Temer põe Moraes no STF para revisar a Lava Jato
Indicação de Alexandre de Moraes para o STF, no lugar de Teori Zavascki, é um escândalo
O Supremo Tribunal Federal (STF) foi destino de grandes juristas – os Nelson Hungria, Ribeiro da Costa, Evandro Lins e Silva -, gente de quem se podia discordar, mas jamais se podia dizer que era medíocre – ou corista de cafuas e facções, polítiqueiras ou criminosas.
A indicação de Temer, de seu ministro da Justiça, Alexandre de Moraes – conhecido, entre os mais chegados, como “Xandão” – para o STF, no lugar de Teori Zavascki, tristemente desaparecido, diz bem sobre o que ele acha que deve ser o Supremo.
Precisamente, uma cafua facciosa.
REVISOR
Moraes, se aprovado pelo Senado, terá a função, de acordo com as regras do STF, de revisor dos processos da Lava Jato naquele tribunal – processos cujos réus têm “foro privilegiado”: Renan, Jucá, outros dessa laia, inclusive, possivelmente, Temer.
Portanto, a história, que apareceu na mídia, de que Temer optou por um candidato ao STF que fosse absolutamente fiel ao Planalto – como se isso fosse critério decente – quer dizer apenas que Moraes, se estiver lá, é para prejudicar a Lava Jato, de preferência conceder impunidade a ladrões do PSDB, PMDB e PT (ver, nesta página, matéria sobre o encontro de Lula com Temer, Fernando Henrique, etc.).
Mas o difícil é ele conseguir fazer isso, com o país à beira da explosão.
Principalmente, em se tratando de um tucano de carteirinha – pessoal de quem se pode esperar muita isenção e imparcialidade (é só ver o Gilmar Mendes) -, muito popular, como ministro da Justiça, por sua operosa administração dos presídios, e com suspeitas de enriquecimento ilícito por todos os lados (entre 2006 e 2009, quando era secretário de Kassab na Prefeitura de São Paulo, Moraes comprou oito imóveis por R$ 4,5 milhões, incluindo dois apartamentos de luxo na capital paulista e terrenos em um condomínio dentro de uma reserva ambiental. Segundo disse, comprou tudo com seu salário no serviço público e com o dinheiro da venda de seus livros).
Talvez o mais divertido – ninguém é de ferro a ponto de não se divertir um pouco, leitor – seja ver e ouvir aqueles cabeças de farinha do círculo do Planalto, ou da base governista, falando do notável saber jurídico ou das “sólidas credenciais acadêmicas e profissionais” do indigitado Xandão, quer dizer, Moraes.
Já voltaremos às credenciais jurídicas e acadêmicas de Moraes, que, em 2002, conseguiu uma notazeroem exame para a livre-docência da USP – algo que achávamos impossível, nem até hoje ouvimos falar de coisa sequer semelhante.
Antes, examinemos a sua brilhante carreira profissional, cujo ponto culminante foi a defesa – em nada menos que 123 processos – de uma “cooperativa” de perueiros, a Transcooper, através da qual o Primeiro Comando da Capital (PCC) lavava dinheiro do tráfico de drogas e outras atividades filantrópicas.
Essa “cooperativa” ficou mais conhecida em março de 2014, quando, em sua sede, a polícia, que investigava a queima de ônibus nos bairros da periferia de São Paulo, surpreendeu uma reunião de 13 membros do PCC com o deputado estadual Luiz Moura, então do PT. Entre os membros do PCC que estavam na reunião, havia um dos participantes no assalto ao Banco Central, no Ceará, outro ladrão de bancos já condenado, e profissionais afins. O próprio deputado, expulso em seguida do PT, fora condenado por assalto a mão armada no Paraná e ficara foragido durante 10 anos.
