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“Este presidente é a maior vergonha de nossa história!”, diz Ciro

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Ex-governador Ciro Gomes (PDT) – Foto: Divulgação

 

O ex-governador Ciro Gomes (PDT) usou suas redes sociais na terça-feira (18) para mostrar sua indignação contra os ataques e a baixaria de Jair Bolsonaro à jornalista Patrícia Campos Mello, da Folha de S. Paulo. “Este presidente é a maior vergonha de nossa história! Enojante!”, disse Ciro.

Endossando uma mentira de Hans River do Nascimento, um ex-funcionário da Yacows, empresa produtora de fake news para a campanha presidencial de 2018, que afirmou na CPI que a jornalista o havia assediado sexualmente para obter informações, Bolsonaro agrediu a repórter. “Ela queria um furo. Ela queria dar um furo [pausa, pessoas riem] a qualquer preço contra mim”, disse Bolsonaro.

RANDOLFE RODRIGUES

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), líder da oposição no Senado, decidiu protocolar uma representação contra Jair Bolsonaro na PGR (Procuradoria-Geral da República) na quarta-feira (19). “Esperamos uma reação por parte do procurador-geral [Augusto Aras], que afinal é o fiscal da lei”, segue Randolfe. Ele está coletando assinaturas de outros senadores que pretendem subscrever a representação.

MARINA SILVA

A ex-ministra do Meio Ambiente durante o governo Lula, Marina Silva (Rede), afirmou que Jair Bolsonaro “insiste em se comportar de maneira abjeta, desprezível e completamente incompatível com a função que ocupa”, após o presidente ter insinuado, nesta terça-feira (18), que a jornalista Patrícia Campos Mello, da Folha de S. Paulo , teria trocado informações por sexo.

Marina publicou no Twitter a crítica à insinuação de Bolsonaro. “Tem gente que aplaude esse tipo de baixaria machista”, disse a ex-ministra sobre a fala do presidente.

ROBERTO FREIRE

O presidente do Cidadania, Roberto Freire, e os líderes do partido no Senado, Eliziane Gama, e na Câmara, Arnaldo Jardim, criticaram veementemente em nota pública as declarações misóginas e de cunho sexual do presidente da República, Jair Bolsonaro, contra a repórter do jornal Folha de S. Paulo, Patrícia Campos Mello.

Leia a íntegra da nota:

“O desatino de um presidente

O presidente da República, Jair Bolsonaro, ao agredir com ironias grosseiras a jornalista Patrícia Campos Mello, hoje pela manhã, mais uma vez demonstra o seu desrespeito à liturgia do cargo, às mulheres, às famílias e aos direitos consagrados na Constituição de 1988, sem esquecer as recorrentes afrontas à imprensa livre do nosso país. Com sua atitude, rasga o senso e usa o mandato para alimentar o ódio e conflitos desnecessários entre os cidadãos.

Por estar no vértice do poder republicano, a Presidência deve ser referência moral e comportamental para toda a sociedade e não trincheira ideológica para aprofundar desarmonias sociais, de gênero e de brasilidade.

Com a suas declarações, além do mais, o presidente confronta a luta histórica e a conquista de direitos pelas mulheres, afirmando posturas sexistas e misóginas, não mais toleráveis em nossa democracia.

As declarações desastradas do presidente tornam-se também condenáveis se levarmos em consideração que estamos às vésperas das comemorações do Dia Internacional da Mulher, no próximo 8 de março.

O Cidadania manifesta a sua solidariedade à jornalista vilipendiada, a todas às mulheres e também a família brasileira.

Roberto Freire – Presidente do Cidadania

Eliziane Gama – Líder do Cidadania no Senado Federal

Arnaldo Jardim – Líder do Cidadania da Câmara dos Deputados”

editorial

“Sob ataque, aos 99” – Editorial do jornal Folha de S. Paulo sobre a conduta de Bolsonaro

editorial

Fac-símile da capa da edição da Folha em 19/02/2020 – Destaque para o insulto de Bolsonaro à jornalista Patrícia Mello

Ao completar 99 anos de fundação, esta Folha está mais uma vez sob ataque de um presidente da República. Jair Bolsonaro atiça as falanges governistas contra o jornal e seus profissionais, mas seu alvo final não é um veículo nem tampouco a imprensa profissional. Ele faz carga contra o edifício constitucional da democracia brasileira.

Frustraram-se, faz tempo, as expectativas de que a elevação do deputado à suprema magistratura pudesse emprestar-lhe os hábitos para o bom exercício do cargo. É a Presidência que vai se contaminando dos modos incivis, da ignorância entranhada, do machismo abjeto e do espírito de facção trazidos pelo seu ocupante temporário.

O chefe de Estado comporta-se como chefe de bando. Seus jagunços avançam contra a reputação de quem se anteponha à aventura autoritária. Presidentes da Câmara e do Senado, ministros do Supremo Tribunal Federal, governadores de estado, repórteres e organizações da mídia tornaram-se vítimas constantes de insultos e ameaças.

Há método na ofensiva. Os atores agredidos integram o aparato que evita a penetração do veneno do despotismo no organismo institucional. Bolsonaro não tem força no Congresso nem sequer dispõe de um partido. Testemunha a redução de prerrogativas da Presidência, arriscada agora até de perder o pouco que lhe resta de comando orçamentário.

Escolhe a tática de tentar minar o sistema de freios e contrapesos. Privilegia militares com verbas, regras e cargos, e o exemplo federal estimula o apetite de policiais nos estados. Governadores são expostos por uma bravata presidencial sobre preços de combustíveis a um embate com caminhoneiros.

Pistoleiros digitais, milicianos e uma parte dos militares compõem o contingente dos sonhos do presidente para compensar a sua pequenez, satisfazer a sua índole cesarista e desafiar o rochedo do Estado democrático de Direito.

Não tem conseguido conspurcar a fortaleza, mas os choques vão ficar mais frequentes e incisivos caso a resposta das instituições esmoreça. A democracia é o regime da responsabilidade, o que implica a necessidade de punir a autoridade que se desvia da lei.

