravilhados que até querem presenteá-la com o nosso país – talvez não seja excessivo.

 

Texto extraído da Hora do Povo

 

Após trair o PNE, MEC adia a Conferência de Educação para depois da eleição deste ano

Para torrar verba pública na rede privada, governo manobra para Câmara não restabelecer o PL original

 

A determinação do governo federal em desviar verbas públicas para a educação privada, com a alteração do Plano Nacional da Educação (PNE), o fez adiar a II Conferência Nacional de Educação (Conae), marcada para acontecer entre os dias 17 e 23 de fevereiro. Numa atitude arbitrária, a etapa final da conferência foi transferida para novembro deste ano, depois, portanto, da votação do PNE na Câmara dos Deputados e também do segundo turno das eleições presidenciais.

O adiamento deixou claro o comprometimento do governo em aprovar o texto do Senado (sustentado pela base governista na Casa), que pretende desviar as verbas públicas que deveriam ser investidas em educação pública para as empresas privadas que exploram o ensino superior. A maior parte das vagas, neste nível de ensino, é explorada por empresas e fundos estrangeiros.

O texto mais fiel ao esboço que nasceu na primeira Conferência Nacional de Educação (Conae), em 2010, elaborado com o auxílio das entidades ligadas à educação, foi aprovado pela Câmara dos Deputados após dois anos de discussão do anteprojeto enviado pelo presidente Lula e pelo então ministro da Educação, Fernando Haddad. Esse projeto estabelecia como meta “ampliar o investimento público em educação pública de forma a atingir, no mínimo, o patamar de 7% (sete por cento) do Produto Interno Bruto – PIB do País no 5º (quinto) ano de vigência desta Lei e, no mínimo, o equivalente a 10% (dez por cento) do PIB ao final do decênio”.

No Senado, porém, o projeto foi alterado pelos senadores José Pimentel (PT-CE) e Eduardo Braga (PMDB-AM). Entre outras alterações, suprimiu-se a palavra “público” após a palavra “educação”, na frase: “ampliar o investimento público em educação pública de forma a atingir, no mínimo, o patamar de 7% (sete por cento) do Produto Interno Bruto – PIB do País no 5º (quinto) ano de vigência desta Lei e, no mínimo, o equivalente a 10% (dez por cento) do PIB ao final do decênio” (grifo nosso).

O mesmo foi feito nos outros parágrafos que traçam metas para a educação de nível técnico e superior.

“O PNE foi gravemente desconstruído pelo Senado. O texto tanto diminui o recurso para educação pública como o governo não vai ter a obrigação de criar uma matrícula nova no ensino técnico nem no ensino superior”, denunciou na época Daniel Cara, coordenador da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação.

As entidades ligadas à educação, enfrentando o lobby do Planalto e das multinacionais do ensino, resolveram levar o assunto para a Conae, que seria composta por cerca de 5 mil participantes, às vésperas da votação, como a principal forma de mobilizar a sociedade pela manutenção do texto da Câmara.

No entanto, o MEC, sob a alegação de “problemas logísticos relacionados à Copa do Mundo” (?!), adiou a Conferência.

“O adiamento é um golpe na democracia e afeta violentamente a credibilidade dos espaços de participação social existentes no governo”, afirma o professor Luiz Araújo, presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) durante o governo Lula e um dos elaboradores do plano.

“As manifestações das Conferências Municipais e Estaduais foram claramente favoráveis a um conjunto de propostas demonizadas pelo MEC. O evento seria um momento de fortalecimento da luta por um Plano que tornasse a participação da União no financiamento da educação nacional mais efetiva, coisa que não interessa ao governo, absorvido com outras prioridades representativas de outros segmentos sociais – leia-se, banqueiros credores de nossa dívida pública”, ressaltou.

O Fórum Nacional de Educação (FNE) – composto por 35 entidades da sociedade civil e do poder público responsável pela organização do evento, também criticou a decisão. Em nota, o fórum declara “lamentar o adiamento da 2ª Conferência Nacional de Educação. Tal fato ocorre por decisão administrativa do Ministério da Educação – MEC”.

“Este Fórum, com as contribuições e os trabalhos dos Fóruns Estaduais, Municipais e Distrital de Educação, cumpriu com todas as etapas necessárias para a realização da etapa nacional da CONAE 2014, no período de 17 a 21 de fevereiro. Reconhecemos o prejuízo desta postergação, dada à tramitação do PNE no Congresso Nacional e toda a preparação vivenciada no ano de 2013, apresentando várias propostas que foram incorporadas no texto referência, frutos dos debates nas Conferências Municipais, Intermunicipais, Estaduais e Distrital”, completa.

O Fórum conclama ainda à defesa do texto original, já que, “a proposta do PNE que retorna à Câmara dos Deputados é privatista, segregacionista e não contribui para fortalecer o sistema nacional de educação”.

