Ideologia, polêmica e paralisia marcam MEC sob Weintraub
Em quase 12 meses, a pasta computa precária articulação com as secretarias de educação pelo país e a baixa execução orçamentária de recursos federais
Protestos, convocações no Congresso, processos judiciais e apuração no Conselho de Ética da Presidência são o principal fruto da gestão do ministro Abraham Weintraub na Educação sob o primeiro ano de Jair Bolsonaro. Preterida por declarações polêmicas, a gestão da pasta travou a política educacional do país, afirmam especialistas. Com isso, não se cumpriu, no primeiro ano, a promessa do presidente Jair Bolsonaro de priorizar a educação infantil e os ensinos fundamental e médio –a educação básica.
Em quase 12 meses de governo, a pasta computa uma precária articulação com as secretarias de educação pelo país e a baixa execução orçamentária de recursos federais.
Os resultados esperados de Weintraub, que após disputas internas substituiu em abril Ricardo Vélez Rodríguez (cria do escritor Olavo de Carvalho), ainda não vieram. O que se viu foi a intensificação de discurso ideológico e a beligerância em redes sociais.
Os números oferecem um retrato do MEC (Ministério da Educação) sob Bolsonaro. A pasta havia empenhado, até a semana passada, 79% do orçamento da educação básica para áreas como transporte escolar, construção de escolas e compra de livros didáticos. A parcela de fato paga foi de 68%, ou R$ 6,5 bilhões de um orçamento de R$ 12,2 bilhões.
Para este ano, estão empenhados R$ 58 milhões para construção de creches pelo programa Proinfância, ou 13% do que foi gasto em 2018. É o menor investimento pelo menos desde 2013.
“Discutir ideologia não garante orçamento nem que a rotina escolar seja mantida de forma a atender todo mundo”, diz a pesquisadora em educação da PUC-SP Mônica Gardelli Franco, que lamenta o abandono das metas do Plano Nacional de Educação.
As ações do ministro, contudo, seguem a direção oposta.
Em maio, ele surgiu em vídeo de guarda-chuva em punho, dançando para ironizar notícias de cortes na pasta: “Está chovendo fake news”, dizia, sem comentar que seu ministério retivera R$ 926 milhões para arcar com emendas parlamentares negociadas para a aprovação da reforma da Previdência (o MEC insiste que não há mais bloqueios).
O nível de execução orçamentária é baixo, a menos que tudo mude até este dia 31. O FNDE afirma que a gestão orçamentária não interrompeu os programas para a educação básica, e lembrou que “o exercício financeiro de 2019 ainda está em curso, de tal forma que os programas ainda estão sendo executados pelo MEC e parte das despesas apresentam sazonalidade”.
Nada indica, entretanto, que essa guinada ocorra: em ações como o Apoio à Infraestrutura para a Educação Básica gastaram-se efetivamente 2% do orçamento –30 milhões de R$ 1,7 bilhão previsto. No PDDE (Programa Dinheiro Direto na Escola), foi empenhado 52% do orçamento de R$ 2 bilhões (e pagos 49%).
Vêm do PDDE recursos para obras, programas de alfabetização e educação integral. A pasta promete chegar a R$ 1,96 bilhão até o fim deste exercício, mas o dinheiro seria usado apenas em 2020.
“Isso [esse cenário] gerou uma dificuldade muito grande aos municípios, porque os programas foram descontinuados ou desidratados”, diz Luiz Garcia, presidente da Undime (entidade que reúne secretários municipais de Educação), para quem falta ao MEC planejamento e clareza.
Ele destaca melhora na interlocução com o secretário de Educação Básica, Janio Macedo, mas mostra preocupação com a ausência de diretrizes para a educação infantil e a paralisia na alfabetização.
Só devem aparecer a partir de 2020 os efeitos de projetos anunciados como a Política Nacional de Alfabetização –ainda sem detalhes de implementação– e o programa para ampliar o ensino técnico –para o qual o MEC promete criar de 1,5 milhão de vagas até 2023, mas delega a execução aos estados sem previsão de orçamento federal.