Defender o reemprego de um ato que fechou o Congresso Nacional, como fez o deputado Eduardo Bolsonaro ao invocar o AI-5, não deveria ser considerado deslize menor pelos colegas que vão julgá-lo no Conselho de Ética.

As imunidades para o exercício da política não foram pensadas para que mandatários possam difamar, injuriar e caluniar cidadãos desprovidos de poder, como está ocorrendo. Dignidade, honra e decoro são requisitos legais para a função pública. O presidente que os desrespeita comete crime de responsabilidade.

Ao entrar no seu centésimo ano, a Folha está convicta de que o jogo sujo encontrará a resposta das instituições democráticas. Elas, como o jornalismo, têm vocação de longo prazo. Jair Bolsonaro, não.

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Ataque de Bolsonaro com insinuações sexuais contra jornalista da Folha é criminoso e inadmissível

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Ao ofender a jornalista Patrícia Campos Mello, com insinuações sexuais que causam nojo a qualquer pessoa de bom senso, o cidadão está na cadeira da Presidência da República demonstra seu completo desrespeito às mulheres e à democracia. Seu comportamento misógino não é compatível com o posto que ocupa. 

Disse ele: “Olha, a jornalista da Folha, tem mais um vídeo dela aí”, referindo-se exatamente a um fake news divulgado pela milícia bolsonarista com montagens grotescas e difamações à profissional.

“Eu não vou falar aqui porque tem senhora do meu lado. Ela falando eu sou a ‘tatata’ do PT. Tá certo? E o depoimento do Hans River foi no final de 2018 para o Ministério Público, ele diz do assédio da jornalista em cima dele. Ela queria um furo. Ela queria dar um furo [pausa, pessoas riem] a qualquer preço contra mim. Lá em 2018, ele já dizia que eles chegavam perguntando ‘o Bolsonaro pagou para você divulgar informações por Whatsapp?’”, continuou Bolsonaro.

Bolsonaro fala sobre o ex-funcionário da empresa de marketing digital Yacows, Hans River do Nascimento, que mentiu em seu depoimento à CPI das Fake News, dizendo que a jornalista teria se insinuado para ele em troca de informações sobre a campanha de Bolsonaro. A empresa onde Hans trabalhava é investigada no esquema de disparo em massa de mensagens falsas por meio das redes sociais durante as eleições. Hans tinha entrado em litígio com a empresa e depois se entendeu com sua direção.

A UMES de São Paulo demonstra seu completo repúdio aos ataques de Bolsonaro contra a jornalista. Além de desrespeitar uma profissional que exerce uma função fundamental para a democracia, o presidente comete crime de Misoginia, contra as mulheres. Tal comportamento não pode ser tolerado em qualquer circunstância, ainda mais para alguém que está no principal cargo da nação brasileira.

Para a Associação Brasileira de Imprensa, Bolsonaro adota um “comportamento misógino” e afirmou que ele necessita de “tratamento terapêutico”.

“Este comportamento misógino desmerece o cargo de Presidente da República e afronta a Constituição Federal. O que temos visto e ouvido, quase cotidianamente, não se trata de uma questão política ou ideológica. Cada dia mais, fica patente que o presidente precisa, urgentemente, de buscar um tratamento terapêutico.”

A Federação Nacional de Jornalistas enxergou na fala um “grave episódio de machismo, sexismo e misoginia”. O órgão avisou que estará atento para denunciar o que vierem a ser outros ataques do mandatário do país contra profissionais da imprensa e mulheres em geral. “Repúdio ao teor do pronunciamento do presidente e, junto com sua Comissão Nacional de Mulheres, coloca-se como incansável na tarefa de denunciar, tão sistemático quanto forem, os absurdos declarados por Jair Bolsonaro”. Por fim, a entidade se colocou à disposição para dar apoio político e jurídico à jornalista Patrícia Campos Mello.

Repúdio de parlamentares e políticos

O caso também foi condenado por parlamentares, governadores, políticos e sindicalistas.

A líder da Minoria na Câmara, deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), afirmou que o presidente precisará responder na Justiça pela sua fala. “Bolsonaro tem que responder na Justiça à Patrícia Campos Mello pela insinuação criminosa feita hoje. Não há muito o que esperar dessa criatura neandertal que se acocora na poltrona presidencial. No mais, não vou divulgar o vídeo da fala asquerosa. É o que ele quer de nós, mas não terá”, disse a parlamentar.

O PSL, antigo partido de Jair Bolsonaro, aderiu ao coro de repúdio. Pelo Twitter, o partido condenou os ataques à jornalista. “O PSL preza pela liberdade de imprensa e respeito pelos indivíduos. As agressões contra a jornalista Patrícia Campos Mello são inaceitáveis e merecem o repúdio dos brasileiros de bem. A atitude, além de ofensiva, demonstra pouco apreço pela democracia”.

Perpétua Almeida, líder do PCdoB, pediu união para superar o machismo ainda existente no país. “Eu não vou colocar aqui a fala vil, ordinária e misógina do Presidente sobre a jornalista Patrícia Campos Mello. Precisamos nos unir para defender nossa democracia, exigir deste senhor postura de um presidente e combater o machismo! Minha solidariedade”, disse.

Também do PCdoB, Alice Portugal (BA) apontou que a fala do presidente só colabora com a violência contra as mulheres. “Bolsonaro insulta com insinuação sexual à jornalista Patrícia Campos Mello. Mais um episódio grotesco de violência contra a mulher, ataque covarde. Todo nosso repúdio. Não vamos tolerar!!!!”, disse ela.

A senadora Katia Abreu (PDT) repudiou o ataque á Jornalista da Folha. “Insinuam sobre aspectos sexuais porque ela é mulher”, disse. O PSDB se manifestou em solidariedade à jornalista. “Reafirmamos nossa solidariedade com a repórter @camposmello, que vem sendo perseguida com insinuações em torno do seu trabalho. Defendemos uma imprensa livre, mesmo que passível de críticas quando necessário”.

Lídice da Mata (PSB-BA), deputada federal e relatora da CPMI das Fake News, condenou a “atitude covarde, descabida e grotesca do presidente da República com a jornalista Patrícia. Em mais de 30 anos de vida pública, nunca imaginei ver algo tão ridículo de um mandatário da Nação”.