“O FNE considera que o texto do Senado Federal representa um retrocesso em relação ao debate realizado no contexto da discussão do PL nº 8035 de 2010, que resultou no Substitutivo do Deputado Angelo Vanhoni (PT-PR) à proposta original de PNE, encaminhada ao  Congresso Nacional pelo Poder Executivo Federal em dezembro de 2010”.

Dentre as entidades que assinam a nota do FNE estão: a SBPC, CNI, UNE, CUT, CNTE, CONTEE, Fasubra, Contag e a Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

 

Fonte: Hora do Povo

Campanha Nacional Pelo Direito à Educação: “Cancelar a Conae-2014 foi decisão arbitrária”

Veja abaixo posicionamento público divulgado pela Campanha Nacional Pelo Direito à Educação:

 

Cancelar a Conae-2014 foi decisão arbitrária, mas não desmobilizará a defesa de um PNE pra Valer!  

 

A rede da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, composta por centenas de entidades, movimentos e organizações de todas as regiões do país, repudia o cancelamento da etapa federal da Conferência Nacional de Educação de 2014 (Conae-2014), por decisão unilateral e arbitrária do Ministério da Educação (MEC).

O cancelamento foi comunicado ao Fórum Nacional de Educação (FNE) na última sexta-feira, 24 de janeiro, a menos de um mês da realização do evento, que aconteceria entre 17 e 21 de fevereiro de 2014. Sem alternativa, o colegiado reagendou a etapa federal para 19 a 23 de novembro de 2014.

Cumpre informar à sociedade brasileira que a etapa federal da Conae foi convocada pela Portaria No 1410, de 3 de dezembro de 2012, assinada pelo Ministro de Estado da Educação, Aloizio Mercadante Oliva, e publicada no Diário Oficial da União em 4 de dezembro de 2012. Este instrumento legal determina:

“Art. 5º A II Conferência Nacional de Educação-CONAE 2014 realizar-se-á em Brasília – Distrito Federal, no período de 17 a 21 de fevereiro de 2014.”

Devido à letargia na aprovação do novo Plano Nacional de Educação (PNE) no Congresso Nacional, a Conae-2014 coincidiria com um momento decisivo para a educação brasileira: o início da etapa terminativa de tramitação da matéria na Câmara dos Deputados. Portanto, o evento seria estratégico para fortalecer a defesa do texto da Câmara, apoiado pela comunidade educacional, em detrimento da versão do Senado, defendida pelo Palácio do Planalto.

Membro titular do FNE, instância responsável pela coordenação política das edições da Conae, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, assim como os demais membros do FNE, foi surpreendida com a decisão anunciada pelo Ministério da Educação, órgão responsável pela gestão administrativa da Conferência.

Ao comunicar sua decisão, sem nunca ter antes problematizado com o FNE quaisquer preocupações quanto à realização da Conae, o MEC demonstra grave desrespeito com a participação popular, princípio político que, inclusive, consta do tema central da Conferência: “O PNE na Articulação do Sistema Nacional de Educação: participação popular, cooperação federativa e regime de colaboração”. Apoiado unicamente no poder administrativo e financeiro que detém, o MEC decidiu impor sua posição política de cancelamento contra todas as demais organizações do FNE e contra todas as expectativas de milhares de delegados, representantes de governos e organizações da sociedade civil envolvidas no processo, muitas delas membros de fóruns estaduais e municipais de educação.

Por todo o Brasil, entidades da sociedade civil e governos estaduais e municipais se esforçaram para respeitar um calendário apertado e conseguiram concluir e sistematizar, até novembro de 2013, as etapas preparatórias à Conae 2014. Do mesmo modo, os membros do FNE finalizaram, em meados de dezembro de 2013, as tarefas essenciais para a realização da Conferência. Cabe lembrar, a título de exemplo, que aos delegados eleitos nas etapas estaduais, há pouco mais de dez dias, foram solicitadas informações para as emissões das respectivas passagens aéreas, sem que sequer fosse cogitado o cancelamento.

Quando agendou a reunião dos dias 23 e 24 de janeiro de 2014, o FNE esperava acertar detalhes finais para a realização da etapa federal da Conferência. Ao invés disso, teve que lidar com a decisão unilateral do MEC. Mesmo solicitado, o Ministro da Educação, Aloizio Mercadante sequer foi ao pleno do Fórum para apresentar e debater sua decisão. Diante do impasse e do risco de não ter garantida a realização da II Conae, o FNE decidiu, por consenso, justificar em sua 20ª Nota Pública que “lamenta” o ocorrido. Por acreditar na Conae e para assegurar que o cancelamento imposto pelo MEC não viesse a desperdiçar definitivamente os esforços empreendidos nas etapas preparatórias, o FNE determinou que a etapa federal deverá ocorrer de 19 a 23 de novembro de 2014. Também expressou na Nota Pública, que diferente do ocorrido com a gestão administrativa de responsabilidade do MEC, “cumpriu com todas as etapas necessárias para a realização da etapa nacional da Conae 2014, no período de 17 a 21 de fevereiro”, demonstrando compromisso com suas responsabilidades.

