Com toda a impopularidade, com 12 processos nas costas, a maioria votou por trazer Renan de volta
Na terça-feira à noite, o senador Jorge Viana (PT-AC), vice-presidente do Senado que assumira a presidência com o afastamento de Renan Calheiros, estava reunido com o próprio Renan e outros, na residência do presidente do Senado. Telefonou, então, para Lula e Dilma, que apoiaram o “acordão” para recolocar Renan Calheiros na presidência do Senado.
No relato daquela noite, o jornalista Andrei Meireles transcreve as palavras de Jader Barbalho (PMDB-PA) sobre Viana (“Ele foi pedra 90”) e cita a participação de Sarney, Fernando Henrique, e, obviamente, Temer (cf. “Temer, FHC, Sarney, Lula e Dilma ajudaram a salvar o pescoço de Renan”, 08/12/2016, no site “Os Divergentes”).
ANTI-LAVA JATO
Há uma lógica óbvia nesta notícia: essa coligação é aquela interessada em acabar com a Operação Lava Jato. Aliás, esse é o seu ponto de coesão. Renan é o “promoter” do circo anti-Lava Jato, até porque é o mais sem vergonha de todos eles.
Que Lula, cada vez mais desesperado e reacionário, haja apoiado o acerto, explica a desinibição de Viana, apelando ao STF para que mantivesse Renan, até com ameaças de, caso contrário, renunciar para dar lugar ao lavajatista Romero Jucá – que saiu do Ministério por sua conspiração no mesmo sentido.
Que Sarney esteja interessado em devolver o Senado a Calheiros, não é surpreendente, depois que vieram a público as gravações de suas conversas com Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro.
Ou Fernando Henrique – pois as investigações já chegaram a uma franja do PSDB.
O “acordão” era tão conhecido, que até o nome do ministro que iria apresentar a divergência em relação ao afastamento, Celso de Mello, foi divulgado antes de começar a sessão do STF de quarta-feira, no blog de Jorge Bastos Moreno, de “O Globo” (cf. “STF confirmará Renan na presidência do Senado, mas o afastará da linha sucessória”).
O ministro Marco Aurélio Mello expressou o consenso nacional ao definir o que significava reempossar Calheiros na presidência do Senado: “… implica a desmoralização ímpar do Supremo, o princípio constitucional passa a ser um nada jurídico, a variar conforme o cidadão que esteja na cadeira”.
Por que, indagou Mello, o que foi válido para Eduardo Cunha, agora não seria válido também para Renan Calheiros? Disse o ministro: “A que custo será implementada essa blindagem pessoal, inusitada e desmoralizante, em termos de pronunciamento judicial?”.
Ao custo de desmoralizar o STF para recolocar um réu – contra a Constituição – com 12 processos nas costas, abertos com autorização do próprio STF, no cargo mais importante do Poder Legislativo.
É risível, ridículo – e falso – o sr. Toffoli, ex-advogado de Lula elevado a ministro do STF por seu cliente, dizer que não existe “periculum in mora” (perigo na demora) na permanência de Calheiros na presidência do Senado – e, pior, “que não se vislumbra nenhum risco iminente à higidez [saúde] da linha sucessória do presidente da República”.
Há mais de um ano, talvez mais, Calheiros não faz outra coisa, senão utilizar a presidência do Senado para escapar da Lei e da Justiça. Inclusive apresentando projetos e tentando forçar “urgências” para tornar a si próprio imune (e impune) às leis que punem os seus crimes.
Se isso não constitui “periculum in mora”, significa que o ilustre ministro Toffoli acha que o roubo, a instalação de uma quadrilha na cúpula do Senado, não são perigo para a Nação, a Justiça e as Leis.
Pior ainda é dizer que “não se vislumbra nenhum risco iminente à higidez [saúde] da linha sucessória do presidente da República”.
Esse circunlóquio pedante é para evitar a questão verdadeira: afinal, um ladrão – com 12 processos por corrupção, denúncias com abundantes provas e já réu no primeiro desses processos – pode estar na linha sucessória da Presidência?