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) também se pronunciou: “Qual o limite do absurdo? Em que democracia sã um presidente da República se sente à vontade agredindo, assediando mulheres? O Brasil nunca esteve diante de tanta covardia! As instituições não podem se calar! Toda minha solidariedade à jornalista!” disse o líder da oposição no Senado.

Miguel Torres, presidente da Força Sindical, disse que “a repórter Patrícia Campos Mello, da Folha de São Paulo, merece todo o nosso apoio contra os que, feito o Bolsonaro, tentam depreciar o trabalho jornalístico, a dignidade da mulher, a democracia e a busca pela veracidade dos fatos”. Vários parlamentares do PT também repudiaram as declarações de Bolsonaro, entre eles, a deputada Gleisi Hoffmann (PT-PR) e o senador Humberto Costa (PT-PE).

Janaina Paschoal (PSL-SP), deputada estadual, também protestou. “Seria prudente o presidente se policiar e seus auxiliares não o instigarem. Essas situações não ajudam ninguém. Por mais que ele tenha sido eleito com esse estilo, todo ser humano pode se esforçar para melhorar”, disse. Ivan Valente (PSOL-SP), afirmou que “o país experimenta total degradação das relações institucionais. A agressão de Bolsonaro contra a jornalista @camposmello atinge todas as mulheres do Brasil. O ocupante do Planalto falta com decoro, atenta e viola a dignidade do cargo. O impeachment será inevitável. Basta!”

João Doria (PSDB-SP), governador de São Paulo, e o ex-presidente Lula também se pronunciaram. “Quero reafirmar todo respeito a liberdade de imprensa. Respeito pelos jornalistas, por aqueles que fazem a notícia. Considero muito desrespeitosa a atitude do presidente mais uma vez em relação aos jornalistas, em especial a uma jornalista mulher. Desrespeitosa e condenável a atitude do presidente”, disse Dória. “Esse comportamento do presidente já virou um comportamento cotidiano dele”, disse Lula.

A mensagem contra a jornalista também foi criticada pela deputada Luizianne Lins, do PT-CE. “Incapaz de governar, Bolsonaro volta a agredir com acusações de cunho sexual jornalista da Folha de SP. Patrícia Campos Mello vem revelando a ligação da família Bolsonaro com a disseminação organizada de fake news. Não nos calaremos!”, protestou.

Margarida Salomão (PT-MG) pediu e prestou apoio à jornalista listando os erros presidenciais. “Todos os dias Bolsonaro testa os limites da democracia. Todos os dias ele mente. Todos os dias, portanto, Bolsonaro comete crimes. Crimes contra o decoro, contra as mulheres, contra a democracia. Está na hora de pagar por seus erros.”

Com informações do Jornal Hora do Povo

marca corpo no chao

“A esquerda brasileira morreu, mas qual?” – Gustavo Castañon

marca corpo no chao

O artigo, de Gustavo Castañon, é uma resposta ao texto “Como a esquerda brasileira morreu“, de Vladimir Safatle, publicado em El País de 10/02/2020.

Originalmente, o artigo de Castañon foi publicado no Portal Disparada (C.L./HP).

Conheço Saflate superficialmente e o respeito como intelectual e como pessoa, por isso espero que a dureza de minha resposta não seja mal recebida. Seu artigo contém observações interessantes, mas tem uma tese central fundamentalmente errada. É claro que a esquerda brasileira como a conhecíamos nos últimos anos morreu, mas qual esquerda? A resposta de Saflate não poderia ser mais míope e errada, afinal de contas, a esquerda que morreu foi a dele próprio.

Talvez por isso mesmo seu artigo um tanto derrotista tenha sido bem aceito exatamente no cemitério da militância petista.

Não, a esquerda que morreu não foi o “populismo de esquerda”. Nem sequer foi a esquerda puramente liberal, que tenta reformas graduais dentro das estruturas representativas da democracia tradicional e praticamente nunca chegou a existir no Brasil. O que morreu foi o que eu chamaria de “esquerda pós-moderna”, ou seja, o PT, criação imortal (?) de Lula, Golbery e da intelectualidade da USP.

Saflate, reconheçamos, é a versão intelectualmente coerente dessa esquerda que, chegando ao poder, mimetizou o populismo na forma e no discurso, mas não para desafiar, de fato, as oligarquias tradicionais e a estrutura escravista do Brasil, e sim somente para conservar as estruturas da sociedade brasileira e se perpetuar no poder se refastelando no banquete do Estado.

A coerência de Safatle, assim como a do PSOL, foi ter renunciado a esta farsa desde o início do governo Lula e, na oposição, manter sua denúncia uspiana do populismo e seu moralismo burguês intactos, assim como a denúncia da falta de reformas progressistas pelo PT.

Mas com o PT fora do poder, o desconforto com o descompasso moral entre prática e discurso cessa e, incrivelmente, o PSOL volta para sua alma mater como uma viúva indiana desesperada que se atira na pira funerária do marido.

A desgraça da esquerda espiritualmente petista, no entanto, é bem maior que seu desastre conservador no exercício do poder. Sua falta de horizonte de transformação econômica no governo acrescentou uma caricatura muito mais funesta a este Frankstein ideológico, que agravou brutalmente o divórcio entre essa esquerda e as aspirações do povo brasileiro: a adesão, mais uma vez somente discursiva (a hipocrisia está no DNA petista, mas não no psolista, os últimos aderiram pra valer), ao identitarismo pós-moderno como substituto retórico para manutenção de um “ethos revolucionário” no petismo, já que as transformações estruturais e universais na sociedade foram definitivamente eliminadas do radar.

Foi uma tentativa desastrada de manter o apelo aos excluídos da sociedade enquanto seu governo, que nunca foi além de políticas compensatórias, aprofundava a desilusão e o fosso entre sua mensagem e prática.

Mas foi então que o fosso se tornou abismo.

Era o nascimento da “esquerda neoliberal pós-moderna brasileira”.