Diante de todo o ocorrido e de seu contexto, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação considera imprescindível que o FNE seja rediscutido. Este Fórum deve ser reafirmado e fortalecido como um espaço de encontros, articulação de ações, monitoramento e, sobretudo, decisões sobre os temas de sua competência, como a Conae. Deve articular democraticamente e em um mesmo nível de importância representantes da sociedade civil e dos governos, o que inclusive, em princípio, deveria ser a sua peculiaridade, desrespeitada na forma unilateral como se deu o anúncio do cancelamento da etapa federal da Conferência que aconteceria em fevereiro. Portanto, é preciso que seja repensada a composição do FNE e sua gestão, que deve contar com autonomia, inclusive orçamentária.

Paralelamente, as entidades da sociedade civil precisam ampliar a interlocução e articulação entre si, com o objetivo de estabelecer maior controle social sobre as políticas públicas educacionais, o próprio FNE e a Conae.

Por último, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação expressa que o cancelamento da Conae-2014 deverá mobilizar ainda mais a sociedade civil em torno da tramitação do novo PNE. A comunidade educacional tem a certeza de que o texto da Câmara dos Deputados é melhor do que a versão do Senado Federal. Essa posição foi consensualmente firmada pelo FNE, em sua 21ª Nota Pública, que caracterizou a versão do Senado como “privatista”, “segregacionista” e contraproducente quanto à construção do Sistema Nacional de Educação.

O país exige um plano que seja a base para um Sistema Nacional de Educação democrático, plural e participativo, no qual as decisões das instâncias, conferências e fóruns sejam democraticamente respeitadas. O Brasil necessita de um “#PNEpraVALER!”, com o objetivo de consagrar o direito à educação pública de qualidade.

Por fim, faz-se imprescindível que o MEC apresente, publicamente, documentos e as respectivas contas, que, em princípio, teriam justificado o cancelamento da Conae-2014 em fevereiro, reagendada pelo FNE para novembro de 2014. As informações disponibilizadas até o momento à imprensa e ao Fórum Nacional de Educação, além de insuficientes, não justificam a arbitrária e inesperada medida do Ministério da Educação.

 

Assina o Comitê Diretivo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, em nome de toda a rede:

 

Ação Educativa

ActionAid Brasil

CCLF (Centro de Cultura Luiz Freire)

Cedeca-CE (Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará)

CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação)

Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente

Mieib (Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil)

MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra)

Uncme (União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação)

Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação)

 

Fonte: Campanha Nacional Pelo Direito à Educação

Sindicato dos Escritores de SP e o Centro Cultural Árabe Sírio homenageiam o poeta Jorge Medauar

O poeta e contista brasileiro Jorge Medauar será homenageado pelo Sindicato dos Escritores do Estado de São Paulo – entidade da qual foi fundador e fez parte até sua morte, em 2003.

Baiano de origem síria, Medauar teve em suas obras contos que lhe deram grande reconhecimento, como o Prêmio Jabuti de 1959 (o primeiro de uma série) com “Água Preta”. O prêmio foi concedido ao autor no mesmo ano que a seu conterrâneo Jorge Amado.

Mestre na prosa, mas também na poesia, ele foi destacado como precursor das experiências de vanguarda poética brasileira, onde, segundo o diretor do Sindicato dos Escritores, Nathaniel Braia, Medauar “encontrou seu filão para compartilhar sentimentos e emoções pessoais, mas também para tratar de sua opção pelo engajamento e transformação social”.

“Há muito a se dizer e debater sobre este escritor que foi denominado por José Lins do Rego de o “poeta da fúria heroica” que tomou as ruas para exigir que o Brasil entrasse na luta contra o nazismo, para celebrar a vitória em Stalingrado, para questionar os injustos ataques da Guerra Fria contra a União Soviética”, convida o diretor do Sindicato.

O evento será realizado no dia 6 de fevereiro, quinta-feira, 20:00 h, na nova sede do Centro Cultural Árabe Sírio, à rua dos Ingleses, 149, Bela Vista, próximo ao teatro Ruth Escobar.

Ministério do Esporte aprova JESP III

Foi aprovada pelo Ministério do Esporte a 3ª edição dos Jogos Estudantis da Cidade de São Paulo (JESP). Realizado pela UMES, em parceria com a Petrobras, o JESP consolidou com sucesso, nas suas duas primeiras edições realizadas, o objetivo do projeto: incentivar a prática esportiva nas escolas, promover a continuidade do processo pedagógico vivenciado nas aulas de Educação Física e situar a escola como centro esportivo e de formação da comunidade, não apenas através da prática esportiva, mas também com a realização de cineclubes e debates.

