O cineasta Silvio Tendler, diretor de Jango; João Vicente Goulart; e o presidente da UMES, Lucas Chen – Fotos: Thaynan Diniz/UMES
A Mostra Democrática “Cinema com Partido” exibiu, no sábado (5), o filme “Jango”, sobre a vida do presidente da República João Goulart, cassado pelo golpe militar de 1964.
Após a sessão, que lotou o Cine-Teatro Denoy de Oliveira, foi realizado um debate com o renomado cineasta e diretor do filme de 1984, Silvio Tendler, e com João Vicente Goulart, filho de Jango e presidente do Instituto Presidente João Goulart.
O presidente da UMES, Lucas Chen, agradeceu a presença das personalidades e destacou a necessidade da realização deste debate em tempos de luta democrática. “Nessa obra Silvio, nós conseguimos ver, de uma forma bem retratada, a história da luta do povo. Um povo que sonha com uma vida melhor”.
“Esse é o objetivo do nosso debate aqui na Umes com os estudantes. Todos os dias, acordamos com um único sonho: fazer com que o nosso grande país tenha de fato a sua força liberada para ser tudo aquilo que ele pode ser. Nós já vimos na história, grandes personagens como o João Goulart, que conseguiram conduzir o país para este sonho”, disse o líder estudantil.
Chen considerou que o país está nesse momento “em uma encruzilhada”, com o obscurantismo de Bolsonaro de um lado e o desenvolvimento do outro. “Vamos superar o retrocesso que é o governo Bolsonaro. O povo brasileiro não irá aceitar isso”, destacou ao conceder a palavra aos debatedores.
Para o diretor Silvio Tendler o momento atual exige não apenas o debate da história brasileira, mas a necessidade de se “discutir o futuro do país”. Segundo o diretor, “está na hora de construirmos a unidade para conseguir isolar esse governo”.
O FILME
Silvio Tendler relembrou também o apoio da família Goulart na realização do filme, que têm Denise Goulart, filha de Jango, como uma das produtoras, “sem a qual esse filme não teria visto a luz das telas de projeção”.
Ele destacou quando o filme começou a ser discutido era um “período complicado e as condições para fazer o filme não eram fáceis”. “Em 1980, estávamos recém saindo da anistia. Juscelino já havia sido anistiado, mas o Jango não”, disse.
“Esse filme, na verdade, é um grande mutirão de esforços. Já havia a Embrafilme, mas a empresa não aceitava colocar um centavo num filme sobre o João Goulart. Então nós fizemos uma vaquinha. A Denise entrou com uma parte, o João Vicente pagou uma viagem para São Borja, a Maria Tereza, mãe deles, deu muito apoio”, apontou Silvio.
“Os técnicos e artistas trabalharam neste filme gratuitamente e desse mutirão nasceu essa homenagem ao Jango, que ficou pronta em 1984 e que funcionou, na época como o filme das ‘Diretas’”, enfatizou.
COINCIDÊNCIA
O diretor, explicou que “naquele momento nós lutávamos pelas Diretas Já e o filme saiu, por pura coincidência, não havia nada calculado”.
“O projeto das eleições diretas era de um deputado pouco conhecido, chamado Dante de Oliveira, um jovem eleito em 82 que apresentou o projeto na Câmara dos Deputados para tornar a eleição para presidente direta. O projeto passou na Câmara e isso mobilizou o povo brasileiro inteiro e levou ao processo de redemocratização”.
“Então a importância deste filme, que eu tenho muito orgulho, foi de ter contribuído para o povo conhecer um dos maiores brasileiros que a gente tem conhecimento, que é o presidente João Goulart. Um dos melhores projetos políticos que o Brasil já teve, que foram as propostas do presidente Jango”, disse Silvio Tendler.
“Nós estamos num momento de resistência. Essa sala está superbonita cheia de jovens militantes, o que nos dá a esperança de que essa resistência tem futuro. Mas os mais velhos que estão aqui nos dão a garantia que essa resistência tem história. E isso é fundamental. Aqui tem várias gerações de luta, as futuras e as que lutaram por um tempo e eu tenho muito orgulho de estar dentro dessa luta”.
Cine-Teatro Denoy de Oliveira lotado durante o debate de Jango
ALERTA
João Vicente Goulart, filho do presidente Jango, agradeceu a Silvio Tendler pela “grandiosidade deste filme, que foi feito em um momento difícil da história brasileira”.
“Em 84, estávamos no começo da liberação democrática. Lembro que só em 82 houve a primeira eleição de governadores e ainda existia uma grande perseguição política no Brasil”, disse.
“O filme Jango foi, naquele momento, e continua sendo, um grito de alerta das lutas políticas que foram propostas em 64 e das lutas políticas que nós temos que desenvolver”, destacou.
Ele criticou ainda o governo de “incapazes” de Bolsonaro.
“A incapacidade é o que nós estamos vendo hoje. Não acredito que nós tenhamos ai um ministério como esse de Bolsonaro que não respeita sequer a nossa brasilidade, a nossa soberania. Nós estamos fazendo verdadeiros fiascos internacionais”, disse.