Toffoli tornou-se um epígono do tucano Gilmar Mendes – que participou do acerto via telefone.
O artigo 86 da Constituição, determinando a saída do presidente da República do cargo, se for considerado réu, proíbe, evidentemente, que réus estejam em sua “linha sucessória”. Senão, o artigo não teria sentido. Até a maioria dos que recolocaram Calheiros no cargo reconhece isso – embora, não Toffoli, que paralisou o julgamento dessa questão com um pedido de vistas protelatório, para beneficiar Renan.
Como disse o ministro Edson Fachin e o juiz Márlon Reis, autor da Lei da Ficha Limpa, quem está na linha sucessória da Presidência da República é o presidente do Senado – não o cidadão Renan Calheiros. Só existe um modo de tirá-lo da linha sucessória: tirando-o da presidência do Senado. Caso contrário, o STF está rasgando a Constituição, da qual se diz guardião. Ser “guardião” não é fazer qualquer coisa com ela, mas defender a sua essência, os seus dispositivos.
A Constituição, em seu artigo 80, determina: “Em caso de impedimento do Presidente e do Vice-Presidente, ou vacância (…), serão sucessivamente chamados ao exercício da Presidência o Presidente da Câmara dos Deputados, o do Senado Federal e o do Supremo Tribunal Federal”.
Então, como é possível manter Renan na presidência do Senado, e, ao mesmo tempo, impedi-lo de suceder o presidente da República? É claro que isso não é possível. O acochambramento (desculpem, leitores, mas não há melhor palavra) de quarta-feira só tem um objetivo: recolocar Renan na presidência do Senado, mesmo contra as leis, em especial, contra a Constituição.
Para quê? Para continuar a conspiração contra a Lava Jato – e, também, para obrigar o Senado a votar o escalpelamento do povo, através da PEC 55 e outras pilhagens em prol de bancos, fundos e demais pistoleiros “do mercado”.
Entretanto, o juiz Márlon Reis notou que até a Lei da Ficha Limpa proibiria Renan de continuar na presidência do Senado, pois não é admissível que ela proíba outros, de menor responsabilidade, de até ascenderem ao parlamento, e permita a Renan continuar na chefia do Congresso.
Para agravar o caso, Renan recusou-se a receber o oficial de Justiça e escondeu-se para não ser notificado da liminar que o afastava. Se Renan pode fazer isso, por que todo mundo não pode fazer a mesma coisa? Mas o STF passou por cima, também, do desrespeito de Renan.
“PATRIÓTICA”
O notável jurista uruguaio Eduardo Couture, citado pela ministra Rosa Weber, em sabatina no Congresso, disse algo essencial: “Da dignidade do juiz depende a dignidade do direito. O direito valerá, em um país e em um momento histórico determinados, o que valham os juízes como homens”.
Depois que o STF – com exceção dos ministros Marco Aurélio Mello, Rosa Weber e Edson Fachin – aceitou o acordo espúrio com Temer e quadrilha, rasgando a Constituição, o beneficiado, obviamente, comemorou. Disse que foi uma decisão “patriótica”. Quando manter um ladrão na presidência do Congresso é comemorado pelo ladrão como ato “patriótico”, somente o povo pode salvar o país.
Essa cafua de Temers, Renans, Lulas e Vianas faz lembrar outro jurista – e senador que engrandeceu a instituição ora enxovalhada. Disse Rui Barbosa que “partidos sem princípios geram estadistas sem fé, os quais por sua vez constituem governos sem unidade moral, cujo interesse consiste em alimentarem a corrupção das suas maiorias, com quem vivem da permuta de favores, sem a fadiga da luta pelas ideias, pelo progresso e pela honra” (“O Ano Político de 1887”, OC, vol. XV, t. 1, 1888, p. 38).
Rui falava do Império, que foi varrido apenas dois anos depois. Hoje, evidentemente, as coisas são mais rápidas.
Fonte: Carlos Lopes da Hora do Povo