Na segunda edição do JESP, o projeto se destacou ao unir a prática esportiva à conscientização ambiental, somando aos jogos a tarefa de coleta de papel reciclável, exigindo a contrapartida ambiental como critério de inscrição para as equipes das escolas. Com isso, o esporte, os debates e as coletas mobilizaram milhares de alunos. Ao todo, foram 1009 alunos-atletas de 60 escolas de todas as regiões da cidade, totalizando 96 equipes, nas modalidades Futsal, Handebol e Voleibol.

Ao final do projeto foram coletadas, através de cooperativas e ONGs parceiras do JESP, 74.079 latas de alumínio, 44.781 garrafas pets e 14,3 toneladas de papel/jornal. Além das coletas foram, ao todo, 127 sessões de cineclubes reunindo um público de 14.862 pessoas.

O objetivo é que o sucesso seja ainda maior no JESP III, que irá proporcionar a atividade física direta de 1.216 atletas, mobilizando indiretamente, cerca de 40.000 estudantes/atletas.

Nesta 3ª edição, o projeto irá inscrever as equipes de escolas de todas as regiões da cidade em quatro modalidades: Futsal, Voleibol, Handebol e Xadrez, nos gêneros masculino e feminino, totalizando 128 equipes.

Também serão realizadas as sessões de Cineclube nas escolas participantes, e a contrapartida ambiental, através da coleta de materiais recicláveis.

 

Veja mais informações sobre o JESP:

 

JESP II supera as expectativas e parabeniza a grande campeã EE Padre Manoel da Nóbrega!

Fotos das coletas de material reciclável

Fotos dos cineclubes e debates

Fotos dos jogos finais e premiação

Fotos da reportagem do SPTV na ETEC Basilides de Godoy

Autoridades, parlamentares, professores e alunos-atletas participam do Lançamento do 2º JESP e do Portal da UMES

“Polícia do Senado nos atacou”, denuncia UNE

Repúdio à agressão a estudantes intensifica luta em defesa da federalização da Gama Filho

 

A agressão das polícias do Senado e Militar aos cerca de 20 estudantes das universidades Gama Filho e UniverCidade acampados em frente ao Palácio do Planalto, em Brasília, na última segunda-feira (20), foi firmemente repudiada por dirigentes do movimento estudantil e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Os estudantes estão acampados em Brasília, em frente ao Planalto, a fim de pleitear uma reunião com a presidente Dilma Rousseff e reivindicar a federalização das universidades, descredenciadas pelo Ministério da Educação (MEC) no último dia 13.

“Repudiamos a ação arbitrária, desproporcional e inconstitucional da polícia na manifestação pacífica e legítima dos estudantes”, afirmou a secretaria-geral da União Nacional dos Estudantes (UNE), Iara Cassano, sobre o caso.

A ação truculenta da polícia chegou a prender 13 estudantes, entre eles: diretores da UNE, da UEE-RJ, do DCE da Universidade Gama Filho. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) condenou a prática adotada pela PM com os estudantes. Para o presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB, Wadih Damous, “O que aconteceu com os estudantes da Gama Filho e da UniverCidade é resultado de fraude e crime”, afirmou em nota.

“Agora, além de perderem os seus cursos e enfrentarem todas as dificuldades imagináveis para efetivar as suas transferências, são espancados pela polícia de Brasília, com direito a spray de pimenta. Tudo porque ocupavam pacificamente o sacrossanto gramado do Congresso Nacional”, afirmou Damous.

A repulsa dos estudantes pela ação da PM, e a luta pela federalização da Gama Filho e da UniverCidade, projeto até então descartado pelo MEC, mesmo sendo defendido por todos os reitores da rede federal no Rio de Janeiro, pelos estudantes, funcionários e discentes das universidades, culminou em uma manifestação com mais de três mil estudantes pelas ruas do centro da capital fluminense, na terça-feira (21).

Ao contrário do que aconteceu na segunda-feira em Brasília, o que se viu nas ruas do Rio de Janeiro foi uma grande manifestação pacífica. Por volta das 18h, a Praça da Candelária já estava tomada por estudantes munidos de faixas, cartazes e palavras de ordem.

“’O que vemos no ato de ontem foi uma mobilização de toda a juventude contra a lógica de mercantilização da educação. Descredenciar não resolve o problema. Lutamos por uma solução digna para esses estudantes’’, afirmou a presidente da UNE, Vic Barros.

Enquanto a manifestação seguia no Rio de Janeiro, cerca de 30 estudantes da Gama Filho e UniverCidade realizavam uma manifestação em frente ao Ministério da Educação, em Brasília, reforçando o pedido de federalização das instituições.

Naquele momento, no MEC acontecia uma reunião entre representantes do Ministério, do Ministério Público Federal, da Secretaria de Regulação e da Supervisão da Educação Superior (Seres) e com reitores e líderes de 52 instituições de ensino superior do Rio de Janeiro para debater a transferência para outras universidades privadas dos alunos das duas instituições descredenciadas. O edital completo com as regras e critérios para se dar início ao processo de licitação para transferência dos alunos deverá sair semana que vem.

