No ano de 1953, quando o Brasil já vivia uma fase de intensa convulsão político-social (que culminou com o suicídio do Presidente Getúlio Vargas, um ano depois), a cena teatral nacional foi marcada por um acontecimento de grande significado: a estreia da peça Canção Dentro do Pão, de Raimundo Magalhães Júnior, que simplesmente tinha, no elenco, ‘monstros sagrados’ como Nydia Licia, Bibi Ferreira e Leonardo Villar. Junto com o autor da peça, seus atores e o então estreante diretor Sergio Cardoso foram agraciados com os mais importantes premios teatrais concedidos na temporada, o que daria ao espetáculo uma aura quase lendária, tornando-o uma das principais referências do teatro brasileiro dos anos 1950 e – por que não dizê-lo? – das décadas seguintes. Ainda hoje, a peça continua frequentando palcos por este Brasil afora.
Caberia indagar por que as plateias de 65 anos atrás deram à Canção Dentro do Pão tamanha consagração popular. Será que a peça, passada em 1789, às vésperas da Revolução Francesa, teve sucesso só por ser uma comédia leve, que tratava de um provável adultério entre a ambiciosa mulher de um padeiro (igualmente oportunista) e um burocrata da realeza, que além de parasitar a máquina estatal a utilizava contra cidadãos incautos? Registre-se que a figura arquetípica da mulher do padeiro, dadivosa e interesseira, há muito frequentava o imaginário popular: ela surgia no Brasil, p. ex., numa marchinha do Carnaval de 1942, descrita pelos autores Joel e Gaúcho como “a mulher que trabalhava noite e dia, viajava só no Bonde da Alegria, cantava e pulava e o padeiro não sabia”, até o dia em que este aceitou trabalhar como fiscal do referido bonde; já antes, em 1938, outra fogosa dama aparecera pulando a cerca no filme francês La Femme du Boulanger (de Marcel Pagnol, adaptado de um romance de Jean Giono), que depois serviu de base para um musical americano.
Mas certamente não foi pelas estripulias da mulher do padeiro que a Canção Dentro do Pão ganhou seu lugar na história do teatro brasileiro: mais que ser uma comediazinha ligeira e despretensiosa, como muitos ainda pensam, ela não só volta-se com maestria para a nobre arte (ou ciência) de fazer rir, mas expõe também o talento de Raimundo Magalhães Júnior para a responsabilidade de fazer pensar, por meio de um modelo dramático que alia comédia e teatro histórico, como bem definiu o crítico paulista Décio de Almeida Prado (1917-2000).Vê-se, assim, que dentro do divertido pão de Raimundo Magalhães Júnior há muito mais que riso e irreverência: há reflexão, há compromisso com a realidade, há consciência da marcha do Homem para transformar a História.Por trás dos quiproquós amorosos dos personagens e dos seus diálogos picarescos e aparentemente simplórios, aos poucos emergem contradições sociais, embates de classe, ambições coletivas e pessoais, crueldades políticas e outras mesquinharias que-tais. Assim, o padeiro Jacquot e sua mulher Jacqueline mostram-se não só como pacatos burgueses, mas revelam também expedientes ardilosos para ascender à nobreza, junto a quem querem circular a qualquer custo, por meio de puxa-saquismo, submissão e até ‘terceirização’ do leito conjugal. Já o finório Finot, despenseiro do Rei, áulico de quatro costados, exibe bem opoderzinho dos burocratas inescrupulosos que tomam a administração pública como coisa privada e agem abertamente contra o povo. Todos esses tipos tratados na peça – alpinistas sociais, atravessadores de vantagens, corretores de picaretagens, adesistas de primeira hora, etc., eram e ainda são, como bem o sabemos, bastante representativos dos momentos de transição política. Ao exibi-los sem disfarces, a Canção Dentro do Pão desfaz qualquer pacto com a inocência política, com isso rejeitando o rótulo de comediazinha sem compromissos.
A montagem de Canção Dentro do Pão pelo elenco do CPC-UMES é estrelada por Rebeca Braia, Pedro Monticelli, João Ribeiro, Ricardo Mancini e Rafinha Nascimento. A direção do espetáculo é de Bete Dorgam (com assistência de Valério Bemfica) – Música original: Marcus Vinicius de Andrade e Léo Nascimento – Direção Musical: Léo Nascimento – Cenografia: Caio Marinho – Figurinos: Atílio Beline Vaz – Iluminação: Lui Seixas – Produção Executiva: Telma Dias – Assessoria de Imprensa: Adriana Balsanelli e Renato Fernandes – Produção: CPC-UMES
Em cartaz desde julho de 2017, no Teatro Denoy de Oliveira (Av. Rui Barbosa, 323, Bexiga), a peça Canção Dentro do Pão terá uma sessão especial no próximo dia 14 de junho (quinta-feira), às 20:00 hs., após a qual ocorrerá o evento de lançamento do CD com a trilha sonora completa do espetáculo, pela Gravadora CPC-UMES.
GRAVADORA CPC-UMES
Fazendo a Música que o Brasil merece.
SERVIÇO:
Cine-Teatro Denoy de Oliveira
Rua Rui Barbosa, 323 – Bixiga – Fone: 3289.7475
Dia 14 de junho – 20 horas
INGRESSOS: R$ 20,00 e R$ 10,00
Estudantes com Carteirinha da UMES e moradores do Bairro: Entrada Franca