De uma luta por direitos e condições materiais iguais, portanto, universais, o Partido Democrata Norte-Americano do Brasil, o PT (assim como o PSOL), deixou de lutar pela extinção de divisões e fronteiras na sociedade (fronteiras de gênero, etnia, cor da pele e orientação sexual) e passou a lutar para acentuar essas fraturas através de uma reificação de identidades, transformando a luta por direitos e condições iguais para todos numa luta por direitos a serem distribuídos diferentemente por gênero, etnia e orientação sexual.

Os “privilégios” que a esquerda pós-moderna combatia não eram mais os econômicos – agora ela os perpetuava –, mas sim a vantagem de ter nascido num gênero, etnia e orientação sexual historicamente não perseguida.

Essa política fragmentadora dividiu em subclasses intermináveis companheiros de luta dentro dos partidos e de setores da sociedade de tendência esquerdista como um todo, com cada subgrupo em busca de reparação por sua história, ou proteção contra seu presente, de opressão concreta, real.

As políticas afirmativas, de instrumento fundamental, mas frágil e provisório, para integração dos setores oprimidos da sociedade à cidadania, viraram a única resposta social de um governo que economicamente não oferecia nada que não a manutenção das estruturas de desigualdade. Em vez de integrar os oprimidos ao povo brasileiro, essa esquerda procurou sedimentar essa desintegração por via legal.

A luta da esquerda por toda espécie humana se transformou nessa esquerda (pós) liberal e pós-moderna numa contraposição entre mulheres e homens, negros e brancos, gays e héteros. A luta contra a pobreza, o racismo, o machismo e a homofobia em vez de se dar pela defesa e promoção da igualdade social e econômica, se transformou na defesa da diferença e segregação legal via compensações pela estrutura intacta. Em vez de unir e dar voz ao povo brasileiro, as divisões de identidades impostas pela nossa história com a escravidão e o machismo foram alimentadas e esgarçadas.

A busca por falar a língua e usar a estética popular foi substituída pela patrulha “politicamente correta” de expressões populares de nossa linguagem na luta contra preconceitos ocultos. Embora às vezes uma expressão legítima, a substituição da luta política e econômica pela luta linguística marca bem a esterilidade dessa esquerda que se tornou ela própria uma nova forma de opressão “ilustrada” da cultura popular e das formas tradicionais de uma língua. Seu objetivo não é mais justiça econômica e social sintonizada com a pauta popular, mas sim o combate a frases, expressões e formas de falar de populares, adversários e companheiros.

Importando essa abordagem norte-americana de forma totalmente acrítica, essa esquerda se inviabilizou, agora totalmente (agregado ao afogamento na corrupção e na falta de transformações sociais), como força unificadora popular.

Ela é o oposto do populismo de esquerda tradicional, e por isso, morreu.

O “populismo de esquerda”, que nas palavras de Saflate é “um modelo de construção de hegemonia baseado na emergência política do povo contra as oligarquias tradicionais detentoras do poder” é muito mais que uma estética e forma de mobilização de forças sociais, mas um método de transformação da sociedade brasileira que consiste em, como diz Ciro Gomes, “chamar o povo na jogada”, mobilizando-o diretamente na hora dos grandes embates transformativos.

O Governo João Goulart não foi o primeiro governo de esquerda no Brasil, mas sim a grande ausência do artigo de Safatle, aquele que sua alma uspiana está proibida de considerar, o gigante Getúlio Vargas, que, em seu mandato eletivo, fez o primeiro governo claramente de esquerda no Brasil com a criação de grandes empresas estatais como a Petrobrás e a Eletrobrás e a mudança radical de patamar do salário mínimo.

O que os governos Vargas e Goulart tem em comum é o entendimento de que o papel de um governante decente no Brasil é reformar nossas estruturas escravocratas e democratizar a economia e a propriedade, e que para isso, qualquer governo tem que estar preparado para a mobilização popular para o confronto democrático, e não conciliação, com o núcleo das forças oligarcas brasileiras. Porque essas forças nunca farão qualquer acordo que diminua seus privilégios.

Lula sabia disso e ao invés de apostar no acordo com setores produtivos, que ainda existiam, da burguesia nacional para diminuir nosso fosso de privilégios, apostou na conciliação com o sistema financeiro nacional, que é o verdadeiro núcleo do novo oligarquismo brasileiro. E fez isso para que tudo ficasse como está, principalmente, é claro, o PT no poder.

Foi a lição de Vargas e de Goulart que não foi ouvida pela nova esquerda pós-moderna brasileira. E é por isso que ela sim, já está morta, seu legado desmontado e sua base organizacional popular dissolvida, enquanto o legado trabalhista, do “populismo de esquerda” para os uspianos, ainda é tudo aquilo que sobra de Brasil e de direitos dos trabalhadores e que a elite oligarca busca numa corrida contra o tempo exterminar completamente da Constituição.

Essa é a esquerda que ressurgiu das cinzas, a única que já fez algo pelo país e por seus trabalhadores, e que estava impedida de crescer por ter sido mimetizada – na forma e não no conteúdo – por Lula. A esquerda que quer ser a voz de todo o povo, representar suas aspirações, educá-lo profundamente, democratizar a propriedade e a oferta, nacionalizar a economia, dar empregos de qualidade, industrializar o país, cobrar imposto de rico, manter os juros baixos e diminuir a desigualdade.

A “esquerda” está morta. Viva a esquerda genuinamente brasileira!

 

 

Petroleiros 2

Todo apoio à greve dos petroleiros! Em defesa da Fafen e da Petrobrás!

Petroleiros  2

Desde o final de janeiro, os petroleiros coordenam uma das maiores paralisações da história da categoria. De forma unitária, iniciaram uma greve em repúdio ao fechamento da Fafen, a principal fábrica de fertilizantes do país e que pertence à Petrobrás.

A greve nacional dos petroleiros contra o fechamento da Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados do Paraná (Fafen-PR) já mobiliza cerca de 21 mil trabalhadores em mais de 120 unidades do Sistema Petrobrás.

O fechamento da fábrica e a demissão em massa dos trabalhadores são prova cabal da política de destruição realizada pelo governo Bolsonaro contra a principal empresa brasileira.