Os estudantes afirmam que permanecerão na luta pela federalização das universidades.

 

Fonte: Hora do Povo

Prefeitura de SP instituiu o Prêmio Zé Renato de apoio à produção teatral

O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, sancionou no começo de janeiro o Projeto de Lei nº 459/13, que institui o Prêmio Zé Renato de apoio à produção e desenvolvimento da atividade teatral para a cidade de São Paulo. A lei que institui o prêmio foi publicada no Diário Oficial do dia 8 de janeiro de 2014.

O Projeto de Lei, de autoria dos vereadores José Américo, Floriano Pesaro e Orlando Silva e Reis, tem como objetivo apoiar a produção artística teatral desenvolvida por núcleos artísticos e pequenos e médios produtores independentes com vistas à produção de espetáculos e realização de temporadas na cidade.

O nome do prêmio é uma homenagem ao fundador do Teatro de Arena falecido em 2 de maio de 2011. José Renato formou-se no ano de 1950, na primeira turma da Escola de Arte Dramática de SP – EAD. Em 1952, fundou o Teatro Arena de São Paulo.

Zé Renato dirigiu duas peças teatrais apresentadas pelo CPC da UMES: Turandot, 1999, e Santa Joana dos Matadouros, 2010 e 2011. O dramaturgo faleceu em 2011 com 85 anos.

 

Informações: Portal do Vereador José Américo

 

Veja mais:

 

Santa Joana dos Matadouros

O conteúdo de “Santa Joana” está mais presente do que nunca – Entrevista com José Renato

Turandot

 

Globalização neoliberal para os ricos

HEDELBERTO LÓPEZ BLANCH*

 

As informações aparecidas no início deste ano de 2014 confirmam, com segurança, a verdadeira realidade da ‘globalização neoliberal’, que tem se estendido por todo o Planeta.

Acontece que as 300 pessoas mais ricas do mundo somaram durante 2013 um total de 524 bilhões de dólares a suas fortunas, que agora totalizam 3,7 trilhões de dólares, segundo dados compilados pela entidade de análise financeira, Bloomberg.

A situação da economia mundial continuou seu avanço negativo ao longo de 2013 com o incremento da iniquidade entre ricos e pobres.

Os dados aportados agora por Bloomberg ratificam a denúncia realizada anteriormente por um grupo de investigadores encabeçado pelo professor Jason Hickel da Escola de Economia de Londres, quando assinalou que atualmente as 300 maiores fortunas do mundo acumulam mais riqueza que os 3,5 bilhões de pessoas consideradas pobres. Todos os beneficiados na acumulação de capitais aparecem como proprietários ou relacionados diretamente com empresas transnacionais.

O primeiro na tabela é Bill Gates, fundador da Microsoft e o homem mais rico do mundo, que incrementou sua fortuna em 15,8 bilhões de dólares durante 2013 e agora possui nada menos que 78,5 bilhões de dólares. Gates obteve lucros pelas ações da Microsoft e por investimentos em empresas como Ecolab ou Canadian National Railway.

Neste círculo irracional de acumulação individual de capitais, lhe seguiu o investidor em cassinos Sheldon Adelson pois sua fortuna cresceu 14,4 bilhões de dólares, até chegar aos 37,1 bilhões de dólares, devido à proliferação dos cassinos de jogo na Ásia.

A lista é continuada pelo espanhol Amancio Ortega, fundador do império têxtil Inditex, cuja fortuna se incrementou em 8,9 bilhões de dólares e totaliza 66,4 bilhões. Por essas coisas do neoliberalismo, sua filha, Sandra Ortega, aparece no lugar 180, com 7,3 bilhões de dólares.

O magnata mexicano das comunicações, Carlos Slim, passou ao segundo lugar mundial, ao perder o primeiro posto para Gates, mantendo-se, porém, com um capital de 73,8 bilhões.

Entre as causas dessas incontroláveis fortunas estão o comportamento dos mercados e o incremento dos índices da bolsa. Como se observa, o que a crise econômica tem feito, isso sim, é golpear as grandes maiorias populacionais que têm padecido fortes medidas de reduções sociais impostas por governos de corte neoliberal.

A pobreza mundial resulta alarmante, embora organismos internacionais ofereçam cifras que, por falta de dados dos governos, não se aproximem da verdadeira realidade.

Estima-se que na Ásia Meridional, a população que subsiste com 1 dólar se situa em 535 bilhões de pessoas. Na Ásia Oriental, Sul-oriental e o Pacífico, 466 milhões e nos Estados Árabes, 15 milhões.

Na África subsaariana, 280 milhões. Na América Latina e o Caribe 120 milhões de pessoas sobrevivem com dois dólares diários. Na Europa Oriental e nos países de Ásia Central 160 milhões de pessoas vivem com quatro dólares ao dia e nos Estados Unidos já há 56 milhões de pobres.

