Lobby de Gleisi e Bernardo quer reduzir ICMS devido pelas teles
Argumento que é para baixar o preço da banda larga é conversa para boi dormir.
Na última quinta-feira, a senadora Gleisi Hofmann (PT-PR), até há pouco ministra da Casa Civil e, hoje, líder de fato do Planalto, apresentou projeto de resolução para limitar em 10% “a alíquota de ICMS sobre os serviços de internet em banda larga fixa”. Segundo ela, “essa redução tem o condão de aumentar a penetração do acesso em até dois milhões de assinaturas”.
Nessa linguagem algo fálica, segundo disse, o condão da penetração teria também o dom de aumentar a “velocidade nominal” (sic) da Internet e aumentar em “R$ 103 bilhões” (sic) o PIB.
Naturalmente, ninguém precisa de “velocidade nominal”. Já temos bastante “velocidade nominal” nos contratos das teles com os usuários. Mas o problema é que, do que a senadora falou, nada significa nada, exceto que ela quer favorecer os bandidos da telefonia. Aos incrédulos, a senadora citou a frase de um sábio, o “ex-Presidente Fernando Collor[segundo o qual] a verdade é um barco que balança, mas não afunda, e o tempo é sempre o senhor da razão” (cf. SF, notas taquigráficas, 15/05/2014).
O Congresso não pode, pela Constituição, determinar a alíquota do ICMS sobre as comunicações, pois isso é privativo dos Estados (CF, artigo 155, inciso II). Mas a senadora acha que pode eludir a Lei, porque, “para resolver conflito específico que envolva interesse de Estados”, o Senado pode “fixar alíquotas máximas na operação de ICMS”.
Nem a ditadura pensou num casuísmo tão vigarista e tão tolo. Resta à senadora provar que há algum conflito na questão específica do ICMS sobre as teles – e obter a votação de 2/3 do Senado – para cortar mais ainda as verbas dos Estados.
A derrubada do ICMS é a principal campanha atual dos monopólios externos que passaram a dominar as telecomunicações, após a sua privatização. Literalmente, diz o último documento do cartel:
“Cumpre assinalar que a maior parcela desta carga tributária é imposta pelos Governos Estaduais (ICMS sobre Serviços de Comunicações) que, deste modo, trabalham contra a Política de Universalização dos Serviços de Telecomunicações adotada pelo Governo Federal, pois, onerando o valor pago pelo usuário, inibem o acesso dos usuários de menor renda aos serviços, inclusive nos celulares pré-pagos e nos terminais de uso público (orelhões)” (cf. Telebrasil, “O Desempenho do Setor de Telecomunicações no Brasil 2013, página 10, 03/04/2014).
Tudo isso é mentiroso, a começar pelos orelhões, que sumiram porque as teles desrespeitaram o contrato assinado na época da privatização para obrigar a população a comprar celulares e impor suas contas extorsivas – e nenhum governo cobrou delas o cumprimento do contrato.
Segundo: não são os impostos que encarecem a banda larga ou qualquer outro preço praticado pelas teles.
A prova disso é que, entre 2002 e 2011, segundo o IBGE, a receita operacional líquida (ou seja, já pagos os impostos, mas sem somar os ganhos financeiros) delas foi R$ 991,8 bilhões.
Além disso, com o atual ICMS, elas aumentaram em 150% suas remessas de lucro para o exterior entre 2009 e 2013. A senadora deve saber disso, pois saiu em “O Globo”:
“… as subsidiárias brasileiras de telefonia vêm aumentando o envio de seus lucros para fora do país,impedindo um avanço maior nos investimentos aqui. Em alguns casos, a alta na remessa de dividendos atingiu 150% entre 2009 e 2013. E há empresas que ‘exportaram’ até 95% de seus ganhos anuais. TIM e Vivo enviaram para suas matrizes cerca de R$ 15 bilhões em dividendos desde 2009.