O desmonte da Fafen tem como único objetivo privilegiar as multinacionais, garantindo que o mercado de fertilizantes do Brasil, um dos mais importantes do mundo, fique à mercê das empresas estrangeiras.

Bolsonaro já deixou claro que pretende esquartejar as estatais e inviabilizar a produção nacional. O bolsonarismo está agindo como uma verdadeira nuvem de gafanhotos, destruindo o estado brasileiro e entregando as riquezas do nosso país.

A União Municipal dos Estudantes Secundaristas de São Paulo (UMES) se solidariza com os petroleiros que estão na luta em defesa do patrimônio do nosso povo. Assim como na luta em defesa da Educação, resistiremos à política nefasta do governo Bolsonaro.

União Municipal dos Estudantes
Secundaristas de São Paulo (UMES)

“Nem sabemos o que vamos comer amanhã, quanto mais ir pra Disney”, veja reações sobre a fala de Guedes

 

O portal Intercept Brasil perguntou a opinião das pessoas nas ruas do Rio de Janeiro sobre as declarações do ministro da Economia de Bolsonaro, Paulo Guedes, de que com o dólar a R$ 1,80, “todo mundo indo pra Disney, empregada doméstica indo para Disneylândia, uma festa danada”.

Antes de destilar seu ódio aos pobres que, segundo ele, não podem viajar pra fora do Brasil, Paulo Guedes já tinha chamado os servidores públicos, ou seja, professores, médicos, enfermeiros, policiais, entre tantos, de “parasitas que não trabalham e vivem querendo aumento”. A chacota de Guedes contra as domésticas é uma atitude que só revela o quanto este governo é impregnado de arrogância, de preconceito e de racismo.

8 - Batata Cuca

Congresso não vota MP de Bolsonaro contra entidades estudantis

8 - Batata Cuca

MP do ID Estudantil foi anunciada como uma “bomba” contra as entidades que organizaram os atos em defesa da Educação e da Democracia em 2019 – Foto: Cuca da UNE

No último dia 16 de fevereiro se encerrou o prazo para a votação da Medida Provisória 895/2019, que havia sido anunciada com toda pompa e circunstância por Bolsonaro como “uma bomba” contra as entidades estudantis que se opuseram aos cortes no orçamento da Educação, nas bolsas científicas e à censura bolsonarista.

Por meio de mais uma Medida Provisória, que tem força de lei e passa a valer assim que assinada pelo presidente da República, Bolsonaro tentou novamente atropelar o Congresso Nacional e alterar a Lei 12.933/2013, a Lei da Meia Entrada, que estabelece o direito aos estudantes e jovens de baixa renda brasileiros.

A MP 895/2019 previa a criação de um aplicativo de celular que, após ser baixado e efetuado um cadastro em um banco de dados do governo, liberaria a meia entrada em eventos culturais e esportivos. Mas, como Bolsonaro deixou claro, seu objetivo jamais foi o de debater a meia entrada e sim de jogar uma “bomba” contra as entidades estudantis.

Em 2019, milhões de pessoas foram às ruas contra o corte de verba nas instituições federais de ensino, o bloqueio de bolsas de pesquisa científica e o projeto de privatização das universidades federais, que foi intitulado “Future-se”.

“Este ataque foi destinado às entidades estudantis que, no último período realizaram as maiores manifestações contra a destruição e o obscurantismo deste governo. Foram as entidades como a UNE, UBES, a UMES de São Paulo e demais entidades regionais que mobilizaram norte a sul do país num movimento de resistência aos desmandos de Bolsonaro”, avaliou Lucas Chen, presidente da União Municipal dos Estudantes Secundaristas de São Paulo (UMES-SP). 

O secretário da Frente Parlamentar Mista para a Educação, deputado Israel Batista (PV-DF) destacou que a MP tem um objetivo claro. “Embora a carteirinha inegavelmente melhore a vida dos estudantes, a justificativa tem segundas intenções perversas. Uma vez que a proposta não vem acompanhada de um projeto de financiamento destas entidades alternativas, a médio e longo prazo os estudantes podem perder voz. A Comissão de Educação não quer ser usada para essa cruzada revanchista”, destacou o parlamentar, ao ser questionado sobre a MP de Bolsonaro.

O presidente da União dos Estudantes (UNE), Iago Montalvão, vê o vencimento da MP como uma “derrota do governo”, já que não houve articulação para priorizar o projeto. “Consideramos que é uma derrota do governo, fruto da postura que eles assumiram, autoritária e monocrática, ao enviar essa medida ao Congresso. Mais uma vez sem diálogo com os parlamentares e sobretudo porque representa uma verdadeira medida de exceção para atacar e perseguir diretamente as entidades estudantis que têm sido importantes espaços de organização de oposição do governo Bolsonaro”, afirmou.

Lucas Chen enfatiza que Bolsonaro não possui qualquer interesse em garantir acesso dos estudantes e jovens brasileiros à cultura. Tanto que três meses após anunciar o ID estudantil, Bolsonaro promoveu evento com alguns cantores sertanejos e que, após o encerramento, o governo divulgou a notícia de que os artistas teriam pedido o fim do direito à meia entrada.

“Bolsonaro nunca teve interesse em garantir acesso à cultura para ninguém. O evento com os artistas sertanejos em que metade dos que foram anunciados como presentes desmentiram a lista oficial e a outra parte negou ter discutido a questão da meia entrada é prova disso. Além de mentir, este governo expõe o ódio aos jovens”, ressaltou o líder secundarista.

Gasto de R$ 15 milhões com o ID Estudantil

O mesmo governo que cortou o orçamento da Educação e cancelou bolsas de estudo alegando falta de recursos, realizou um gasto de cerca de R$ 15 milhões para criar a ID Estudantil.

Segundo levantamento do jornal Folha de São Paulo, com base na Lei de Informação, somente com a propaganda do aplicativo, o MEC gastou R$ 2,5 milhões, entre a produção e divulgação das peças publicitárias.

Além do aplicativo, a MP autorizou a criação de um banco de dados educacionais que foi batizado de Sistema Educacional Brasileiro a partir das informações cedidas pelos estudantes e pelas instituições do MEC.