O novo conceito de globalização irrompeu no mundo moderno impulsionado pelos países desenvolvidos, as empresas transnacionais e os grandes meios de comunicação. Sem restrições, seus propagandistas a definem como um fenômeno de caráter internacional cuja ação consiste principalmente em conseguir uma penetração mundial de capitais (financeiros, comerciais e industriais) para que o planeta abra espaços de integração e se intensifique a vida econômica.

Insistem em que é um processo de desnacionalização dos mercados, das leis e da política, e a detalham como a fase em que se encontra o capitalismo a nível mundial, caracterizado pela eliminação das fronteiras econômicas que impedem a livre circulação de bens, serviços e fundamentalmente de capitais.

Os desastres econômico-financeiros ocorridos no final da década de 1990 e princípios da de 2000, em vários países da América Latina como Argentina, Equador, Venezuela, Nicarágua e Bolívia, para citar alguns, abriram os olhos de alguns povos e governos do Terceiro Mundo que compreenderam que se quer um planeta globalizado, deve-se dar benefícios aos pequenos pois estes não podem perder o pouco que têm.

Na atualidade o processo de desnacionalização, bancado por governos pró-ocidentais e também pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BM), possibilitou a entrada incondicional dos capitais transnacionais, que têm comprado as empresas nacionais, os meios básicos de produção e controlam os mercados.

Essas empresas estão enfileiradas para obter e tirar do país onde se estabelecem os maiores lucros, cuja consequência direta é a redução do orçamento nacional para os gastos sociais.

A proliferação dos tentáculos da globalização tem permitido que em muitos países se tenha autorizado a privatização dos serviços públicos, com nefastas consequências para os habitantes dos países em desenvolvimento e dos desenvolvidos.

Nessas nações têm se autorizado diversas empresas transnacionais a controlar os serviços de água potável, esgoto, eletricidade, saúde, educação, enquanto os usuários só podem aceder a eles pelas tarifas que impõem as empresas, sem que o Estado tenha poder para controlá-las.

Sob essas condições, os estados nacionais são desmontados para se converter em simples aparatos de segurança das transnacionais. Por isso, é necessário dar uma virada na globalização e que se transforme, em vez de neoliberal, em solidária, como o estão fazendo vários países da América Latina.

 

*Jornalista cubano, colaborador da Hora do Povo

Fonte: Hora do Povo

Riqueza dos 85 maiores magnatas equivale à de 3,5 bilhões de pessoas

Estudo da Oxfam assinala ainda que a deterioração das condições das famílias não seria possível sem as leis que privilegiam bancos e demais monopólios

 

Às vésperas do Fórum de Davos, a entidade inglesa de combate à fome e injustiça – Oxfam denunciou que a riqueza das 85 pessoas mais ricas do mundo equivale às posses de metade da população mundial e advertiu que é imperioso dar fim à desigualdade econômica extrema no planeta. “É chocante que no século 21 metade da população do mundo – 3,5 bilhões de pessoas – não tenha mais do que a minúscula elite cujos números podem caber confortavelmente em um ônibus de dois andares”, afirmou Winnie Byanyima, diretora-executiva da Oxfam. Ainda segundo o relatório, “nos EUA, o 1% mais rico acumulou 95% do crescimento total posterior à crise desde 2009 a 2012, enquanto os 90% mais pobres da população se empobreceram ainda mais”. E a participação dos 1% na renda nacional dos EUA subiu de 8% em 1980 para 20% em 2012, enquanto 400 magnatas acumulam mais riqueza que os 150 milhões de norte-americanos que estão entre a metade mais pobre da população.

Assim, a “austeridade” com cortes de salários e programas sociais para os 99%, e o bailout com superemissão de dólares para os bancos e monopólios, isto é, para os 1%, agravou a já exacerbada concentração de riqueza. De acordo com o documento “Working for Few” (“Trabalhando para Poucos”) da Oxfam, a riqueza açambarcada pelo 1% das pessoas mais ricas do mundo – US$ 110 trilhões – equivale a 65 vezes o total do que a metade mais pobre da humanidade, somada, tem. E a desigualdade não cessa de se intensificar: “no último ano, 210 pessoas se tornaram bilionárias, juntando-se ao seleto grupo de 1.426 indivíduos com um valor líquido combinado de US$ 5,4 trilhões”.

As raízes da intensificação da concentração de riqueza estão na ascensão do neoliberalismo desde Reagan e Thatcher, degringolada do bloco socialista e prevalência da especulação financeira desenfreada e dos cortes nos gastos públicos. De acordo com o estudo, “entre 1988 e 2008 o coeficiente de Gini – que mede a desigualdade de renda – aumentou em 58 países (dos que existem dados disponíveis) e sete em cada dez pessoas no mundo vivem em países onde a desigualdade cresceu”.

