Volta às aulas em São Paulo
ELISA PROENÇA
Professora na rede pública estadual de São Paulo
Muito se fala sobre os casos confirmados de covid na rede estadual de ensino. E muito se fala de greve enquanto os professores não forem vacinados. Os casos de covid existem, a própria Secretaria da Educação os reconhece. Por outro lado, a greve não existe. As escolas estão funcionando. Por que será? A realidade é que a maioria dos professores e agentes de organização escolar são contratados, sem estabilidade. São os Categoria O. Se não forem trabalhar têm seus contratos cancelados e ficam no desemprego. Os Categoria O não têm opção. Mas boa parte dos efetivos, com estabilidade, também não está aderindo à greve.
Tem outro elemento que tem sido muito esquecido nas discussões sobre a volta – não volta às aulas: a maioria dos países do mundo mantiveram as escolas abertas durante grandes períodos da pandemia. As escolas só foram fechadas nos momentos de pico de contaminação e lockdown. E em nenhum desses países os professores foram incluídos como categoria profissional prioritária a ser vacinada. O critério geral em todo o mundo é o de iniciar pelos profissionais de saúde, os mais idosos, os portadores de comorbidades…
Será que existe uma “conspiração globalista” contra os professores? Ou será que a discussão contaminada por interesses eleitorais é que está trancando as razões científicas no porão do silêncio? E por causa disso perde-se o foco na questão central: lutar pelas precauções sanitárias necessárias para as escolas funcionarem até a população estar vacinada.
Os profissionais de limpeza foram os primeiros a ser demitidos. É urgente a recontratação. Sem equipes reforçadas de limpeza, nunca teremos segurança sanitária.
Faltam agentes de organização escolar, que são os profissionais que cuidam das crianças, que atendem aos pais, que dão suporte para nós professores e para a gestão. É urgente a recontratação de agentes de organização escolar.
Os materiais e equipamentos para limpeza e higienização de profissionais e alunos são insuficientes. É imprescindível que o Estado os forneça em abundância. É uma situação excepcional em que pecar por excesso é melhor do que pecar por falta. E não menos importante: é fundamental que o Estado fiscalize, de muito perto, a correta e ágil distribuição e uso desses materiais pela estrutura que vai da Secretaria de Ensino até os diretores das escolas.
Atualmente, as aulas acontecem no sistema híbrido. Os professores lançam as matérias, as provas e os exercícios na plataforma Classroom, ministram as aulas online pela plataforma Google Meets e vão para a escola para tirar dúvidas e ajudar nas dificuldades dos alunos.
O rodízio das crianças está perfeito. Em algumas escolas, o rodízio é semanal. Na primeira semana do mês uma turma, na segunda semana outra… Noutras escolas o rodízio é organizado por dia. Sendo assim, porque é que todos os professores são obrigados a irem todos os dias? Para se aglomerarem na sala dos professores? Onde somos obrigados a ficar quando não temos que estar na sala de aula.
Se a aula é remota e é por aplicativo que o aluno faz prova e recebe sua presença, não é impossível entender que, nós, professores, agentes de organizar escolar, pessoal da gestão etc. precisamos de um rodízio sincronizado com o rodízio dos alunos! O lógico é que os todos os profissionais da educação façam um rodízio, com uma parte indo de manhã e os outros à tarde, revezando os dias, de forma a dar o pleno atendimento aos alunos, mas evitando exposição desnecessária.
Sou professora Categoria O e sou mãe. Pego dois ônibus para ir trabalhar. Todos os dias, chego em casa apavorada. Será que me contaminei e vou contaminar a minha família? Aí vi a campanha para que os professores tenham prioridade na vacinação. A minha primeira reação foi de alívio. No dia seguinte entrei no ônibus, ainda com muito medo, mas com uma nova esperança. Aí… vi a moça no outro banco e pensei: será que ela está indo trabalhar no caixa do supermercado? Se ela parar, como compro comida, produtos de limpeza? Vi o senhor com uniforme de uma concessionária e pensei: E se ele parar? Fico sem água, sem luz, sem internet, sem telefone. Olhei para o motorista do ônibus, pensei no moço da banca onde compro as frutas para o meu filho… Eles não são essenciais? Só os professores são essenciais? Sou professora dos filhos dessas pessoas. Devo dizer para os meus alunos que a minha vida e da minha família é essencial. A vida do pai, da mãe, dele, não?
O imprestável do Bolsonaro está em guerra contra a vida e a ciência. Não quer vacinação e, no pouco que não conseguiu impedir, está deixando Estados e Municípios à própria sorte. Por todo o país o que se vê é “autoridade” usando o cargo para furar fila. E nós, professores? Nós temos um lobby organizado para furar a fila de vacinação. Ensinamos ciência mas a nossa categoria se organiza como se fôssemos reles terraplanistas oportunistas. Que vergonha!
Vergonha e estupidez. Enquanto as energias se gastam nessa campanha de greve e desse lobby, enquanto a atenção da sociedade é atraída para abaixo-assinados pedindo esse fura-fila, ninguém se mobiliza para garantir as medidas essenciais de segurança sanitária para os profissionais da educação e para os alunos.
Publicado no Jornal Hora do Povo
Deixe uma resposta
Want to join the discussion?Feel free to contribute!