Segundo a licitação, a produção realizada pelo Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) tem um custo estimado em R$ 12,6 milhões pagamento. Ainda segundo a Folha, além dos custos de manutenção, o governo paga R$ 0,15 a cada carteirinha emitida.

O sistema que foi liberado pelo MEC é alvo de criticas e reprovações até mesmo entre os estudantes que aderiram ao ID Estudantil. Segundo o Portal UOL, nas lojas virtuais da Apple (App Store) e Google Play, onde o ID Estudantil podia ser baixado nos celulares, a avaliação do uso e funcionamento do sistema, que foi feita por mais de 8 mil usuários é considerada ruim. As notas vão de 2,2 (App Store) a 2,7 (Google Play).

“Não consigo realizar o cadastramento pelo celular, está dando falhas na validação biométrica por documento”, escreveu um usuário. Outra aluna disse: “Ridículo, tem que ficar meia hora tentando centralizar o rosto pra tirar a foto e mesmo assim SIMPLESMENTE NÃO FUNCIONA. Pode deletar esse lixo da Google Play”.

Uso desnecessário de Medidas Provisórias

A legislação brasileira prevê o uso das Medidas Provisórias para aprovação de propostas urgentes (como a liberação de verbas para combater uma enchente, por exemplo), mas elas precisam ser discutidas e aprovadas pelos parlamentares em um prazo de 120 dias para que tenham validade.

Entretanto, Bolsonaro fez uso deste recurso para variados fins. Em seu primeiro ano, ele enviou 42 MPs ao Congresso. Dentre elas, estão medidas de ataque e retaliação contra aqueles que o clã Bolsonaro acredita serem seus inimigos, como é o caso da MP que previa acabar com a contribuição sindical dos trabalhadores, a MP que altera os critérios para a escolha dos reitores das universidades federais, a MP que destrói as relações trabalhistas (e que o governo batizou de Carteira Verde e Amarela), a MP que acaba com a publicação de editais em jornais e revistas e, também a MP do ID Estudantil.

Tais MPs foram editadas com o fim de agredir categorias que se opuseram – ou que podem se opor, às ameaças de Bolsonaro à democracia: sindicatos, trabalhadores, reitores das universidades federais, a imprensa e os estudantes.

No caso das entidades estudantis, Bolsonaro foi claro: A MP “vai evitar que certas pessoas, em nossas universidades, promovam o socialismo. Socialismo esse que não deu certo em lugar nenhum do mundo, e devemos nos afastar deles”.

Como é de se esperar, Bolsonaro prefere qualificar qualquer coisa que esteja fora de sua órbita fascista de “socialista” ou “comunista”. Como se lutar em defesa da Educação, da Cultura e da Democracia, fosse apenas missão dos comunistas e não de todos os brasileiros que possuem compromisso com a nossa pátria.

FA1U3948

Bloco Umes Caras Pintadas mantém tradição das marchinhas e faz a folia no Bixiga

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 Alegria tomou conta dos foliões no Bixiga – Fotos: César Ogata

Pelo 26º ano seguido, o Bloco Umes Caras Pintadas saiu às ruas do Bixiga, no centro da cidade São Paulo, neste sábado (15), alegrando os foliões e denunciando os desmandos do governo Bolsonaro na Educação e na Cultura.

Com a marchinha “A Granja do seu Jair”, de autoria do morador do Bixiga Kaká Silva, que também é membro da comunidade Samba da Vela, o bloco da entidade estudantil levou os moradores do bairro e de diversas regiões da cidade para a folia.

“A tradição continua”, celebraram os membros do bloco, que destacam a qualidade musical e a importância da divulgação do carnaval de verdade, com direito a show de marchinhas, muito confete e serpentinas para a alegria dos presentes.

Em um período em que a Cultura, Educação e nosso país estão sendo atacados pelo governo Bolsonaro, colocar um bloco de carnaval na rua é cada vez mais difícil. Nosso objetivo foi mostrar justamente o que o nosso país vive nesse momento obscurantista.

Cantando a “Granja do seu Jair”, com ovos que nunca sabemos o que vai sair. O Bloco Umes Caras Pintadas levou alegria por onde passou.

Importante agradecer a participação da nossa querida porta estandarte do bloco Ludmila Bispo, que, desde 2019 vem desfilando conosco; à Rainha do Bixiga, Thauany Trindade, presente este ano também; à Companhia Paulista de Samba que puxou as nossas marchinhas; à Prefeitura de São Paulo e à Secretaria da Cultura.

E principalmente agradecer ao nosso bairro do Bixiga, por fazer essa festa conosco.

Clique aqui e veja as fotos do Bloco Umes Caras Pintadas

Veja a nossa marchinha “O carro da granja”, de Kaká Silva, que comanda a Companhia Paulista de Samba na nossa festa.

 

O carro da granja

(KAKÁ SILVA)

Chegou o carro da granja
Da granja do seu Jair
Com ovos que a gente abre
E não sabe o que vai sair

Já saiu Alvim, já saiu Regina
Já saiu Queiroz e pó em avião
Ministro que não quer escola
Ministra que é contra o tesão

Mesmo assim a gente brinca
Caras Pintadas é alto astral
É contra o Biro Liro lá (lá lá lá lá)
Que a gente faz o nosso carnaval

Esse ovo é caro demais
30 ovos dez reais, nunca mais!

 

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Mais fortes são os poderes do povo – Valério Bemfica

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“O grande mérito do filme é construir uma fábula que nos lembra que o povo, diante das vicissitudes, das adversidades, procura sobreviver”

 

Bacurau se aproxima da cifra de 1 milhão de espectadores

VALÉRIO BEMFICA (*)

Fui assistir a Bacurau há poucos dias, quase encerrada sua temporada nos cinemas. O filme é muito bom, apesar de alguns senões. A sinopse oficial do filme diz: “Num futuro recente, Bacurau, um povoado do sertão de Pernambuco, some misteriosamente do mapa. Quando uma série de assassinatos inexplicáveis começam a acontecer, os moradores da cidade tentam reagir. Mas como se defender de um inimigo desconhecido e implacável?” Nenhuma sinopse pode – nem deve – revelar tudo sobre o filme. E Bacurau traz muito mais.