Foi então que se soube que, desde 27 de janeiro de 2011, Alexandre de Moraes, e outros membros do seu escritório, eram advogados da Transcooper. O nome de Moraes fazia parte de 123 processos registrados no Tribunal de Justiça, como principal advogado da cooperativa, com mais três outros colegas.
A nota emitida por Moraes, quando já era secretário de Segurança de Alckmin, confirmou os serviços que prestava: “não houve qualquer prestação de serviços advocatícios – nem pelo secretário nem pelos demais sócios – às pessoas citadas em possível envolvimento com o crime organizado, em 2014.O contrato se referia estritamente à pessoa jurídica da cooperativa“.
Ninguém o acusara de ser advogado dos membros do PCC que estavam na reunião da Transcooper. O problema era outro, mais grave: ser advogado de uma lavanderia do PCC. Era esse o seu envolvimento, que ele confirmou – e, depois, também em outra nota, quando já era ministro de Temer, reafirmou.
Entrevistado pelo jornal “O Estado de S. Paulo”, o vereador Senival Moura, irmão do deputado estadual Luis Moura – e um dos cooperados da Transcooper – declarou que conhecia Alexandre de Moraes e que este “sempre foi um profissional muito respeitado entre os permissionários e a direção da Transcooper. Depois que ele foi secretário de Transportes, foi contratado como advogado da cooperativa para defender nossas causas“.
Alexandre de Moraes foi, de 2007 a 2010, Secretário Municipal de Transportes de São Paulo, acumulando também as presidências da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) e da São Paulo Transportes (SPTrans) – e, a partir de 2009, também o cargo de Secretário Municipal de Serviços.
Em suma, ele era titular e chefe das repartições que tinham por função fiscalizar a Transcooper e outras cooperativas. Foi nessa época que ele travou relações com seus futuros clientes.
Quando saiu desses cargos, na gestão Kassab da Prefeitura de São Paulo, em 2010, fundou o escritórioAlexandre de Moraes Advogados Associados e tornou-se patrono, quer dizer, advogado, de quem antes tinha por missão fiscalizar – a Transcooper, cooperativa do PCC ou ligada ao PCC, que lavava dinheiro de atividades ilícitas.
JURISTA
Como grande jurista – homem ético da raiz à ponta dos cabelos – ele não viu problema nessa metamorfose de fiscalizador a defensor, e em tão curto prazo.
Outro cliente ilustre daAlexandre de Moraes Advogados Associados– e, especialmente, de seu sócio principal – foi o deputado Eduardo Cunha, na época acusado de falsificar documentos, o que, certamente, não podia ser verdade.
Como jurista, Xandão é desses sujeitos, como o próprio Temer, que publicam apostilas, úteis para alunos preguiçosos, como se fossem obras jurídicas. A rigor essas apostilas não têm autoria, pois são coleções de citações, sem identidade própria.
Tomemos um dos livros de Moraes, “Direito Constitucional“. É uma apostila repleta de frases que começam ou terminam por “como ensina Canotilho”, “como ensina Giuseppe de Vergottini”, “como ensina Hely Lopes Meirelles”, “como ensina Cappelletti”, etc., etc.
Faz lembrar uma história do saudoso desembargador Osny Duarte Pereira – este, sim, grande jurista – sobre um advogado lá da sua terra (Santa Catarina), que ganhava ações citando juristas franceses como o famoso “Fromage de Nantes”. Mas isso, Moraes não fez, porque, provavelmente, muita gente sabe hoje que “fromage”, em francês, é apenas “queijo”.
Em compensação, Xandão cita o ex-ditador português Marcello Caetano como grande autoridade jurídica (ver A. Moraes, “Direito Constitucional“, 30ª ed., Atlas, 2014, p. 347, nota; outro sábio do qual abundam citações, nessa apostila, é o notório Gilmar Mendes, mencionado 139 vezes).
Como se vê, uma capacidade.
CARLOS LOPES – JORNAL HORA DO POVO.
Deixe uma resposta
Want to join the discussion?Feel free to contribute!