A Oxfam assinalou que essa deterioração das condições das famílias não seria possível sem leis em benefício dos bancos e monopólios, bem como a “desregulamentação dos mercados”. A entidade registrou pesquisa em seis países (EUA, Inglaterra, Brasil, África do Sul, Índia e Espanha), que mostrou que a maioria dos entrevistados considera que as leis são distorcidas em favor dos ricaços. Na Espanha, sob brutal arrocho da Troika, essa foi a resposta de oito em cada dez pessoas. Outra recente pesquisa da Oxfam com trabalhadores com salários baixos nos EUA revelou que 65% deles consideram que o Congresso aprova leis que beneficiam principalmente aos ricos.

O documento denunciou o “sequestro democrático que perpetua a desigualdade econômica”, referindo-se “à desregulamentação financeira, à iniquidade dos sistemas fiscais, às leis que facilitam a evasão fiscal, às políticas de austeridade econômica e à apropriação dos ingressos derivados do petróleo e mineração”. E ressaltou a famosa citação de Louis Brandeis, juiz da Suprema Corte, de que “podemos ter democracia, ou podemos ter a riqueza concentrada em poucas mãos, mas não podemos ter ambas”. Ou o presidente Franklin Roosevelt: “o governo mais livre do mundo, se existisse, deixaria de ser aceitável se suas leis tendessem a gerar uma rápida acumulação de propriedade em poucas mãos, fazendo com que a imensa maioria da população ficasse dependente e sem recursos”.

A concentração de riqueza pode ser, inclusive, maior do que a já apontada, pois como afirma o relatório “globalmente, os indivíduos e companhias mais ricos escondem trilhões de dólares dos impostos em uma rede de paraísos fiscais no mundo todo – estima-se que US$ 21 trilhões estão escondidos sem registros”. O documento também observa que na última década o número de bilionários na Índia passou de menos de 6 a 61, de modo que em um país onde vivem 1,2 bilhão de pessoas, só umas dezenas delas possuem em conjunto uma riqueza de aproximadamente US$ 250 bilhões – o que seria inexplicável sem a pilhagem das privatizações. “O mais surpreendente é que a porcentagem da riqueza nacional que essa minúscula elite possui aumentou vertiginosamente, passando de 1,8% em 2003 para 26% em 2008”.

 

“INIQUIDADE”

Após criticar o modelo neoliberal “em que o vencedor leva tudo”, a Oxfam destacou os avanços na América Latina, que de historicamente a mais desigual região do mundo, se tornou “a única que conseguiu reduzir a iniquidade na década passada”. Entre 2002 e 2011, a desigualdade de renda diminuiu “em 14 dos 17 países sobre os quais há dados comparáveis”. No período, cerca de 50 milhões de pessoas deixaram a pobreza extrema na região, sendo que nos últimos 20 anos o gasto social como percentagem do PIB teve um incremento de 66%. O relatório destacou o Brasil, cujo sucesso atribuiu ao programa Bolsa Família, ao aumento real do salário mínimo e dos gastos com saúde e educação. Para a Oxfam, o caso da América Latina mostra que “as enormes disparidades de renda, podem, na verdade, ser enfrentadas com intervenções políticas”.

A entidade salientou outra fonte de desigualdade: desde a década de 1970, em 29 de 30 países escolhidos, existe uma taxação de imposto menor para os setores mais ricos da sociedade. “Assim, os membros mais ricos da sociedade não só recebem uma porcentagem maior do bolo econômico, como também são menos tributados por ele”. Mas é nas decisões sobre o gasto publico que se concentra o favorecimento dos magnatas, bancos e monopólios. “O caso mais notório e infame é o resgate do setor financeiro após a crise de 2008”. Em vários países o setor financeiro sequestrou economias inteiras, especialmente nos EUA: “um processo que Simon Johnson, ex-economista-chefe do FMI, classificou de ‘golpe de estado silencioso’”.

 

ANTONIO PIMENTA

Fonte: Hora do Povo

CINEMA NO BIXIGA – Sinopse do próximo filme: Ministério do Medo

Neste sábado, 25/01, o Cinema no Bixiga apresenta o filme “Ministério do Medo”. O filme inicia às 17 horas, no Cine-Teatro Denoy de Oliveira, na Rua Rui Barbosa, 323, Bela Vista. Entrada franca! 

 

MINISTÉRIO DO MEDO

Graham Greene (1944), com Stephen Neale, Marjorie Reynolds, Carl Esmond, Hillary Brooke, EUA, 86 min.

 

Sinopse

À espera de um trem para Londres, depois de ser liberado de um hospital psiquiátrico onde ficara internado por dois anos, Stephen Neale mata o tempo em uma feira de caridade e ganha um bolo ao adivinhar o seu peso. Ele não sabe, mas o prêmio o colocará na rota de uma rede de espionagem queopera em favor da Alemanha nazista. Com as bombas a cair sobre a Inglaterra, distinguir amigos e inimigos torna-se um exercício cada vez mais incerto.