O filme de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles é uma alegoria do Brasil, não em seu presente imediato, mas o que ele pode se tornar logo mais. Foi concluído antes das últimas eleições (o projeto iniciou em 2009) e leva ao paroxismo determinadas situações que vivenciamos hoje. Aponta consequências possíveis e extremas de situações que vêm se naturalizando.

Em Bacurau todos têm celular, adultos, crianças, velhos. Até o meio do filme, o sinal é excelente mesmo no meio do sertão. O verdadeiro paraíso para aqueles que acreditam em revolução por meio do smartphone. Mas não tem água, dependendo de um carro-pipa. Não tem remédios em seu posto de saúde, onde atende a médica Domingas (Sonia Braga), alcoólatra. A escola está caindo aos pedaços, mas tem uma lousa eletrônica e o professor ensina seus alunos com um tablet. Não tem polícia, mas um “posto avançado” da comunidade avisa – pelo celular – quando alguém se aproxima. Todos assistem, sem surpresa, um vídeo que circula na internet com as façanhas do matador/assaltante Pacote. E ele vive tranquilamente na comunidade, apenas ressaltando que nem todos os crimes são obra dele, e pedindo para ser tratado pelo nome de batismo, Acácio.

Com a proximidade das eleições, o poder público assistencialista faz uma entrega de alimentos (com o prazo de validade vencido), de remédios (supositórios estupefacientes, tarja preta) e livros (despejados da caçamba de um caminhão, como se fossem uma carga de areia). E caixões! A resposta dos habitantes (avisados pelo celular da chegada do prefeito) é recolherem-se a suas casas. Tony Jr., o político engomadinho, discursa para ruas vazias. E ouve impropérios anônimos, vindos de casas fechadas. O prefeito que faz a entrega e pede votos antecipados em uma urna eletrônica portátil, é também o que negociou o povoado com um grupo de estrangeiros para que ali realizassem um safári humano. Ou seja, Bacurau é, aparentemente, passiva. Aceita, estoicamente, as mazelas de seu abandono. Vira as costas à política e troca memes pelo celular.

Mas é um filme que demanda atenção aos detalhes. A cidade tem um museu, do qual se orgulha. Os habitantes insistem para que os inimigos, que chegam disfarçados, visitem. À noite jogam capoeira. A trilha sonora não é o funk nem o arrocha. Na falta de medicamentos, um raizeiro cuida dos moradores. A escola orgulha-se de ter a maior e melhor biblioteca da região.

O início dos ataques a Bacurau coincide com a morte de sua matriarca, Dona Carmelita, interpretada por Lia de Itamaracá. E a belíssima cena do cortejo fúnebre daquela que era o seu esteio, já indica que a vila tem uma complexidade maior do que revelam as aparências. É logo após o enterro que o professor Plínio (Wilson Rabelo) não consegue mais mostrar a seus alunos onde está Bacurau no mapa da Internet. Imediatamente puxa um antigo mapa em papel e diz “aqui nós sempre estaremos”.

A primeira medida dos inimigos é cortar o sinal dos celulares. A seguir, são descobertos os primeiros assassinatos. “Estamos sendo atacados”, conclui Pacote/Acácio. Sem comunicação com o mundo exterior, cercados, apelam para Lunga (Silvero Pereira), misto de cangaceiro e guerrilheiro de visual andrógino. Ele aceita organizar a resistência. Mas será o conjunto da população que a levará a cabo. Os primeiros inimigos são abatidos com tiros de duas velhas garruchas, justamente pelo raizeiro e sua esposa (Carlos Francisco e Ingrid Trigueiro), que vivem nus, longe da cidade. Diante de uma das invasoras, moribunda, Damiano pergunta: “Quer viver ou quer morrer?”. E, ouvindo a súplica da americana, pronunciada por meio de um ultra moderno tradutor instantâneo, presta-lhe atendimento.

Quando da tentativa final de invasão, é de toda a população que vêm os tiros. Estão atocaiados, significativamente, no museu e na escola. Passado e futuro. Cultura e educação, memória e conhecimento engendrando a resistência. Ação coletiva e organizada do povo. Cabe a Lunga degolar os invasores, enfileirando as cabeças em uma cena que emula as fotos da captura do bando de Lampião, expostas nas paredes do Museu de Bacurau. A população fotografa a cena.

O primeiro senão possível é que os invasores são bastante estereotipados. Nenhum revela o porquê de estar ali, com exceção de um, que confessa estar naquela aventura por não conseguir “livrar-se de uma dor profunda” (um pé na bunda que levou), cometendo uma chacina em seu país, e então optou por matar brasileiros. São maus por serem maus. Ainda que o chefão revele uma estranha ética (“não atiro em mulheres”) e outro classifique de nazismo a morte de uma criança (se fosse um adolescente, tudo bem). Mas talvez esta seja a intenção dos diretores: o foco está na capacidade de resistência do povo, não nas motivações de seus opressores. O segundo senão está na figura de dois brasileiros do sul, que se consideram tão brancos quanto os gringos, e por isso juntam-se a eles. Acabam mortos por seus parceiros, pois não são tão brancos assim. Não é preciso argumentar o exagero da caricatura. Finalmente, a figura de Lunga. Menos do que a desnecessária androginia da personagem, a confusão da figura de guerrilheiro-bandido-cangaceiro causa maior incômodo. Figuras como Lampião e Conselheiro figuram no imaginário popular como signos de justiça e luta. Mas não são revolucionários. Canalizam o sentimento de revolta, mas são incapazes de levar adiante uma luta real, que atinja as raízes da opressão e da desigualdade. Talvez por isso caiba-lhe o papel da vingança, como degolador. Mas nenhuma destas questões é capaz de tirar o mérito do filme.

O filme termina – spoiler! – com um final digno para o prefeito e para o nazista chefe dos vilões. Tony Jr. é despido, amarrado, vendado e montado de costas num jegue e levado para a caatinga, para que mandacarus, cactos, xique-xiques e palmas cuidem de seu lombo. Michael (Udo Kier) é conduzido para um buraco-masmorra, que será trancado e coberto de terra. Não antes sem desdenhar: “vocês não imaginam quanta gente nós já matamos”. E, antes que se feche a masmorra, ameaçar: “isso é só o começo”.