“A Oi, dizem analistas, remeteu R$ 1,2 bilhão para a Portugal Telecom (PT) no período. A GVT, da francesa Vivendi, não divulga o quanto envia, assim como as empresas do grupo mexicano América Móvil no Brasil: Embratel, Claro e Net. Na TIM, 67% dos dividendos vão para o caixa da Telecom Italia.
“O envio subiu cerca de 150% de 2009 a 2013, de R$ 327,4 milhões para R$ 843 milhões. A Telefônica (dona da Vivo) destina 73,8% de seus dividendos para a Espanha. Assim, dos R$ 18 bilhões pagos entre 2009 e 2013, R$ 13 bilhões foram enviados à sede.
“A PT, cuja geração de caixa é declinante, tende a se beneficiar da fusão com a Oi, prevista para ser concluída em junho. Entre 2011 e 2013, o grupo português reduziu o pagamento de dividendos em quase 60% à Telemar Participações (holding que controla a Oi e 10% da PT), de R$ 187,8 milhões para R$ 75,9 milhões. Já os dividendos da Oi à PT aumentaram mais de quatro vezes, diz uma fonte” (cf. Bruno Rosa, “Remessa de teles brasileiras às sedes sobe até 150%”, O Globo, 09/03/2014, grifos nossos).
O lucro líquido das teles, segundo a última edição da “Melhores e Maiores” da revista Exame, foi o seguinte: Vivo/Telefonica: US$ 3 bilhões e 492 milhões; Oi: US$ 1 bilhão e 234 milhões; TIM: US$ 752,8 milhões; GVT: US$ 338,8 milhões; Embratel/Net: US$ 198,5 milhões.
Houve algum setor que tivesse lucro líquido maior? Apenas um: os bancos. Mesmo assim, só os quatro maiores bancos privados. Porém, isso é apenas a parte visível dos lucros das teles. A maior parte está oculta pelo superfaturamento das importações – e são tão grandes que o rombo acumulado na balança comercial, causado especificamente pelas teles, chegou, no ano passado, a US$ 11,5 bilhões.
As teles dizem que investem muito no Brasil. Também é mentira. Em termos de percentual do PIB, o investimento das teles caiu de 1,3%, quando foram privatizadas, para,segundo o cálculo das próprias teles, certamente superestimado, 0,5% do PIB (cf. Telebrasil, rel. cit., p. 70).
Além disso, desde a privatização até 2013, o BNDES forneceu R$ 45,9 bilhões às teles – e não foi a “juros de mercado”.
Derrubar o ICMS da banda larga fixa favorece três empresas, que monopolizam 75% do mercado: Telefónica, Net (isto é, Telmex/AT&T) e Portugal Telecom/Oi, aumentando ainda mais a sua margem de lucro. Dizer que é uma medida para baixar o preço da banda larga é conversa para boi dormir…
O impressionante é a desinibição – preferimos não usar o termo exato: despudor – com que a senadora se atira a um lobby indecente, tendo o marido no principal cargo que se ocupa do assunto.
É verdade, o ministro também é a favor de derrubar o imposto estadual sobre as teles, assim como “desonerou-as” (?!) dos impostos federais. Mas isso apenas piora o chamado conflito de interesses: marido e mulher fazendo lobby, um no Ministério e outro no parlamento, só duplica a indecência do negócio.
O ministro acabou com o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), esboçado no governo Lula pelo engenheiro Rogério Santana, para favorecer as teles. Até pediu, e conseguiu, a demissão de Santana – um veterano militante do PT, com vasta experiência na área de telecomunicações – da presidência da Telebrás. Com isso, acabou com os planos de Lula de reativar a Telebrás para que fosse o centro do PNBL, rompendo com o monopólio das teles, seus preços escorchantes e sua ineficiência.
O resultado foi um fracasso na universalização da banda larga. Tanto assim que, agora, a senhora Bernardo, ao apresentar o seu projeto, diz que vai aumentar as assinaturas em 2 milhões, gente que foi, precisamente, colocada à margem pelo lobby das teles – e vão continuar assim, se depender da senadora, do ministro e de outros lobistas no governo.
CARLOS LOPES
Fonte: Hora do Povo