A ausência de um plano dificulta a execução das políticas públicas, avalia Alexandre Schneider, pesquisador visitante da Universidade Columbia (EUA) e colunista do jornal Folha de S.Paulo. Para ele, que já foi secretário municipal de Educação de São Paulo, sobram ações desordenadas ou pontuais, como a criação de 54 escolas cívico-militares em 2020.
“Há um desejo de romper, mas sem um plano para colocar algo no lugar. O ministério também não se dedicou a questões estruturantes e foi ausente no Fundeb [mecanismo de financiamento da educação básica e cuja renovação não avançou no Congresso].”
O pesquisador vê “um ano perdido na educação”.
Entre suas realizações em 2019, o MEC criou uma carteira de estudante digital para esvaziar a UNE (União Nacional dos Estudantes) e enviou carta às escolas com princípios similares aos do movimento Escola Sem Partido.
Muito dos planos e das promessas se dissiparam em meio às turbulências da pasta, na qual nenhuma área relevante passou incólume.
As mudanças de chefia atingiram o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, responsável pelo Enem), o FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) e a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior).
Mas foi o ensino superior o principal foco de polêmicas envolvendo Weintraub, cuja estreia foi marcada pela declaração de que cortaria verbas de universidades federais que promovessem “balbúrdia” (bagunça).
Bloqueios de verba provocaram, em maio, a maior mobilização contra o governo Bolsonaro. Acusações recentes de haver plantações de maconha em universidades renderam ao ministro processo movido pela Andifes (associação de reitores) e uma convocação na Câmara, na qual não abrandou o tom.
Ainda assim, os repasses para o ensino superior superaram os da educação básica, chegando a 97% de empenho e 86% de execução.
Em julho, foi anunciado o Future-se, que prevê fortalecer o financiamento privado nas federais e as parcerias com organizações sociais. Mas o texto ainda não foi enviado ao Congresso nem tem prazo para sê-lo, segundo o MEC, que afirma que o tema está em análise técnica.
A permanência no cargo de C, que está de férias, tem sido questionada por aliados. Bolsonaro, entretanto, diz que não pretende demiti-lo.
ESTADO DA EDUCAÇÃO
Maioria de medidas anunciadas só terá ações efetivas a partir de 2020
– Alfabetização
Dita prioridade da gestão, a implementação da nova política nacional é uma incógnita. Três ações foram tomadas: a publicação de um decreto que prioriza método fônico, o lançamento de caderno com as premissas da política e um projeto para pais lerem para os filhos;
– Educação infantil
Não foi apresentado projeto para creche e pré-escola;
– Ensino técnico
O projeto Novos Caminhos, promete criar 1,5 milhão de vagas no ensino técnico profissionalizante até 2023, mas depende de ação estados, municípios e escolas privadas;
– Escola Cívico-Militar
Plano visa converter 54 unidades para o modelo cívico-militares em 2020 e prevê atuação de oficiais. Sem a adesão de vários estados, mais da metade do orçamento do programa, de R$ 54 milhões, será usado para pagamento de militares;
– Ensino em tempo integral
Projeto Educação em Prática, anunciado em novembro, prevê usar espaços ociosos em faculdades privadas para ampliar a carga horária dos estudantes de escolas públicas. A sugestão veio do setor privado, que receberá como contrapartida bônus na avaliação de faculdades;
– Enem
O exame ocorreu sem problemas, apesar da convulsão no Inep. O governo promoveu varredura ideológica no banco de questões, mas não divulgou o que descartou. Em 2020, começará o projeto-piloto do Enem digital;
– Ensino superior
Alvo de ataques do ministro, as universidades federais sofreram bloqueio de recursos até terem 100% da verba de custeio liberada em outubro. A aposta é o Future-se, que prevê fomentar o financiamento privado e a atuação de organizações sociais, mas o não chegou ao Congresso;
– Pesquisa
Governo cortou 8% das bolsas de pesquisa bancadas pela Capes, ou 7.590 benefícios.
PAULO SALDAÑA
Publicado no Jornal Folha de S. Paulo
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