Antes de assistir a Bacurau já havia lido – e ouvido – muita coisa sobre o filme. É claro que não levei em conta as babujadas das milícias virtuais sobre o filme ser um acabado exemplo de marxismo cultural. Quem consegue achar que o governo do capitão está fazendo coisas louváveis na área da Educação e da Cultura (em qualquer área, aliás) não tem as mínimas condições de avaliar um filme. Mais me interessaram os vários elogios da crítica especializada, que citavam as múltiplas referências do diretor, de Tarantino a Glauber Rocha, de John Carpenter a José Mujica, os aspectos técnicos do filme, o bom desempenho dos atores. Tudo isso, é claro, é muito importante. Revela a habilidade dos diretores Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles. Não por outro motivo, a obra mereceu o Prêmio do Júri no Festival de Cannes.

Mas outros filmes brasileiros primorosos não chegaram a mobilizar tanto público – Bacurau está caminhando para a marca nada desprezível de um milhão de espectadores. Há algo na história que sintonizou bastante bem com o público. Gostaria de comentar duas opiniões opostas, mas que cometem o mesmo erro.

Entre os que odiaram o filme, um coxinha-sênior, ex-trotskista e hoje comodamente instalado nas hostes da “nova” direita, Demétrio Magnoli. Sua leitura rasa, preconceituosa e esquemática do filme o faz concluir que Bacurau é “testemunho (…) da extinção de qualquer traço de vida inteligente na esquerda brasileira”. Incapaz de enxergar mais longe do que seus dogmas liberais, de fugir de seus preconceitos, viu no filme “uma cartilha do PCdoB”.Entre os que o amaram, a ciber-esquerdista Ivana Bentes. Perguntando-se quem são os heróis de Bacurau, enxerga: “O Brasil que emergiu no ciclo democrático dos últimos 13 anos, as minorias que se tornaram sujeitos do discurso, os ex-quecidos do Brasil rural, ribeirinho, periférico, as figuras fronteiriças, como a extraordinária cangaceira trans, encarnada por Silvero Pereira.”

Ambos cometem o mesmo erro: não conseguem entender o caráter alegórico do filme – que lembra Glauber – projetando nele os símbolos de seus medos e desejos. Demétrio, os comunistas e o marxismo que ele jurou ter visto morrer, mas que seguem vivos. Ivana, um país visto pelas lentes de Pangloss, onde todos eram felizes e acessavam, empoderados, a Internet.

O grande mérito do filme é construir uma fábula que nos lembra que o povo, diante das vicissitudes, das adversidades, procura sobreviver, mesmo diante de um poder público ineficiente e mal intencionado. Resiste amparado na solidariedade e na criatividade. Quando, porém, a opressão e a miséria passam de certos limites sua força torna-se avassaladora.

(*) Presidente do CPC-UMES

Publicado no Jornal Hora do Povo

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Assista ao filme “A Romana”, de Luigi Zampa, na Mostra Permanente de Cinema Italiano!

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O Cine-Teatro Denoy de Oliveira apresenta: Mostra Permanente de Cinema Italiano

 

Chegando ao 5º ano e com mais de 150 filmes exibidos, neste ano vamos exibir 40 obras de 23 cineastas e, pelos olhos de cada um deles, a história da Itália e da humanidade nos é apresentada: a sátira social da “commedia all’italiana” de Luciano Salce, o realismo fantástico de Federico Fellini, o registro das condições de vida dos trabalhadores rurais por parte de Ermanno Olmi, as angústias da vida entediada da burguesia italiana – uma marca de Michelangelo Antonioni – e a impressionante luta de um povo contra o fascismo é assim exibido, sem rodeios, pelo neorrealismo de Roberto Rossellini e Luigi Zampa. 

Durante a 5ª edição, traremos também alguns dos lançamentos mais recentes da cinematografia italiana, que nos mostra que essa continua sendo uma das maiores do mundo. Todas as segundas às 19 horas com entrada franca!

 

 

17/02 – 19H: “A ROMANA”, DE LUIGI ZAMPA

 

SINOPSE

Durante a era fascista, Adriana Silenzi (Gina Lolobrigida) é induzida pela mãe, que é amargurada por uma vida de pobreza, a usar a beleza de sua filha como instrumento de ascensão social, induzindo-a a se tornar modelo e tentando convencê-la a se casar com um homem rico, mesmo que não tenha sentimentos por ele. 

Adriana, por sua vez, conhece Gisella, que lhe convida a entrar para a vida de prostituição, atendendo a homens ricos, como o líder fascista Astarita, que se apaixona por Adriana. Muito mais do que a história da vida de uma mulher pobre sob o regime fascista, essa é uma história sobre a crise moral de uma sociedade e o que um ser humano pode ser forçado a fazer para sobreviver a tal tirania.

O DIRETOR

Luigi Zampa nasceu em 1901 em Roma. Estudou Engenharia e, nesse período, ele escreveu algumas comédias, entre 1930 e 1932, além de, em 1933, dirigir seu primeiro o curta-metragem documental “Risveglio Di Una Cittá”. Logo após, estudou Roteiro e Direção no consagrado Centro Sperimentale di Cinematografia, entre os anos 1932 e 1937. Sua atuação como diretor de longa se deu com “L’Attore Scomparso” (1941), tendo dirigido filmes como seu primeiro sucesso, o premiado “Viver em Paz” (1947), indo clássicos como “Campane a Martello” (1949) e “Anni Ruggenti ” (1962). Em suas obras, o entretenimento está intrinsecamente ligado à notação de costumes decorrente da observação do comportamento italiano diante de mudanças na sociedade.

 

 

Confira nossa programação completa: http://bit.ly/CinemaItaliano2020

 

 

SERVIÇO

Filme: A Romana (1954), de Luigi Zampa

Duração: 108 minutos

Quando: 17/02 (segunda-feira)

Que horas: pontualmente às 19 horas

Quanto: entrada franca

Onde: Rua Rui Barbosa, 323 – Bela Vista (Sede Central da UMES SP)