“Estamos com uma ministra dos Direitos Humanos, que é contra os direitos humanos, um ministro do Meio Ambiente, que é contra o meio ambiente, um ministro das Relações Exteriores que diz que o aquecimento global é coisa de marxista”, criticou.
Ele condenou ainda os “ataques constantes contra a cultura brasileira, contra a Ancine, os estudantes, a carteira estudantil, o trabalhador e a previdência”.
“O mais incrível é a degradação que ocorre na nossa democracia. Hoje vemos os nossos direitos, os direitos dos trabalhadores, dos estudantes, das minorias serem cada vez mais reduzidos e cada vez a democracia correndo mais risco, com essa série de imbecilidades praticadas pelo governo Bolsonaro”, destacou.
“O nosso verdadeiro adversário é o risco à democracia representado pelo Bolsonaro”
João Vicente considerou que o filme retrata muito bem a Frente Ampla proposta por Jango a Carlos Lacerda, que também foi cassado pela ditadura. “Nós temos que refletir sobre isso hoje na situação brasileira. Vejam só, não se trata hoje de esquerda contra direita, se trata de resgatar o Brasil do fascismo por uma sociedade mais justa. Para isso, nós temos que ampliar, como disse Jango, quando recebeu o Lacerda disse: ‘Primeiro o Brasil, depois nós vamos ver as nossas divergências’”.
“Esse filme nos trás essa mensagem. Nós temos que hoje pensar no Brasil, nesse resgate das lutas sociais brasileiras em função primeiro de conservar as nossas instituições, a nossa cidadania e principalmente a nossa soberania como povo, a nossa cultura, os desafios que nós temos aí”.
“Cada vez mais estamos falando sobre aquele período e isso é importante. Significa que nós não esquecemos aqueles que lutaram e as lutas que nós ainda precisamos fazer no Brasil em nome da justiça social, em nome da democracia, em nome daqueles que acreditam em um Brasil mais justo”.
“É hora da união das forças progressistas e sem dúvida o filme do Silvio é um exemplo de brasilidade e que mostrou as reformas propostas pelo Jango que até hoje são necessárias, como a reforma agrária, a reforma tributária, a reforma bancária, a reforma da Educação, a lei de remessa de lucros, o monopólio para a Petrobrás na extração e no refino. Enfim, nós temos que lutar e esse filme nós trás à luta”, conclamou João Vicente.
UNIDADE
O cineasta Silvio Tendler também destacou a necessidade da unidade para a derrota de Bolsonaro.
“O João Vicente continua nessa trajetória política. A UMES é uma entidade valorosa de luta política e defesa dos interesses dos estudantes, mas também das lutas sociais do Brasil. Simbolicamente, nós estamos na sala Denoy de Oliveira, que eu tive o prazer e a honra de conhecer, um belíssimo cineasta, autor de teatro, diretor de teatro, que fez filmes maravilhosos. Foi do grupo opinião, que foi o primeiro grupo de resistência à ditadura em 64… Um encontro como esse não existe para a gente ficar nostálgico em relação ao passado, mas sim para darmos uma olhada para o futuro”, disse.
“Nos poucos meses de governo dessa coisa que não pronuncio o nome, já existe quase que um consenso de oposição. Acho que está na hora das lideranças políticas, e ai são vocês, se organizarem para construir a unidade para fazermos um grande movimento de isolamento desse governo”, destacou.
Silvio apresentou como exemplo a perseguição ao meio cultural e aos que se opõem ao projeto bolsonarista. “O garroteamento das entidades estudantis, com o corte nas carteirinhas, para tirar as fontes de renda das entidades. O João Vicente citou a Ancine, eles estão garroteando a Ancine. Eles acabaram com o Ministério da Cultura. A Petrobrás, a Caixa Econômica e o Banco do Brasil já não estão mais apoiando a cultura e isso é uma vergonha. Querem privatizar tudo”.
“Nossa luta é contra esses monstros. E só todos unidos, vamos conseguir derrotá-los”, concluiu.
JANGO – 1984
O documentário JANGO retrata o cenário político brasileiro na década de 1960: a crise da renúncia de Jânio, a campanha da legalidade, a posse de Jango, o parlamentarismo, o plebiscito, as reformas de base, o golpe de 1964, as manifestações contra o regime militar e a repressão.
Lançado em março de 1984, o filme teve seu roteiro escrito por Maurício Dias e Sílvio Tendler, enquanto a Trilha-sonora foi desenvolvida por Milton Nascimento e Wagner Tiso. A narração dos acontecimentos ficou a cargo de José Wilker. A edição foi conduzida por Francisco Sérgio Moreira e os produtores associados foram Denise Goulart e Hélio Paulo Ferraz.
PRÊMIOS
Prêmio Especial do Júri, melhor filme do Júri Popular e melhor trilha sonora do Festival de Gramado (1984). Prêmio Especial do Júri, Festival de Havana (1984). Festival Internacional Del Nuevo Cine Latinoamericano de Cuba (1984), Prêmio especial do júri. Troféu Margarida de Prata – C.N.B.B. (1984).