 

Direção: Fritz Lang (1890-1976)

Cineasta, produtor e argumentista nascido em Viena, Friedrich Anton Christian Lang perdeu um olho na 1ª. Guerra Mundial e no hospital começou a escrever roteiros para filmes. Estreou em 1919, com “Halbblut”. Essa primeira fase do diretor, auxiliado por sua esposa, a roteirista Thea von Harbou, o fez ficar conhecido como o maior representante do expressionismo alemão, com filmes como “Metropolis” (1927) e “O Vampiro de Dusseldorf” (1931). Conta a lenda que Hitler, após assistir “Metropolis”, convidou o casal para produzir na UFA – o principal estúdio de cinema da Alemanha. Enquanto Thea aceitou a proposta, Lang exilou-se em Paris. Em 1934, emigrou para os EUA onde realizou 24 filmes, entre os quais “Fúria” (1936), “Vive-se Uma Só Vez” (1937), “Os Carrascos Também Morrem” (1943), que contou com a colaboração de Bertolt Brecht no argumento e roteiro, “Ministério do Medo” (1944), “Um Retrato de Mulher” (1944), “O Diabo Feito Mulher” (1952), “Os Corruptos” (1953), “Enquanto a Cidade Dorme” (1956). De volta à Alemanha dirigiu “Os Mil Olhos do Dr. Mabuse” (1960). Mestre do film noir, Lang dizia que sua visão da sociedade não era pessimista, mas realista – pelo menos a da sociedade que ele retratava. Sua  influência é reivindicada por cineastas como Buñuel, Orson Welles e Hitchcock.

 

Argumento Original: Graham Greene (1904-91)  

Henry Graham Greene nasceu em Berkhamstead, formou-se em Oxford, empregou-se no The Times, ganhou notoriedade com o romance “The Man Within”, em 1929. Na 2ª. Guerra Mundial foi membro do serviço secreto inglês, do qual cultivou durante a vida uma imagem pouco lisonjeira. Escreveu mais de 70 romances, peças de teatro, coletâneas de contos e memórias que originaram meia centena de filmes, entre eles  “Orient Express” (Paul Marin, 1934); “O Ministério do Medo” (Fritz Lang, 1944); “Quando os Destinos se Cruzam” (Herman Shumlin, 1945); “O Ídolo Caído”, “O 3º. Homem”, “Nosso Homem em Havana” (Carol Reed, 1948, 1949. 1959); “Os Comediantes” (Peter Glenville, 1966); “Viagens com Minha Tia” (George Cuckor, 1972), “O Cônsul Honorário” (John Mackenzie, 1973); “O Fator Humano” (Otto Preminger, 1978). Das obras que receberam mais de uma adaptação cinematográfica destacam-se “Brighton Rock” (John Boulting, 1938; Rowan Joffé, 2010), e “O Americano Tranquilo” (Joseph L. Mankiewicz, 1958; Philip Noyce, 2002).

Greene dedicou sete livros à luta anti-imperialista na América Latina. Em 1984 expôs em “Getting to Know the General” as razões pelas quais o atentado que matou o líder panamenho Omar Torrijos, seis meses após a posse de Ronald Reagan na presidência dos EUA, esteve longe de ser um inocente acidente aéreo.

 

Música Original: Victor Young (1899-1956), Miklos Rosza (1907-95)

Nascido em Chicago, Victor Young foi compositor, arranjador, maestro e violinista. Aos dez anos, passou a morar com a irmã em Varsóvia, onde estudou música e estreou profissionalmente na Filarmônica daquela cidade. Estudou também piano no Conservatório de Paris. Trabalhou como arranjador e maestro em rádio e teatro nos EUA, foi diretor musical da Paramount Pictures. Em um período de 20 anos escreveu música para mais de 300 filmes. Recebeu 22 indicações para o Oscar. Compôs as trilhas dos clássicos “Depois do Vendaval” (1952) e “Os Brutos Também Amam” (1953), ambos do diretor John Ford. È autor das canções “Stella by Starlight” e “When I Fall in Love”, imortalizadas nas vozes de Ray Charles e Nat King Cole.

Miklós Rósza nasceu em Budapeste, Hungria. Entre 1925 e 1929 estudou música no Conservatório de Leipzig, Alemanha. Mudou-se para Paris em 1932. Começou a compor música para cinema em Londres, trabalhando na Korda London Filmes, e aportou em Hollywood em 1939. Compôs para Billy Wilder as trilhas de “Sete Covas no Egito” (1943) e “Pacto de Sangue” (1944). Ganhou três prêmios Oscar pela participação em “Quando Fala o Coração” (Alfred Hitchcock, 1945), “Fatalidade” (George Cukor, 1947), “Ben-Hur” (William Wyler, 1959).